Convívio de jovens em Ávila (Foto: Mercedes Laviña)

Ávila. «Deste-lhe poder sobre a obra das tuas mãos»

O fim de semana de convívio de mais de 200 jovens de CL, provenientes de vários países da Europa
Susana Moreira

Quando se chega a Ávila, em Espanha, é quase impossível ficar indiferente à grande e bela muralha militar românica que rodeia a parte antiga da cidade. Foi aí, na cidade onde nasceu Santa Teresa de Jesus, que, entre os dias 15 e 17 de novembro, cerca de 230 jovens de Comunhão e Libertação, provenientes de 19 países da Europa, se encontraram para um tempo de confronto e de convívio. Na origem deste encontro estão os dois momentos de convívio que se realizaram em Assis, em março e novembro de 2023, tendo-se estendido agora a jovens de toda a Europa.

Porquê um convívio assim dirigido a jovens? Esta foi certamente a pergunta de alguns, enquanto rumavam a Ávila, pois era a primeira vez que jovens do Movimento vindos de toda a Europa se juntavam para passarem um tempo juntos. As razões foram, desde logo, apontadas na noite de sexta-feira, pelo Ettore Pezzuto, Responsável Regional da Fraternidade da Europa: a primeira é oferecer, a uma geração que enfrenta desafios no trabalho e se interroga sobre qual a sua vocação e papel no mundo, «um espaço de reflexão sobre o contexto atual, onde a mentalidade dominante oferece uma forte pressão sobre as consciências». A segunda razão apontada foi a de oferecer uma companhia, que ajude a fazer com que o Movimento seja verdadeiramente de cada um e capaz de gerar vida nova através do envolvimento ativo de todos.

A provocação foi, ainda assim, lançada a todos os presentes, no dia seguinte, sob a forma de uma pergunta pessoal: «Porque estou aqui?», começou por perguntar Francesco Cassese, no sábado de manhã, após as Laudes. A resposta dada foi-se tornando clara ao longo de todo o fim de semana: o objetivo deste momento de confronto e de convívio não era dizer a todos como viver, mas antes viver com todos, nestes dias, a experiência do Movimento.

Ávila (Foto: Paolo Casadei)

Antes, ainda, de se dar início à primeira assembleia realizada nesse dia, don Paolo Prosperi fez uma breve introdução, a partir do trabalho que começou a ser feito no primeiro encontro em Assis, em março de 2023, lembrando a conceção que a mentalidade dominante – a sociedade da performance – tem sobre o trabalho: o trabalho como uma demonstração de poder («I can»), sendo o valor de cada pessoa medido pelo resultado do seu trabalho. A glória de cada um será tanto maior, aos seus olhos, quanto mais poder social ou mais capacidade tiver. Em Assis, viu-se qual foi a consequência principal desta mentalidade: a escravidão, a alienação, a auto-medição constante, a perda do gosto no agir. O don Paolo, partindo, então, da Parábola dos Talentos (Mt 25, 14-30), fez ver como o que torna grande uma tarefa, um gesto, é o «dar a vida pela obra de Outro». Cada tarefa é uma ocasião de fidelidade ao grande Outro, que está escondido dentro da face daquela tarefa; cada tarefa torna-se grande para quem ama. E o que nos faz entrar neste ponto de vista novo? É a «memória que faz entrar no muito escondido no pouco», concluiu don Paolo.

Não houve a ambição de se responder a todas as perguntas que foram feitas durante as duas assembleias que se realizaram na manhã e na tarde de sábado, guiadas pelo don Paolo e pelo Francesco Cassese. Como o don Paolo referiu depois, no domingo de manhã, antes da síntese final, como é bom também que as respostas possam ser deixadas para a «estrada da descoberta», para o caminho pessoal e em comunhão que nos espera. E quantas das perguntas que foram feitas não terão suscitado noutros, sem o saber, uma perspetiva ou aberto uma ferida?

O grupo de mais de 200 jovens a caminho da Catedral de Ávila, no interior das muralhas (Foto: Paolo Casadei)

No final da assembleia da tarde de sábado, o grupo de mais de 200 jovens dirigiu-se, a pé, para o interior das muralhas de Ávila, em direção à Catedral de Cristo Salvador, para participarem na Santa Missa. As palavras da música «Vuestra soy» («Vossa sou»), cantada pelo coro, ecoaram ali talvez de maneira diferente: não só por terem sido cantadas na cidade natal da respetiva escritora – a Santa Teresa de Jesus –, mas também pela evidência de que, cada um que ali estava – pessoas vindas de vários países, que falavam línguas diferentes – foi pessoalmente chamado (convidado) a estar naquele sítio porque pertence, por uma pertença a Cristo, num lugar.

E a expressão que vem desta pertença, a «expressão da letícia e da tranquilidade que vem do ser amados», «que vem do pertencer», como dizia don Giussani, é o canto: foi, de facto, com um belo serão de cantos que o dia de sábado terminou, em que, ao som de músicas provenientes de vários países europeus – desde Espanha, Itália, Portugal, Irlanda, Alemanha e Escócia –, se fez memória da beleza desta companhia, desta comunhão.

Serão de cantos, durante o fim de semana de convívio dos jovens de CL, em Ávila

No último dia, antes da celebração da Santa Missa, o don Paolo Prosperi fez, então, uma síntese final partindo de algumas das questões que emergiram durante as assembleias de sábado. Em que consiste dar a vida e não ser burguês? O que significa manipular a realidade segundo um ideal, sem que o ideal se torne uma ideologia? Em que sentido a fé gera uma novidade? O que introduz de novo a relação com Cristo na perceção que tenho de mim e, por isso, na relação com a realidade? O que é este sujeito/criatura nova? Foram estes alguns dos pontos de reflexão que foram emergindo na véspera.

«Pedro insistiu: “Nunca hei-de consentir que me laves os pés.” “Se eu não te lavar”, respondeu-lhe Jesus, “não podes partilhar da minha vida”» (Jo 13, 8). «“Para onde vais, Senhor?” Jesus respondeu-lhe: “Para onde eu vou, tu não me podes seguir agora, mas hás-de seguir-me mais tarde”» (Jo 13, 36). Com estas passagens do Evangelho, don Paolo Prosperi deu resposta à questão do burguesismo, que muito emergiu nas assembleias: Pedro quer dar a vida a Jesus sem perceber que é Jesus quem dá primeiro a sua vida por nós. A autoconsciência nova é isto, a fé é isto, porque «para poder ser eu mesmo, para poder amar, devo deixar-me amar, devo consistir do amor de Outro, devo depender continuamente da gratuidade de Outro. Ou seja, o sujeito novo, isto é, o [sujeito não burguês], é quem vive aquela insatisfação permanente, aquela insatisfação virtuosa que se chama mendicância, aquela consciência aguda, mas plena, de não se bastar a si mesmo, [de não ser auto-suficiente], que se torna mendicância como dimensão normal da vida, como conteúdo sempre mais dominante do meu sentimento de mim mesmo».

E como é que esta autoconsciência se pode tornar sempre mais estável? Na imanêcia num lugar, num lugar concreto, na contínua e fiel imanência naquela comunionalidade vivida, como dizia don Giussani.