Educar em tempo de pandemia

O que está a aprender quem ensina?
Pedimos a alguns amigos que nos contassem a sua experiência para a revista Passos de maio. Não podendo constar na sua totalidade na Revista, quisemos disponibilizá-las para partilhar toda a riqueza do testemunho

Sou professora numa Unidade Especializada de Multideficiência, o que significa que trabalho com crianças com grandes limitações físicas e psíquicas. Quando comecei a trabalhar nesta Unidade, há dois anos, senti uma responsabilidade maior do que em qualquer trabalho prévio como educadora, não só pela especificidade de cada um, pela exigência única de cada um, mas pela minha relação pessoal com os pais, por me aperceber com toda a clareza que, em cada situação, estes pais me confiam verdadeiramente os seus filhos. Os meus dias são uma alegria, cantar com as crianças, ouvir as suas vozes ou sons, ver os seus sorrisos e expressões, a sua alegria, a sua dor ou tristeza; dançar com os seus braços e rodar as suas cadeiras como se estivéssemos num verdadeiro baile; receber os seus abraços descontrolados... Mas é o que me sustém como educadora, "apaixonar-me" por cada cada um!
Nestas últimas semanas, tudo tem sido bastante mais difícil, pois o contacto é muito limitado e a capacidade de comunicação das minhas crianças é, em geral, bastante limitado e exige uma dimensão muito física. No entanto, este tempo tem sido também oportunidade de redescobrir e aprofundar algo extraordinário: a minha relação com estes pais! Tenho aprendido imenso com os pais. Comove-me extraordinariamente o seu desejo de ajudar os seus filhos a crescer, como vêm ao meu encontro pedindo sugestões, a maneira como põem em prática as tarefas propostas, nunca desistindo.
Patrícia

Sou professor de Matemática há 15 anos…
Quando fomos obrigados a ir para casa, comecei imediatamente (na mesma tarde) a propor exercícios aos meus alunos e no dia seguinte a dar aulas on-line. Não tenho dificuldades com a tecnologia e a matemática presta-se a aulas em esquemas, por isso não achei difícil. Comecei por filmar o caderno onde ia escrevendo os exercícios, à medida que os explicava; depois passei para uma mesa digital. Corre bem.
Mas corre bem por causa da relação que já estava estabelecida com os meus alunos. Corre bem porque eu os conheço e eles me conhecem. Porque existe uma relação de confiança mútua que permite a compreensão da matéria e a aprendizagem, quer seja mais fácil, quer haja dificuldades.
Educar é uma experiência presencial. Ensina-se e aprende-se matemática através de uma fidelidade que no tempo ajuda a inteligência.
Esta circunstância não me impede de ser professor. Mas sublinha a importância e a beleza das relações carnais: fomos feitos para crescermos juntos.
Tiago

Para mim este tempo de confinamento e distanciamento físico não começou propriamente por ser algo fácil.
Sendo eu professora e como apelidada por alguns, como sendo a "professora da afetividade” e da relação presencial com os meus alunos, o início foi um pouco estranho, estava receosa, ansiosa e com medo de não conseguir os objetivos propostos, continuar a dar continuidade às matérias e os meus queridos alunos continuarem a aprender.
Mas, graças a Deus e a esta Companhia que me ajuda a olhar e viver as circunstâncias que me são dadas e nunca esquecendo que a realidade é positiva, desde logo é tendo a certeza de que as circunstâncias que me eram dadas viver seriam aquelas, a maneira como eu olharia para elas é que faria a diferença. Então, rapidamente, pedi ajuda aos amigos, instalei o Zoom e a partir daí, tudo se tornou mais fácil, o longe fez-se perto, e ainda antes das aulas recomeçarem no terceiro período, a realidade já tinha começado a dar sinais positivos. Sim! Tive a graça, mais uma vez, de à distância ser sustentada por esta Companhia concreta que são os amigos do CL. Fiz Escola de Comunidade, participei no Retiro de Páscoa, com o Padre Ramiro, participei nas Assembleias de Responsáveis e assisti à apresentação de livros.
E desde o início do terceiro período, dou aulas diárias aos meus alunos, é verdadeiramente uma alegria, apesar da distância, podermos ver-nos é extraordinário!
A realidade impõe-se e nós através do olhar verdadeiro, que deve ajuizar todos as coisas, percebemos que no fundo, há sempre uma positividade e é a Companhia que me relembra disto e por isso é muito importante permanecer.
Por último tenho vontade de dizer, Obrigada Zoom! Por me ajudares a manter-me na Amizade com todos.
Manuela

Neste tempo, tudo é para aprender, tudo. Do dia para a noite viemos para casa, e tivemos de nos adaptar. Tudo é diferente. E não podemos dizer que é igual ao estar na escola.
A coisa fundamental que tenho aprendido nestes tempos é que sou necessitada. Sou necessitadas dos meus colegas, somos três, partilhamos tudo, e torna-se mais fácil o nosso trabalho. Sou necessitada dos meus alunos, ainda que seja difícil muitas vezes, vê-los em ação por quadrados minúsculos.
Depois percebi uma coisa que espero que fique para o futuro, que nasce em mim uma criatividade no fazer e no pensar, sobretudo quando estou apaixonada por aquilo que faço. É isto que tenho visto, nestes tempos, um gosto em fazer e fazer bem. Sei que é um risco, cada vez que faço um vídeo e me exponho não sei como pode ser usado, mas aquilo que sei, é que passar um dia todo a preparar uma aula, dá-me um gosto enorme.
Patricia

O dia em que me disseram que o colégio tinha fechado e tínhamos de começar a trabalhar a partir de casa foi encarado com uma grande naturalidade. Afinal uma pandemia pode trazer estas consequências. Fiquei cheio de confiança de que seria totalmente capaz de dar conta. Afinal eu estava preparado para o fazer porque tenho feito várias formações e sou bastante tecnológico. Em dois dias tudo estava a funcionar: tinha a plataforma pronta, a planificação feita e as tarefas definidas. Foi então que chegou o momento do encontro com os alunos. À hora marcada estávamos todos lá. Fiquei bastante satisfeito com a aula porque consegui manter o mesmo entusiasmo em falar aos meus alunos sobre rochas. Afinal de contas, a minha paixão pela Geologia mantinha-se igual e o meu esforço em transmitir esse entusiasmo não diminuiu com a distância física. Mas um vazio entrou pelo coração e a razão não conseguiu explicar. Acho sempre que consigo dar resposta ao que se passa ao meu redor mas desta vez não estava a conseguir. Num dos intervalos das aulas, e durante um encontro com vários educadores [promovido pela Fundação Maria Ulrich], saiu-me uma frase que definiu o que tanto me perturbava: «sinto que não estou em relação com os meus alunos». Foi preciso arriscar um juízo sobre esta frase e tive de pedir ajuda. Foi preciso perceber que a mecânica da aula estava montada mas a faltava o mais importante: a relação entre os sujeitos; entre cada um dos meus alunos e eu. Foi preciso tomar consciência deste passo para ser capaz de, todos os dias, dizer aos meus alunos «Eu estou aqui, agora» e começar por estruturar todo o trabalho em função do que lhes quero ensinar. É aqui que se joga toda a nossa relação. Afinal de contas, as tecnologias são apenas um meio mas é no «estar com» que toda a relação educativa se joga.
José

Não posso dizer que me tenham puxado o tapete, pois no dia em que o colégio fechou a minha consciência sobre a nova realidade de fazer escola ainda não era muito palpável nem tão pouco definida. Lançaram-nos o desafio de nos mantermos presentes e com um ensino de rigor, tal como nos caracteriza. Pensei, com os meus botões, que nos estavam a pedir o impossível e que jamais me iria pôr na “pele de blogger” e filmar-me a dar aulas. No entanto, tal como diz e bem o ditado popular: “pela boca morre o peixe” e lá me rendi ao inevitável.
Entrámos no mundo virtual! Numa primeira fase começámos por fazer pequenos filmes explicativos com exposição da matéria, aliado a uma proposta de trabalho que visava a implementação e treino dos conteúdos expostos. Para além disto, tentávamos criar uma atividade mais lúdica que permitisse aos alunos jogar e aprender ao mesmo tempo. Foi neste momento que o meu tapete começou a fugir! Onde me vou filmar? Vou escrever onde e como?... Decidido o cenário, salto para a frente da câmara e toca de fazer trinta takes de uma mesma aula para depois editar, cortar, colar para conseguir uma explicação que no máximo durasse dez minutos.
Ultrapassada esta primeira fase, passámos à de encaminhar este material para as famílias. Este sim, foi sem dúvida o ponto mais sensível de todo este processo. Não houve aviso prévio, nem tempo de preparação para nenhumas das partes (colégio e famílias). Conjugar os dois mundos de uma forma mais ao menos harmoniosa foi sempre a nossa preocupação. Foram muitas as conversas, anseios e inquietações partilhadas parte a parte. Nem todas foram fáceis e lineares, mas de uma forma ou de outra contribuíram para o esboçar de uma escola virtual possível para todos. Para mim, pessoalmente, foi um exercício de caridade e de humildade ter de me colocar na pele de outros… Ouvir as suas preocupações e procurar, em conjunto, uma solução viável para aquela família em particular. Um exercício nada fácil, mas que pôs à prova a minha capacidade de improvisação e de dar resposta ao que a princípio julguei ser uma utopia.
Terminado o segundo período e este primeiro contacto com a escola virtual, ingressámos nas férias da páscoa e num período de exploração de plataformas e métodos de ensino virtual. Este foi o primeiro ensaio de uma nova proposta educativo que surgia daí a umas semanas com o começo do terceiro período.
Escrevo este testemunho ao fim de quatro semanas seguidas de ensino à distância de forma diária e de certa forma presencial – através das plataformas que nos permitem ver uns aos outros -. Posso dizer, com toda a certeza, que as espectativas foram superadas largamente, não só as minhas, mas também as de muitos pais pelas mensagens e e-mails que enviaram.
Assim como no ensino presencial, também aqui encontramos alguns desafios e constrangimentos. Os meus dias, assim como os da equipa que tenho a Graça de pertencer, passam por dar aulas, planear de forma muito mais meticulosa, discutir/ partilhar estratégias e pôr em prática aquilo que idealizámos. Tudo isto que fazemos agora, não invalida nem tão pouco menoriza o que fazíamos em tempo de preparação de aulas presenciais. As duas grandes diferenças estão: (1) na possibilidade limitada de corrigir e controlar o trabalho feito pelos alunos; e (2) na nossa capacidade de fazer passar a mensagem de forma mais objetiva e sucinta, que, em crianças de 8/ 9 anos nem sempre é fácil.
Para o primeiro constrangimento (correções), temos tentado contornar, pedindo às famílias que nos façam chegar fotografias dos trabalhos; outras vezes e nos momentos de aulas, pedimos aos alunos que virem os seus livros para as câmaras; outros momentos criamos quizz digitais aos quais respondem; os ditados e os cálculos mentais, por exemplo, são resolvidos no caderno e posteriormente escritos no chat para nos serem enviados no momento… Para o segundo desafio (concentração dos alunos), nas primeiras horas da manhã optámos por dividir sempre a turma em dois grupos. A divisão dos alunos é feita segundo os ritmos de trabalho, a fim de evitar muitos tempos de espera. Quando estes acontecem os alunos têm um livro por perto para lerem, enquanto esperam pelos outros. Nas duas salas estão a acontecer trabalhos diferentes, isto é: enquanto um grupo está a trabalhar sobre matéria nova e a fazer os respetivos exercícios, o outro grupo está a fazer um trabalho mais de revisões, trabalhos em atraso e/ou mesmo correções. Esta opção permite um maior esclarecimento de dúvidas, pois menos alunos por aula permite uma maior rotatividade e frequência na participação. Depois do intervalo trocamos de grupos e o trabalho repete-se.
Conto-vos um episódio de uma aula que dei num fim de dia de quinta-feira a alunos do 2ºano. Como podem imaginar a vontade e o cansaço já era algum (de ambas as partes), mas tinha uns exercícios para acabar de resolver. Ao olhar para a cara deles percebi que algo tinha que fazer e a única coisa que me passou pela cabeça foi resolver os exercícios em tom de relato de jogo de futebol! Imaginem, eu em minha casa, de fones nos ouvidos a ler enunciados de matemática como se de um jogo se tratasse. Passar a bola equivalia a dar a palavra a um aluno para responder (esse aluno passava a ter o nome de um jogador ou personagem à escolha). Sempre que acertava na resposta e explicação comemorávamos todos em tom de golo: “Turma do 2ºB três golos, contra exercícios de matemática zero!”. E assim se passou uma hora de aula animada!
Partilho este episódio, não pela novidade destas situações, mas pelo que representa para mim. Toda esta experiência é nova e desafiante, no entanto não deixa de ser semelhante há que já vivíamos no nosso dia-a-dia. O segredo para o sucesso de qualquer aula, a meu ver, está na criatividade e na relação que criamos com quem estamos todos os dias (alunos, pais, professores, diretores…). O trabalho feito antes de toda esta pandemia permitiu-nos chegar a esta situação e vencer de certa forma. Gosto de pensar que o nosso percurso, ou pelo menos o meu, foi feito de forma ascendente e progressiva. Tal como São Francisco de Assim aconselha: “Comece por fazer o que é necessário, depois o que é possível e de repente estará a fazer o impossível”.
Mónica

A que horas e como cantar o “Bom dia” com as crianças mais pequenas; em que modalidade propor as atividades relacionadas com o desenvolvimento da linguagem e do raciocínio; em que plataforma implementar uma “escola à distância” para os mais crescidos e como manter a didática a partir da experiência comunitária da realidade, que parecia impossível por causa da quarentena…
Somos amigas e trabalhamos numa pequena escola, algumas com responsabilidades na coordenação. À medida que avançávamos com tentativas para nos antecipar ao encerramento das escolas, surgiam perguntas práticas: será que os miúdos têm computadores? Será que os pais os conseguem acompanhar? Será que conseguimos fazer “as mesmas coisas”?
Apesar de nunca nos ter passado pela cabeça “não responder” a esta circunstância, parecia sufocante imaginar-nos em frente a um computador a dar aulas, contar histórias, cantar, ensinar a ler, fazer concursos de tabuadas… E aí chegou a carta do padre Carrón: "Nestas semanas cada um de nós poderá ver que posição prevalece: a disponibilidade para aderir ao sinal do Mistério, para seguir a provocação da realidade, ou deixarmo-nos levar por qualquer “solução”, proposta, explicação, a fim de nos distrairmos desta provocação, de evitar esta vertigem. Cada um de nós poderá, depois, verificar a consistência real das “soluções” em que foi procurar refúgio”. Então percebemos que se tratava de seguir a provocação da realidade e não de uma adaptação dos meios, de um ajuste às novas circunstâncias para fazer "as mesmas coisas”.
O primeiro facto imponente é que estamos impedidos de ir à escola e não podemos fazer o que sempre fizemos. Ou melhor, podemos tentar, mas não queremos. Estamos em casa, com as famílias, e isso é um dado. Mudámos a perspectiva e fomos à procura dos sinais de beleza e de bem, dos traços daquele Rosto bom que nos sustenta. Encontrámos um caminho de trabalho pessoal: para saber o que é bom para as crianças, fomos verificar o que é bom para nós. Foi muito surpreendente ver as nossas colegas a responder com entusiasmo mesmo sem o peso da obrigação profissional. A experiência de seguir uma hipótese da qual nós estamos certas suscitou um entusiasmo capaz de oferecer um caminho para muitos.
Descobrimos que cantamos o “Bom dia” com as crianças pequenas porque queremos nós começar o dia nas nossas casas a espreitar as caras dos alunos e dos colegas, que nos fazem falta. Propomos pequenas actividades em vídeo diariamente para alguns e em directo para os mais crescidos porque queremos encontrar a beleza do dia-a-dia, porque queremos nós - antes de mais - continuar a reparar no Mistério que se faz presente, mesmo dentro das quatro paredes das nossas casas.
Algumas famílias agradecem-nos a companhia e confessam a sua perplexidade com a proposta tão positiva no meio da confusão. Outras famílias manifestam dificuldades e até desacordos, que nós começámos a acolher sem escândalo porque também essas fazem parte do sinal do Mistério. Temos medo de não saber fazer, de não estar à altura, mas foi crescendo a consciência de que fomos preferidas, escolhidas para viver neste tempo, nestas semanas. Se é assim, tudo tem lugar.
Por vezes, entre nós, discutimos e zangamo-nos porque não nos é poupado realmente nada e nem isso se revela um obstáculo. É cansativo trabalhar assim, é desajustado e queremos voltar para a Escola. Mas estamos profundamente gratas por ter recuperado a consciência de sermos educadoras, isto é, pessoas apaixonadas e livres que vivem intensamente o real. É isso, só isso, que temos para oferecer aos miúdos e ao mundo.
Ana, Catarina e Matilde


Sou professora de Artes do pré escolar e 1ºciclo, num Colégio, uma graça que agradeço, um lugar que me transforma e educa.
Dia 12 de Março, primeiro dia de confinamento, com aulas para dar através do computador! Nos dias seguintes, muitos momentos de cansaço e de irritação, de stress e de medo, de incredulidade no método, de falta de tempo para gerir tudo o que o ensino à distância exige.
Hoje, no quinquagésimo sexto dia, nas mesmas circunstâncias, mas com um olhar diferente, consigo testemunhar muitas surpresas, com a família, com os alunos. Trabalhamos e descansamos.
Tenho visto nos meus alunos uma grande resiliência, uma enorme vontade de trabalhar e de aderir ao que lhes é proposto. Têm aprendido a pedir ajuda sem ter medo de ouvir um não. Telefonam, escrevem mensagens, insistem, lutam!
Nestes dias, os meus alunos têm aproveitado mais do que nunca a presença dos professores. E isso é fruto de uma relação, verdadeira, que já viviam no Colégio.

Academicamente também têm aprendido muito. A proposta das Artes do Colégio aposta no desenho de observação para a descoberta e espanto daquilo que temos diante. No ensino à distância, decidimos adicionalmente desafiá-los a descobrirem o sentido estético de um trabalho realizado num formato de ateliers mais curtos e criativos, através de técnicas menos usadas em aulas presenciais.
Outro desafio que foi adaptado a esta nova realidade foi a produção da peça de Teatro do 1ºciclo, proposta central do Colégio. Também os castings revelaram a criatividade dos alunos através do empenho, da confiança e da relação com os professores. Vimo-los muito contentes. Fez-me falta ouvir em pleno a voz do aluno enquanto cantava, mas ainda assim foi possível comover-me com a beleza do seu timbre e do empenho que pôs no que estava a fazer.
Faz-me falta estar com eles, falar com eles, brincar com eles, ajudá-los a desenhar, mas tenho visto acontecer em mim uma forma, também verdadeira, de estar com os alunos, e isso conforta-me.
É bom perceber que não controlando tudo, confiando e trabalhando, coisas bonitas acontecem e, assim, como sempre podemos descansar no Senhor.
Carolina

Este ano faz 37 anos que comecei a dar aulas. Ao longo destes anos apanhei muitas alterações curriculares e de programas impostas pelo Ministério, propus outras, mantive o interesse e o estudo pela História e pela História da Arte, aprendi a trabalhar com as novas tecnologias. Achava e continuo a achar que sei dar aulas, que sei construir instrumentos de avaliação diversificados e que sei propor trabalhos, lançar desafios e avaliar alunos.
Ou seja, sinto-me segura na minha profissão. Considero-me uma pessoa segura – que sabe o que está a fazer e que é capaz de ajudar outros a formar-se e a progredir nesta profissão.
Estas seguranças foram abaladas pela porcaria de um vírus que me atirou para casa e para o teletrabalho.
A porcaria do vírus demonstrou-me que não dominamos tudo, contrariamente ao que nos queremos convencer. Nós dizemos “Não dominamos tudo” e eu já o dizia com toda a convicção, mas, agora, trata-se de viver isto na vida concreta do dia-a-dia e, concretamente, numa coisa que eu já tinha programada até ao final do ano.
A porcaria do vírus desorganizou tudo e está a obrigar-me a reinventar-me como professora sem deixar de ser eu própria.
A realidade é para enfrentar e se não podemos derrotar o vírus, agarramos o desafio…

Na primeira semana das férias da Páscoa, fizemos reuniões de Departamento todos os dias para nos ajudarmos e planearmos o trabalho do 3º período – não é o coronavírus que nos impede de planear e de dominar o que vamos fazer. O que seria?! Este trabalho foi um desafio. Trabalharmos juntos para aprendermos uns com os outros, aprender a lidar com novas ferramentas, pensar a avaliação, organizar a planificação.
Aprendi imenso, mas o desafio era o passo seguinte: aprender a fazer tendo como público os alunos que estão lá para aprender História comigo. Não é uma situação cómoda, de todo. Abala as seguranças.
Como é que se dá aulas neste sistema? Há tanta coisa para fazer ao mesmo tempo que faltam mãos, tal como me faltavam pés quando tirei a carta e queria um pé para cada pedal.
Agora é preciso uma mão para admitir os alunos, outra para compartilhar a tela, outra para ligar o som que, entretanto. faz falta por causa do vídeo, outra para mandar calar um, o outro desligou a câmara (foi à vida dele? Chamo a atenção? Oiço a resposta: a minha internet não aguenta; volta a aparecer um a pedir para ser admitido: Onde é que andava? A minha internet caiu. Mando para a sala de espera e esqueço-me do gaiato lá, etc, etc, Faltam mãos, falta cabeça, falta capacidade de desdobrar a atenção
E, enquanto faço isto tudo, ainda penso e ensino alguma coisa com sentido? Não sai qualquer coisa como “D. Afonso Henriques conquistou a sala de espera, com a ajuda do Diogo cale-se, baixe a mão e levou a Reconquista até à impaciência”?!
Período duro que me obrigou e continua a obrigar a aprender a trabalhar com um conjunto de ferramentas novas que eu nem sabia que existiam quanto mais saber trabalhar com elas. Não sabia porque não precisava.
Período duro porque os miúdos não viraram anjos e, numa aula que deu imenso trabalho a preparar, decidem riscar os slides que eu estava a projetar e, enquanto faço de conta que não vejo e continuo a explicar a matéria, penso que deve haver uma ferramenta qualquer que permita impedir isto, mas não é altura de ir à procura dela.
Período duro que me revela uma coisa que eu sempre soube que é verdade e até a digo várias vezes aos miúdos, mas que nunca tinha vivido com tanta intensidade. Eu não domino os meus alunos, não sou eu que garanto que os meus alunos aprendam – a minha relação com os alunos é um encontro de duas liberdades. Só aprende quem quer aprender.
Segundo desafio – Como é que se avalia os miúdos neste sistema?
Como é que vou fazer um teste a um conjunto de miúdos, cada um em sua casa, com o livro e o caderno e o telemóvel, e a internet, e o pai, a mãe a quem recorrer?
O vírus obriga-me a repensar o modo de avaliar de forma a poder fazê-lo com seriedade.
Obriga a experimentar instrumentos que encarem a circunstância, que não ignorem, que não aldrabem. Instrumentos que enfrentem a circunstância como ela é:
Por tudo isto tem sido um período duro e um período cansativo.
O isolamento social não é um intervalo na vida. Percebo-o como uma oportunidade de, diante dos obstáculos e das dificuldades que se apresentam, para me fortalecer. Sempre tive consciência de que a minha formação não estava terminada, mas esta circunstância tem-me aberto campos que eu quero desenvolver e incorporar naquilo que sou como pessoa e como profissional.
Estou a encontrar coisas que quero incorporar no meu método de trabalho: trabalhos em folhas mais ou menos rasgadas, deixados em cima da minha mesa, fora de horas, com uma letra de meter medo? – Acho que não volta a acontecer. Passados em word, submetidos até dia tal às tantas horas, corrigidos, classificados e devolvidos aos alunos via plataforma. Estou a adorar!
Testes de escolha múltipla na plataforma que corrige e classifica automaticamente, Fantástico!
Permite ganhar tempo para questões que desenvolvam competências de análise de documentos, mapas, imagens, etc. e de estruturação das respostas.
A porcaria do vírus abriu um conjunto de oportunidades que eu quero aproveitar.
Maria João