O texto e o copo de água

Dei por mim e percebi que aquele preconceito e desconfiança inicial tinham, entretanto, desaparecido e que naquele momento sentia uma verdadeira simpatia...

No fim de semana passado tive um técnico da minha operadora de telecomunicações cá em casa para me vir montar uma alteração que permitisse termos mais internet para todos nestes tempos que estamos a viver.

Tipicamente olho para estes técnicos com um certo ceticismo e ando sempre atrás deles para ver tudo o que fazem, se o fazem bem, e também para garantir que nalgum momento de distração não levam nada cá de casa. E, com este, aconteceu o mesmo.

Mas como o trabalho começou a ficar mais complicado que o previsto e ele precisava de andar pelas escadas do prédio para cima e para baixo, a certa altura decidi sentar-me na sala e começar a preparar o encontro de Fraternidade que iria ter à noite desse dia, retomando os pontos dos Exercícios propostos.

À medida que ia lendo fui-me enchendo de alegria e de correspondência com o que estava a ler e a uma dada altura, tendo o técnico entrada na sala para continuar os trabalhos dentro de casa, de repente levantei o olhar para ele e senti compaixão, pois estava todo suado e cansado com o que tinha feito até então. Subitamente levantei-me e fui preparar-lhe um copo de água, que ele agradeceu e bebeu com um só gole. Depois meti conversa com ele e percebi que tinha 6 filhos e falámos um pouco sobre estes tempos e sobre a educação dos filhos.

Dei por mim e percebi que aquele preconceito e desconfiança inicial tinham, entretanto, desaparecido e que naquele momento sentia uma verdadeira simpatia por ele.

Mais tarde, depois de ele sair, voltei ao texto e percebi-me muito contente e espantado com o que tinha acontecido, pois inicialmente estava numa posição reduzida, perante aquele homem, a minha habitual, mas ao ler os Exercícios - que são uma forma concreta de o Senhor me preferir, chegar até mim, tanto na proposta de os reler feita pelo Prior como no próprio conteúdo do texto - de repente entrou uma novidade e passei a ser eu mais verdadeiramente, capaz de um olhar novo sobre a realidade que tinha à frente e até de um gesto de caridade, muito mais correspondente para mim e para aquele homem. Ou seja, vi acontecer em mim, neste exemplo muito simples e banal, aquilo que o Federico nos propôs para a Semana Santa e que me parece ser também o ponto da EdC sobre a eleição (Homens chamados), ao ter-me deixado encher da preferência de Jesus por mim naquele momento, que encheu o meu coração, tendo isso levado depois à minha preferência também por aquele homem, ou seja, à missão, não como algo que tenho que fazer para ser bonzinho, mas porque de algum modo era-me impossível não partilhar com aquele homem aquilo que me aconteceu, através daquele pequeno gesto de atenção e do desejo de entrar em relação e em unidade com ele.
Francisco, Lisboa