Voluntários do Meeting Lisboa 2025 (Foto: Pedro Marques Pereira)

Meeting Lisboa 2025

Nos dias 15 e 16 de novembro, o Meeting Lisboa regressou à Cantina Velha da Universidade de Lisboa, agora sob o mote de Tchekov: «Diz-me o que desejas, dir-te-ei quem és»
João Grave

Sábado, três conferências introduziram as exposições realizadas na edição deste ano. Em "O grande desejo de Frassati: Viver e não apenas sobrevier", o Pe. Ricardo Figueiredo e Paulo Rebelo apresentaram a vida do recém-canonizado Pier Giorgio Frassati (1901-1925), recheada de factos talvez demasiadamente banais para as vidas de santos a que nos acostumámos. Afinal, quantos santos ficaram conhecidos por terem chumbado a latim? De facto, a força do testemunho deste jovem, falecido em 1925, com apenas 24 anos de idade, foi precisamente ter vivido tudo imerso em Cristo e com um verdadeiro desejo de O levar aos outros, sobretudo, aos mais pobres. Neste sentido, recordou o Pe. Ricardo Figueiredo que o principal propósito dos santos é evidenciar a pertinência do cristianismo, também para o Homem moderno ocupado no seu quotidiano.

Conferência ''O grande desejo de Frassati: Viver e não apenas sobrevier'' (Foto: Pedro Marques Pereira)

Por seu turno, a conferência que comemorou o Centenário do Nascimento de Flannery O’Connor (1925-1964) contou com a presença de Maria João Mayer Branco e Pedro Mexia. Ambos apresentaram esta escritora americana, focando o aspeto da graça, que em O’Connor emerge em situações brutais. Os seus contos, privilegiando mais os factos que a psicologia das personagens, propõem protagonistas que resistem à graça, experiência profundamente humana.

Conferência no âmbito dos 100 anos de Flannery O’Connor (Foto: Pedro Marques Pereira)
Exposição ''A verdade não muda segundo a nossa capacidade de a digerir emocionalmente'' (Foto: Pedro Marques Pereira)

Depois do almoço, seguiu-se uma tertúlia de poesia portuguesa. Apresentaram-se vários aspetos do desejo, dos quais podemos dar um pequeno vislumbre por alguns excertos. “Meu desejo é ser outro, um outro ser,/ Um que não eu, mas que em mim me resulte (…)” (Mário Sá-Carneiro). “Porque eu amo infinitamente o finito,/ Porque eu desejo impossivelmente o possível” (Álvaro Campos). “Sei que existes e multiplicarás/ A tua falta./ Somarei a tua ausência à minha escuta/ E tu redobrarás a minha vida” (Daniel Faria).

Ao fim da tarde, a conferência cujo título recupera o mote do Meeting, foi da responsabilidade de Cesare Maria Cornaggia. Aí se definiu a necessidade e o desejo. A primeira está "profundamente ligada à nossa dimensão corpórea e necessita de uma satisfação imediata". O segundo "pode dizer-se uma ‘semente’ metida no peito e que (…) nos faz experimentar o que podemos definir como uma dimensão ontológica do homem: a falta".

Conferência ''Diz-me o que desejas, dir-te-ei quem és'', com Cesare Maria Cornaggia (Foto: Pedro Marques Pereira)
Exposição ''Diz-me o que desejas, dir-te-ei quem és'' (Foto: Pedro Marques Pereira)

O dia terminou com o concerto de A Nossa Banda, com música para todos os gostos, the Beatles a Dua Lipa.

Concerto d'A Nossa Banda (Foto: Pedro Marques Pereira)

Domingo começou com a missa, ao que se seguiu a conferência de Francesco Fadigati, sob o tema "Educar: Desejar ser". A educação, tema tão caro a don Giussani, foi proposto como indissociável da consciência de ser amado. Usando do seu exemplo pessoal, partilhou as últimas palavras que o seu pai lhe dirigiu, no leito da morte, quando ainda era um adolescente: “Sei in gamba” (És um grande rapaz!) e “Ci vediamo” (Até breve). A primeira mostrou-lhe que o amor do seu pai o definia mais do que as parvoíces que fazia, algo que o próprio pai aprendera durante a doença que o vitimou. A segunda, introduziu-lhe a certeza de um destino bom, independentemente das circunstâncias.

Conferência ''Educar: Desejar ser'', com Francesco Fadigati (Foto: Pedro Marques Pereira)

Antes do encerramento, houve ainda espaço para uma mesa-redonda com João Tordo e Jacinto Lucas Pires sobre o lugar do desejo na escrita. Sem esquecer que se trata de uma atividade solitária, ambos sublinharam a importância da comunidade no processo, quanto mais não seja pelo acolhimento das obras. Lucas Pires mostrou particular preocupação para com o fenómeno das redes sociais, que nos deixam num “presente totalitário, em que perdemos memória”. “Acabam as ideologias, acabam as religiões (…) e de repente perdemos a ideia de uma projeção. É a depressão coletiva e o ‘cabisbaixismo’ permanente”, concluiu.

Conferência ''O que deseja um escritor?'', com João Tordo e Jacinto Lucas Pires (Foto: Pedro Marques Pereira)

Em jeito de síntese, o encerramento deu-se com o diálogo entre Calígula e Hélicon, retirado da obra "Calígula", de Albert Camus, sobre a qual don Giussani se debruçou. Consciente da impossibilidade de chegar à Lua, Calígula apresenta este astro como resposta à insaciabilidade do seu desejo nas coisas terrenas, que tantas vezes o dececionaram.

Encenação da obra ''Calígula'', de Albert Camus (Foto: Pedro Marques Pereira)
(Foto: Pedro Marques Pereira)

Talvez idêntica relação infinito-finito possa estar por trás da obra de Isabel Cordovil, “Um buraco para Deus” (2025), exposta suspensa numa parede e consistindo numa estola com estas palavras bordadas em português e inglês. Esta foi uma das cinco obras de arte patentes neste Meeting.

Couberam a Aura Miguel as palavras de encerramento: “Saindo contentes, continuamos suspensos e precários, como se o desejo fosse um aguilhão”. Porém, recordando as palavras do Papa Leão XIV, acrescentou: "Não fomos criados para a falta, mas para a plenitude" (Audiência Geral, 15 de outubro de 2025).