O pôr-do-sol visto de um terraço sobre o oceano, em Maceira, Portugal

Uma janela de esperança para a Europa

Duzentos responsáveis das comunidades do movimento em 29 países encontram-se em Portugal para discutir o caminho de um ano. E para rezar a Nossa Senhora de Fátima pelo Papa Leão e pelo dom da paz
Matteo Rigamonti

«O céu abriu-se sobre Portugal como uma janela de esperança que Deus abre quando o homem Lhe fecha a porta». São palavras de Bento XVI em visita a Fátima em 2010 e às quais voltou a dar voz, num fresco fim-se-semana de maio, a vaticanista Aura Miguel, convidada a falar aos duzentos responsáveis das comunidades europeias de Comunhão e Libertação, reunidas para a assembleia anual que recebe o nome de “Diaconia Europa”, e que se realizou pela primeira vez na Maceira, pequeno e sugestivo porto debruçado sobre o oceano que surge entre as colinas a norte de Lisboa.

Palavras que retratam muito bem o sentido dos testemunhos de quem, nos três dias do tradicional evento, pôde também desfrutar, além da habitual riqueza dos contributos de 29 países, da Albânia à Hungria, do dom de uma peregrinação ao local onde Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos. E onde, depois da introdução da jornalista que ainda há poucos dias tinha estado com o Papa Leão XIV, foram pedir o dom da «paz do Cristo Ressuscitado» – foram estas as primeiras palavras do sucessor de Pedro – e confiar-Lhe o sucesso do seu pontificado, além da vida das suas comunidades e de todo o movimento. Oferecendo, do primeiro ao último, um fim-de-semana de serviço gratuito prestado à obra da Fraternidade.

Palavras e testemunhos que trazem esperança. Como as palavras usadas pelo Luciano para descrever, em Gand, na Bélgica, o ímpeto do último a chegar, um homem de sessenta anos que nem sequer conhecia CL e que ofereceu o Porquê a Igreja ao médico encarregado de verificar os milagres de Lourdes, presente num congresso no santuário de Oostakker, que é precisamente citado naquele livro. A missão encontra-se onde ninguém a podia prever. Em Itália, por sua vez, é o convite recebido do Davide Prosperi para «cuidar da semente» que convence o Francesco, um professor inicialmente deslocado em relação ao numeroso grupo de uma comunidade histórica da GS (os alunos dos últimos anos do liceu que participam na experiência da Gioventù Studentesca, ndr), a olhar para aqueles jovens acima de tudo pelo que eles são, antes de qualquer análise sobre eles: relação direta com o mistério, agarrados por Cristo. Prontos, portanto, a viver um novo início. Como em Munique, na Baviera, quando um acidente de carro arranca a vida ao filho, com pouco mais de vinte anos, de um casal de amigos e o Carlo, o responsável da comunidade local, convida todos para rezar o terço, usando «as palavras da Igreja» para mendigar conforto perante a tragédia. Fazendo eco, dois mil anos depois, daquele «mulher, não chores» que mais ninguém seria capaz de dizer. E ainda em Chester, Reino Unido, onde a Giovanna, uma psicóloga clínica de jovens em idade de desenvolvimento, mãe de família, se encontra a lidar diariamente com as consequências do mal, da violência, de que tantos adolescentes às voltas com uma identidade em crise são vítimas indefesas. Não acreditava que a sua fé lhes pudesse oferecer um contributo, mas «o 1% do meu “sim”» à «constante educação da Escola de Comunidade», ajudaram-na a ajuizar aquelas circunstâncias dum modo que surpreende e impressiona os colegas. «Aquele “sim” mudou-me». Como o “sim” dos pastorinhos de Fátima, que iria mudar o curso da história. Como o “sim” de Maria. Como o “sim” de tantas outras iniciativas, desde o nascimento de um centro cultural (precisamente em Lisboa e também na Roménia, os mais recentes) à realização de gestos de caritativa e até à apresentação, no ano passado, em Atenas, d’ O sentido religioso traduzido em grego, ali onde se encontram as raízes da Europa.

Depois há as perguntas. Simples, despojadas de qualquer retórica, como a do Giacomo, que guia a comunidade de CL em Cambridge, e se interroga: «Como é que faço para não ser autorreferencial ao viver a responsabilidade?». Ou como as perguntas dos jovens trabalhadores, às voltas com o legado dos dois dias de Ávila, que não param de se interrogar sobre como redescobrir o valor do movimento para eles e para todas as pessoas que encontram, embora vivendo já tentativas irónicas. E as perguntas de tantos adultos que fazem questão de acompanhar as comunidades nascentes de giessini, com o desejo de lhes oferecer um caminho. Desejo que também têm as inoxidáveis mães escandinavas, em Estocolmo (Suécia) e Bergen (Noruega), onde o desafio de educar os filhos numa sociedade pós-secularizada é, talvez, mais árdua de que noutro sítio. Árdua, mas entusiasmante. Aqui, estão todos com elas. Mas Quem é que vive nos olhares destas pessoas que parecem saídas das cartas de São Paulo, dos Atos dos apóstolos?

Ninguém foi deixado sozinho na Maceira: as assembleias, que continuam ao almoço, ao jantar e depois do jantar nas conversas amigáveis entre amigos que se reveem passado um ano, ecoam como voz potente e uníssona de uma humanidade que não receia ir para o mar alto. A certeza, relembra o Ettore Pezzuto, responsável da Comissão Internacional de CL, citando a Canzone del melograno de Claudio Chieffo de que tanto gosta, é que nestes dias «é o mistério de Deus que te quer falar». E quer fazê-lo numa circunstância muito especial da história, como sublinhou na homilia o padre Stefano Pasquero, de Praga, um momento em que «somos chamados ao seguimento responsável no caminho concreto em que Ele nos tomou». Enquanto a «terceira guerra mundial aos pedaços», que o Papa Francisco ajudou todos a reconhecer, não dá tréguas, nem mesmo na Europa, xadrez central dos delicados equilíbrios geopolíticos entre a América de Trump e a China. Um drama tornado presente sobretudo por aquela “cruz” plantada no corpo do Ocidente, e também no das comunidades de CL, que é a guerra fratricida na Ucrânia. Quantos são por ela diretamente feridos e imploram, exemplo sangrento para muitos, luz nas trevas e força ao Espírito Santo.

Circunstâncias mínimas e de época, pessoais e comunitárias, coisas que acontecem tanto em Dublin como em Malta ou na Finlândia e diante das quais, para nos recordar a «tarefa que temos», está o texto de don Giussani, recordado também na ordem do dia (“Viver a comunhão, construir a Igreja”). Escreve don Gius em Una rivoluzione di sé. La vita come comunione (Rizzoli, 2024): «A tarefa que temos, se Cristo é a nossa esperança, é colaborar na Sua continuidade na história». Uma ocasião, como foi várias vezes repetido também na Maceira, para redescobrir aquele dom precioso que é o carisma dado a don Giussani. Para ser, disse o Francesco Cassese, responsável da Fraternidade de CL para a Diocese de Milão e que, desde o ano passado, acompanha as comunidades da Suíça, citando as palavras dirigidas em 2022 pelo Cardeal Kevin Farrell a Davide Prosperi, «fator de renovação a partir de toda a experiência eclesial, levando tudo o que vocês são».

Comos nos ajudarmos a ter consciência desta tarefa? «Ninguém cresce sem seguir», observou várias vezes o padre Stefano Alberto, preciso e metódico a reconduzir a fator comum observações e contributos. Seguir o quê? «Os critérios de outro, como a criança com a mãe». É uma dinâmica da experiência, é uma exigência profunda do eu, mas o seu apelo pretende ser um apelo à importância do «fator comunional» descrito por don Giussani no capítulo XIII d’ O sentido religioso, aquele fator que, «sozinho, ajuda a vencer o medo» de arriscar. Arriscar um juízo, uma relação, uma presença. É fundamental porque, sublinha, «a necessidade de autoridade, que é uma coisa fora de mim, se encontra na estrutura do coração». E a fé «exalta esta dinâmica». Enquanto «o mundo, pelo contrário, nos convida a que nos queiramos safar sozinhos». Claro, é preciso um «percurso paciente de educação do nosso humano, que está muitas submerso debaixo dos detritos».

Como os discípulos que estavam com Jesus mesmo quando não o percebiam – longe d’Ele, a quem iremos? – este grupo de responsáveis reunidos onde outrora partiam as naus que descobriram o mundo sabe que, «para ser eu próprio, tenho necessidade de viver a comunhão». E também eles ficam, entre as dificuldades de trabalhos exigentes e de famílias para cuidar, para porem aquelas «pazadas de cola», como diz ainda o Pezzuto, citando Giussani, que ligavam os doze a Jesus. Para aprender a conhecer a «intimidade misteriosa de Deus», do Pai, para usar uma expressão utilizada por monsenhor Giovanni Paccosi nos recentes Exercícios da Fraternidade. Aquela intimidade que é o conteúdo da autoconsciência de Cristo. Que é o coração de toda a missão autêntica. Aquele amor que começa a arder nos seus corações. Com o estremecimento de um Fado português. Como «presença embora cruz na alma de quem ficou», canta Maria Teresa de Noronha em Minha luz. Entretanto, no terminal das partidas de Lisboa há quem releia os apontamentos tomados. Não perdem tempo. Dentro de um mês, na Europa, são as férias da comunidade. E têm de começar já a ser preparadas.