O Vírus e os Pastorinhos

O vírus e os pastorinhos, o betão e as pedras vivas, a internet e a comunhão, a igreja vazia e o coração cheio.

Sexta-feira, dia 1 de maio, na Igreja dos Pastorinhos em Alverca foi celebrada a missa de ação de graças pelos quinze anos da sua dedicação. Nesse dia, tinha sido muito diferente... Os pastorinhos vieram de helicóptero acompanhados por, nada mais, nada menos, do que a Mãe do Céu – que não poderia ter decorrido em mês mais certeiro -, havia uma grande multidão em festa e muita alegria e confetti’s no ar. Na altura eu era uma criança de sete anos, estava na varanda de uma das casas em frente, com uns amigos de família, e passei o tempo a apanhar os confetti’s que eram lançados para o ar. Lembro-me de ter levado para casa mais de cem, de todas as cores e tamanhos.

Quinze anos depois, o mesmo dia, ainda feriado, mas ninguém na rua...O Covid-19 obrigou todos a ficarem em casa (enquanto que na Alameda D. Afonso Henriques os sindicalistas se concentravam na sua manifestação). Alguns de nós, catequistas, pensámos transmitir a missa por Zoom, para além da habitual transmissão pelo Facebook, para podermos estar juntos, ainda que por meios digitais, com os miúdos com quem fazemos caritativa e as suas famílias.

Falando com o atual pároco, não houve qualquer problema desde que eu fosse para tratar de toda a logística (e nestes casos, há sempre problemas de última hora). Cabos que não funcionam, redes que não se ligam, um olhar para as imagens de Nossa Senhora e dos Pastorinhos e um Veni Sancte Spiritus, Veni per Mariam e logo depois, ao som do toque de sino que marcava o início da celebração, a transmissão começa sem qualquer problema. Entrar numa igreja vazia sempre me fez impressão, mas neste caso concreto era a minha igreja, que eu considero como casa há mais de 5 anos, que estava vazia. Eu, dois padres, as mesmas imagens de Nossa Senhora e dos Pastorinhos... éramos todo o povo que estava ali reunido.

Dois meses depois da partida dos meus padres -chamo-lhes “meus” porque foi com eles que cresci na vida, na fé e no caminho – uma enorme onda de saudade levantou-se no meu peito. Tudo estava igual, os bancos tão ordeiramente arrumados como se preparados para acolher as crianças que uma atrás da outra se iriam sentar no banco da frente, o altar enfeitado com tantas flores, o mesmo “nervoso miudinho” que sentimos quando estamos à espera de que aconteçam coisas enormes, mas a igreja estava vazia. Não pude deixar de olhar para isto com vertigem, eu, a quem tinha sido dado o privilégio de ser o único presente na assembleia naquele dia, senti uma preferência que nunca antes tinha sentido. Senti-me pequenino diante daquilo que Deus faz acontecer, impotente diante da grandeza do dom gratuito que Ele dá. Durante a missa só conseguia pensar: “é verdade, é mesmo assim, é isto!”, com uma grande comoção e uma clareza que me é pouco usual.

Durante a homilia, o Padre Marcelo falou da igreja como lugar de encontro, mas principalmente da igreja feita de pedras vivas que a nossa comunidade é. Sem essa, a Igreja dos Pastorinhos não passaria de betão e tijolo e, por muito esplêndida que seja a construção, o seu valor não seria comparável ao valor do encontro que cada um de nós fez com Cristo.

Glória não a nós, Senhor,
Mas a quem auxiliou os baixinhos
Nas horas de maior ardor
Pois a Virgem e os Pastorinhos,
Que em santidade são de valor,
Nos puseram em bons caminhos
Para chegar a Nosso Senhor.


Ricardo, Alverca