
Um caminho realista para a paz
As guerras, a corrida ao armamento, o debate que incendeia o Velho Continente, e não só. «A Europa tem de decidir se será fiel à sua vocação, ou se contribuirá para a atmosfera conflituosa que parece prevalecer sobre tudo.» A carta de Davide ProsperiCaro diretor,
A dramaticidade do momento histórico que estamos a viver impele-me a escrever-lhe. Os conflitos armados aumentam em muitas partes do mundo, inclusive dentro da Europa, dando a impressão de que estamos a derrubar os pilares sobre os quais se apoia a convivência civil, o desenvolvimento económico-social e, portanto, a possibilidade de um olhar positivo sobre o nosso futuro. Instituições, governos, sujeitos sociais e culturais de toda ordem e tipo, e infelizmente também alguns expoentes da Igreja, parecem às vezes perdidos e contraditórios nos seus juízos (e na manifestação dos mesmos). O cenário apresenta diversas questões. Não sou um especialista em geopolítica; contudo, enquanto europeu e enquanto cristão, sinto a responsabilidade de dar um contributo de reflexão, fruto de um confronto no seio do movimento de que faço parte, a respeito da discussão em curso sobre a defesa comum europeia.
Para além dos valores que já são atualmente gastos pelos Estados da UE, uma defesa verdadeiramente “comum” implicaria – como muitos comentaristas mais autorizados que eu já me disseram – uma política externa comum e, assim, um sujeito político unitário, coisa que a UE não é. Com efeito, temos de reconhecer que a Europa como a imaginaram De Gasperi e os restantes protagonistas daquela etapa política – que tinham vislumbrado na defesa comum a primeira peça de uma verdadeira união federal – não se realizou. A UE, na verdade, é o resultado de um compromisso sem dúvida virtuoso sob muitos pontos de vista, mas que deu origem a um híbrido político objetivamente frágil, baseado nos preceitos do individualismo liberal que, com o tempo, levaram o projeto para cada vez mais longe dos valores partilhados pelos inspiradores da ideia original. De resto, a Europa configurou-se na história como um conjunto de povos diferentes, frequentemente em conflito entre si, mas unidos por uma cultura comum enraizada na tradição greco-romana e judaico-cristã. Posteriormente, na modernidade, criou-se a ilusão de podermos prescindir do fundamento transcendente desta tradição, perdendo-se assim a sua força unificadora. Neste sentido, na busca de soluções adequadas também para o problema urgente da segurança, creio que devemos considerar a União Europeia por aquilo que é chamada a ser: um lugar de encontro, um espaço de diálogo dentro das nações e entre elas, capaz de incluir todos os atores envolvidos nos vários cenários, com o trabalho paciente e a visão de futuro da diplomacia. Os obstáculos políticos e económicos devem, em primeiro lugar, ser enfrentados também com a coragem de encontrar formas novas, sem nos contentarmos com atalhos de caráter militar que não resolvem os problemas; quando muito, agravam-nos.
O problema que a Europa é chamada a enfrentar hoje é fundamentalmente cultural: a União tem de decidir se será fiel à sua vocação de lugar de encontro, de mediação e de construção da paz, promovendo a centralidade da pessoa e uma cultura da subsidiariedade no seio de cada país, ou se contribuirá para a atmosfera conflituosa que parece prevalecer sobre tudo. Por estas razões, a perspetiva de garantir a segurança comum através de um investimento de vulto em armamento, mais ainda se este for confiado a cada Estado individualmente, parece-me realmente inadequada, como aliás sublinhou também o Arcebispo de Moscovo, Dom Pezzi. E uma vez que o projeto político europeu tem lacunas evidentes para todos, creio ser um erro pensar que o rearmamento para fazer frente a um agressor perigoso seja um bom modo para preencher o vazio de identidade que todos percebemos.
A condenação da Primeira Guerra Mundial como «massacre inútil» por parte do Papa Bento XV assume um novo valor perante o potencial destrutivo das armas de hoje. O Papa Francisco não se cansa de repetir que armar-se significa apenas preparar-se para a guerra: gostaria que esta advertência fosse tida em conta por todos os políticos europeus. Há alguns anos, don Giussani afirmava: «A paz depende do facto de o homem admitir a impossibilidade de dar-se a perfeição por si mesmo, ao mesmo tempo em que indubitavelmente reconhece a sua dívida para com o Ser» (La Repubblica, 24 de dezembro de 2000). Creio que hoje também serão muitos, e não só entre os católicos, os que partilham o que Giussani diz: só a consciência de não sermos nós os senhores da história é que pode abrir uma janela realista e profunda para a verdadeira paz.
Fonte: La Republica, 16 de março de 2025