
A fonte da novidade
O testemunho proposto na Jornada de Início de Ano dos adultos de CL na LombardiaSou gerente duma marca importante de alta moda e sou muito apaixonado pelo meu trabalho, que tem a ver com a beleza, num diálogo constante e fascinante entre criatividade e mundo artesanal. Coordeno a elaboração de todas as coleções (malas, sapatos, roupas…) e de tudo o que está por detrás dos desfiles; o meu quotidiano no trabalho está bem retratado no filme O diabo veste Prada. O mundo do luxo é reluzente, glamoroso, tem a ver com sucesso e celebridades; por isso, apresenta desafios culturais muito interessantes e provocadores, principalmente no plano dos “novos direitos”.
Nos últimos anos, a minha vida foi realmente intensa, rica de experiências pessoais, familiares e comunitárias, num caminho de fé seguindo cordialmente as propostas do Movimento; mas no campo do trabalho vi-me bastante “dividido”, como que diante dos umbrais das colunas de Hércules ideais: às vezes, a impressão era de que a beleza que eu vivia não podia entrar no contexto do trabalho, no qual prevalecem critérios de juízo diferentes, aos quais parece que temos de nos adequar, para sermos mais “pragmáticos”. No entanto, a pergunta mais recorrente para mim era: “Como é que posso viver com verdade a minha fé no trabalho?” Eu perguntava-me qual poderia ser o meu contributo, enquanto presença cristã, num âmbito tão distante.
O meu pai repetiu-me muitas vezes a proposta de método de São Paulo: «Examinai tudo e guardai o que é bom» (1Ts 5,21). Isso produziu em mim, desde novo, um grande fascínio e uma abertura para toda a realidade, sem preconceitos; uma propensão a verificar como é que a vida pode ser una e verdadeira em todos os âmbitos. Mas essa minha exigência profunda de ser verdadeiro, de ser uma presença também no trabalho, até de missão, com o passar do tempo foi-se tornando um exercício de introspeção quase psicológica, uma medida da minha capacidade. Acabava sempre por admitir a minha inadequação na tentativa de formular juízos que “documentassem” as razões da fé. Era quase um fardo, que se acrescentava às mil questões da vida e do trabalho. Permanecia só uma tentativa de ir buscar uma inspiração genérica do Movimento para elaborar uma posição de compromisso que, em última instância, é estéril.
O que me libertou foi o juízo sobre o que significa verdadeiramente “ser presença”, que o Davide Prosperi propôs no ano passado na assembleia com a Associação Italiana de Centros Culturais (Cultura: ser por Cristo). Nessa circunstância, ele apontou que a única originalidade que trazemos ao mundo não é o fruto de uma reflexão elaborada de forma individual, mas é um juízo comunional, que nasce no seio de uma unidade vivida. A fonte da novidade que eu posso levar ao meu contexto é a unidade a que pertenço, que no lugar onde estou se traduz na companhia com quem foi chamado por Cristo juntamente comigo sem que eu escolhesse.
Vou contar o episódio em que vi isso em ação pela primeira vez. Durante uma assembleia, uma médica contou que se tinha colocado um problema de consciência sobre coordenar, ou não, uma experiência de testes pré-natais muito invasivos, que aumentavam sensivelmente a previsão de potenciais malformações e que, indiretamente, incentivariam o aborto. Essa médica tinha ido procurar o Davide, esperando que ele lhe indicasse não aceitar, mas na conversa, antes mesmo de entrar no assunto, a primeira coisa que ele lhe perguntou foi se tinha falado disso com as pessoas do Movimento que trabalhavam no seu setor. Isso surpreendeu-a muito. Ela objetou que as únicas duas pessoas do Movimento, além dela, eram duas enfermeiras jovens e inexperientes no tema específico, mas o Davide insistiu, convidando-a a partir precisamente da unidade delas três, embora tão diferentes pelo papel e pela experiência, como de facto depois aconteceu.
O outro ponto que realmente marcou para mim o início de uma novidade foi ter lido este excerto de don Giussani: «São dois, portanto, os fatores do nosso confronto com o mundo que determinam a atitude unitária, sintética, de vigilância nessa colaboração que é a nossa vida séria, sincera e leal com os nossos semelhantes. Em primeiro lugar, o estar na comunhão […]. Em segundo lugar, estar, até a medula dos ossos, no seio das necessidades e exigências da humanidade» (L. Giussani, Uma revolução de si. A vida como comunhão (1968-1970), Aletheia, Lisboa 2025, p. 140).
Conto agora um episódio que está ligado justamente aos dois pontos indicados por Giussani. Enquanto gerente, sou avaliado em temas de diversidade e inclusão, ou seja, ter na minha equipe uma certa heterogeneidade de pessoas que se enquadram em categorias precisas; geralmente, o foco está em âmbitos ligados à orientação sexual. Diante desse desafio, surpreendi em mim uma posição inédita, não de recuo (como costuma acontecer: digo que essa circunstância não me diz respeito, porque as regras do jogo não são as que eu gostaria, então procuro atalhos para viver em paz). É como se a proposta de Giussani tivesse iluminado o facto de que posso viver integralmente neste contexto sem renunciar a nada de mim e que essa realidade pode ser habitada por Cristo.
Operativamente, conversei com o único amigo do Movimento que trabalha na minha empresa, um rapaz muito mais novo do que eu. Dissemos que ninguém trabalhava sobre a deficiência, então fui aos recursos humanos com uma proposta inédita de inclusão, ligada justamente à deficiência. Mobilizámo-nos e aventurámo-nos em terrenos inexplorados pela empresa, começámos a colaborar com uma associação que trabalha com jovens com síndrome de Asperger e contratámos à experiência um deles, que inicialmente não falava com ninguém. Todos nós, da equipe, fizemos um curso para identificar as modalidades mais adequadas para interagir com ele e, pouco a pouco, sem alardes, essa história tornou-se mesmo um exemplo empresarial de sucesso de verdadeira diversidade e inclusão.
De facto, aquele rapaz, passados alguns meses, ofereceu-se para fazer mais horas e, no fim, para ser contratado por tempo indeterminado, pedindo para ficar no escritório com os colegas que se tornaram seus amigos, sendo que no início nos tinham dito que era melhor deixá-lo em espaços reservados e isolados.
Pois bem, esse episódio impressionou-me muito, porque deixou claro que não estamos juntos genericamente, para depois nos entregarmos – nas questões concretas – a quem tem a expertise certa, a quem percebe mais. Pelo contrário, é precisamente a nossa unidade “pura” – mesmo que um seja top manager e o outro um estagiário – o que gera uma posição e um juízo novos. Não nos é pedido partir de lança em riste (ainda que às vezes possa acontecer) para mudar as regras que não nos agradam: antes, é-nos pedido para tentar realmente “habitar” essas regras, com um juízo que nasce da nossa experiência de comunhão. “A inteligência da fé torna-se inteligência da realidade”, disse o Papa Bento XVI (Discurso aos participantes da XXIV assembleia plenária do Pontifício Conselho para os Leigos, 21 de maio de 2010). E o Cardeal Pizzaballa, na exposição sobre a paz realizada pelos jovens dos Liceus para o Meeting, disse-nos que é preciso indicar os “pontos de luz” e de esperança onde há guerra. Pois bem, esses dois pontos tão verdadeiros e claros acompanham-me no dia a dia.
Da profunda intuição de que só a nossa unidade pode gerar uma presença nova e original no mundo, nasceu em mim o desejo de conhecer quem do Movimento vivia os mesmos desafios profissionais que eu no mundo do luxo. E de um jantar em minha casa com uma dezena de pessoas (metade das quais conheci naquela noite), que trabalham em diferentes marcas, cresceu inesperadamente um encontro mensal em que, com cerca de setenta pessoas que trabalham neste mundo, nos encontramos para jantar. É o chamado “jantar do luxo”, mas não me entendam mal: é um jantar “do luxo”, não “de luxo”, por isso temos um menu austero, não há lagostas, champanhe nem violinos.
Os jantares têm como tema as questões que emergem no trabalho e na vida. Neste momento, estamos a trabalhar sobre o livrinho do convívio dos jovens de CL em Ávila, no qual se retoma a parábola dos talentos: a questão central não é quantos talentos tu recebes, mas a relação com Aquele que os deu (“Entra no gozo do teu Senhor”). A nossa única preocupação não é ter um momento “específico” sobre o trabalho, para adquirir habilidades comuns para aplicarmos, mas é sustentar-nos em viver mais a pertença ao Movimento, para nos ajudarmos a julgar no mérito, até ao “último marco”, os desafios que nos são colocados dentro da circunstância comum do nosso reluzente setor.
Claro, é uma tentativa embrionária e irónica, que, porém, torna evidente – antes de mais, para mim mesmo – a conveniência humana de enfrentar não só os desafios profissionais, mas toda a vida, a partir da unidade em Cristo, que nos precede e nos convoca juntos, em vez de o fazer a partir de um raciocínio individualista. Ainda tenho muito a perceber, mas para mim tem-se tornado cada vez mais evidente que o ponto decisivo é estar dentro do caminho do Movimento, mergulhar a minha vida – até nos pormenores – nesta amizade guiada, com a disponibilidade de me deixar “incomodar”, de me deixar deslocar. Estou a experimentar, portanto, que seguir não implica “abdicar” da minha humanidade, mas antes coincide com descobrir-me cada vez mais a mim mesmo.
E esta comunhão é muito concreta para mim, em primeiro lugar na relação privilegiada com a minha mulher dentro da vocação matrimonial, além de com os amigos da minha comunidade e do meu grupo de Fraternidade, numa vida partilhada e no trabalho sério sobre a Escola de Comunidade. Reconheço que esta comunhão é sempre para uma tarefa: a vida cristã é missão por natureza.
Nós levamos Cristo ao mundo, levando esta comunhão. A nossa comunhão não é a muleta para nos mantermos à tona, ou para nos abrigarmos quando as dificuldades aumentam, mas é a continuidade da Sua presença. Se no trabalho, quanto mais cresces profissionalmente, mais te tornas autónomo, na vida cristã é o oposto: quanto mais cresces, quanto maior és, mais percebes que depender é decisivo.
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