Pelas ruas devastadas de Valência (ANSA/EPA/Emanuel Bruque)

Só o amor transforma a lama em milagre

Um grupo de universitários de Valência ajuda a limpar as zonas devastadas pelas cheias. «De onde é que vocês vêm, do Céu?». O seu testemunho

Queridos amigos,
Escrevemos esta carta depois do que aconteceu em Valência. No dia 29 de outubro, houve umas cheias muito fortes que destruíram muitas comunidades em torno da cidade. A situação aqui é devastadora: percorrendo as ruas que foram atingidas, o que vemos não parece real, não parece possível que tudo isto tenha acontecido. O número de mortos é já muito elevado e aumenta drasticamente à medida que a ajuda chega a todas as áreas atingidas. Com efeito, na altura, muitas pessoas estavam na rua porque não se esperava uma inundação tão rápida e devastadora. De momento, é impossível imaginar quando é que será possível reparar os danos. É impressionante olhar à volta porque está tudo da mesma cor, não se consegue distinguir o que está no chão. Quando lá estamos, para ajudar, continuamos a andar durante horas com lama até aos tornozelos. Perante tudo isto, surgem muitas perguntas: “Onde está a esperança?”, “Onde está Cristo?”.

Nestes dias ficámos surpreendidos com a forma como a amizade com os nossos companheiros do CLU (os universitários de Comunhão e Libertação, ndr) nos sustenta perante a dureza do que vemos. Não só com os que estão aqui presentes, mas também com todos os que nos escreveram, do resto de Espanha e de Itália. Como sabem, a comunidade de estudantes universitários de Valência só existe há um ano e muitos deles só se conhecem há alguns meses. Apesar disso, podemos dizer com certeza que não precisamos de nada diferente para lidar com esta situação. Trabalhando nestes dias, é evidente que Deus se serve da nossa amizade para construir. Os amigos são, de facto, o que permite que o desespero não seja a última palavra nesta circunstância. Ontem, por exemplo, afastaram todos os voluntários de uma rua onde estávamos a limpar a lama para esvaziar uma garagem, pois não queriam que ninguém visse o que estava lá dentro. Naquele momento, ficou claro que não podíamos estar sozinhos perante isto, mas que só no seio desta amizade podíamos continuar a ajudar, permanecendo completamente nós mesmos.

Alguns universitários voluntários em Alfafar (Valência)

Outro aspeto que nos está a impressionar é o número de voluntários que todos os dias se põem a caminho para poderem ajudar. Milhares de pessoas deixam a cidade para chegar às zonas atingidas. É impressionante ver como esta solidariedade e necessidade de ajudar é intrínseca a todos. A misericórdia serve-se de todos os rostos que têm este desejo no coração. Por outro lado, ficamos comovidos ao ver nos rostos que encontramos uma grande dor, mas não um desespero absoluto, muito pelo contrário: pessoas cheias de esperança e gratidão por toda a ajuda que recebem. Por exemplo, ontem estivemos a ajudar em casa de uma família e foi incrível ver a sua gratidão por termos retirado a lama da sua rua. Convidaram-nos para almoçar com eles porque era a única forma de nos agradecerem. Era evidente que estávamos a receber mais do que estávamos a dar com a nossa ajuda.

Também na quinta-feira, enquanto limpávamos a igreja de uma aldeia, no meio de muitas pessoas que faziam a mesma coisa, aproximou-se uma senhora, surpreendida por nunca ter visto antes as nossas caras naquela paróquia. Ficou impressionada com o facto de estarmos ali a ajudar, sem conhecer ninguém. Perguntou-nos: «De onde é que vocês vêm, do Céu?»

Estando aqui, vendo tudo o que há para fazer, pode parecer que a nossa ajuda é pouca; mas tudo muda quando nos damos conta de que o gesto que estamos a fazer é muito maior do que limpar uma rua ou retirar móveis de uma casa. Reconhecemos que o nosso trabalho é pequeno, mas também que contribui para construir mais do que imaginamos. Descobrimos que somos um instrumento nas mãos de Outro e que tudo o que é preciso é entregarmo-nos completamente, depois Deus irá construir com isso. Ontem limpámos uma rua e para nós parecia-nos o mesmo trabalho de outros dias, mas para os que lá vivem foi uma grande graça poder ver e pisar a rua como antes. Uma amiga dizia-nos: «Vocês são a carícia do Senhor para aqueles que perderam muito e há muitos sinais da Sua presença».
Perante as perguntas que surgem da dor e de tantas desgraças, perguntas que procuram o sentido e a compreensão de tudo o que aconteceu, a única coisa que nos vem à cabeça é a imagem de Cristo na cruz, de Deus que não abandona o seu povo, que o acompanha no seu sofrimento e que, ao mesmo tempo, é o fundamento da sua esperança. Estamos muito gratos por podermos reconhecer o Senhor de forma tão clara e evidente nos factos que vos relatámos. Parece-nos estranho dizer isto e talvez ainda não o compreendamos bem, mas não podemos deixar de o afirmar depois destes dias. Isto não retira o sofrimento e a tristeza perante a realidade, mas hoje podemos gritar mais alto que Cristo é a única resposta.
Continuem a rezar pelas vítimas, pelas pessoas atingidas, pelos voluntários e por todos os que trabalham para melhorar a situação. Agradecemos muito a vossa proximidade, sentimo-nos muito acompanhados.
A comunidade do CLU de Valência