Só o cumprimento do coração é a resposta ao nada

Publicamos uma intervenção na assembleia de responsáveis do dia 2 de novembro, em resposta à pergunta: "Qual a forma da minha pertença?"

Como não posso estar na Assembleia de Responsáveis de hoje à noite, envio o meu contributo por escrito:

Quando pensava na tua pergunta: "qual a forma da minha pertença?" A primeira coisa que me veio à cabeça foi a circunstância concreta da minha vida que é a de estar a trabalhar todas as 4as-feiras à noite, e de este ser o dia em que acontecem praticamente todos os gestos do Movimento este ano. Confesso que quando comecei a tomar consciência disto, a ler a folha dos avisos no início de ano, a primeiríssima reacção foi um bocado de shock!
Mas como me lembrei que tudo o que nos acontece na vida é para nós, também rapidamente comecei a ver os frutos desta circunstância.

Um deles foi o dar-me conta de como preciso do movimento para viver. Dar-me conta duma pertença que não construo nem mantenho eu, mas que existe e que nos surpreende tal e qual como nos surpreende a falta duma pessoa amada quando se ausenta. Dar-me conta disto ajuda-me a perceber melhor como a pertença é uma coisa que me constitui.

A segunda coisa que me veio à cabeça foi a circunstância do meu trabalho em si, o facto de trabalhar com pessoas que tiveram problemas com a droga e o álcool, e de como isso me faz estar muitas vezes diante de pessoas dominadas pelo nihilismo de que o Carron tem falado. Todos os dias me dou conta da desproporção da minha pessoa diante da humanidade ferida que me é posta nas mãos através do Vale de Acor e está claro para mim que só aquilo a que eu pertenço, e não eu pelas minhas capacidades, pode fazer abrir qualquer coisa e salvar.

Mas como é que se vê, como é que passa para os outros, aquilo a que eu pertenço?
Tem-me ajudado muito trabalhar a Página 1 e perceber, como nos diz o Carron, que "só o cumprimento do coração é a resposta ao nada". Este pequeno grande juízo acompanha-me diariamente porque grande parte do meu trabalho é o diálogo com eles, diálogo esse que muito facilmente se torna em "discurso". Mas que "só o cumprimento do coração é a resposta ao nada" quer dizer que a minha pertença se torna concreta e se exprime ao outro neste "cumprimento do coração", na relação com o mistério, que é onde experimento este cumprimento. Por isso, a mim parece-me que a minha responsabilidade é viver este cumprimento do coração. O resto vem como consequência.
Maria, Lisboa