O sol de Marisa

Damos por nós mais disponíveis a fazer tudo o que é necessário... todos ajudam todos...

Trabalho como fisioterapeuta num hospital de reabilitação.
Pensávamos que estaria tudo "sob controle", pois não somos de "primeiros socorros". Mas pelo contrário, também nós, num prazo de poucos dias, encontrámo-nos diante da emergência do Coronavírus.

Lembro-me dos olhos da enfermeira chefe, quando chegou o primeiro resultado positivo do teste de um doente. De repente, deparámo-nos com momentos surreais: o número de contágios que sobem, a corrida às máscaras e todos os dispositivos necessários, doentes e profissionais submetidos aos testes, confusão, medo, tanta incerteza ... que põe a nu a fragilidade de cada um.

Na primeira noite passei-a no hospital, com dois colegas com quem trabalho há anos, mas que nunca tinha tido a oportunidade de conhecer realmente: foi a possibilidade de ir além das aparências, de contar uns aos outros sobre nós, de compreender o outro ao descobrir a sua história. Este momento de emergência médica é uma ocasião que muda as relações, muda a maneira como trabalhamos.

Damos por nós disponíveis para fazer o que é necessário: médicos, enfermeiros, terapeutas, operadores ... todos ajudam a todos. E eu dou por mim a lavar e vestir os doentes, a dar o pequeno almoço. Passada a reação emocional, todos os dias entro no trabalho mais "atenta", não apenas do ponto de vista das medidas de saúde, mas atenta à minha volta, aos doentes, às suas perguntas e necessidades, em primeiro lugar, necessidade de conforto.

E descubro-me desejosa de festejar a Lina, que faz 89 anos, neste período de solidão, em que estão proibidas as visitas de familiares. Ou dou por momentos de beleza que não teria visto, como graças a Marisa, que tem 85 anos e está muito atingida pela doença, quase ausente, por isso é difícil entrar em relação com ela: levo-a para o ginásio para a terapia e percebo que ela está a olhar para a janela. "Para que é que está a olhar, Marisa?" "Olho para o sol!"
Marina, Milão