Beato Carlo Acutis

«Não é mais do que erguer o olhar»

O Papa Francisco reconheceu um milagre atribuível à intercessão do Beato Carlo Acutis, que em breve será canonizado. Aqui, o retrato do jovem milanês inflamado pela paixão pelo Amigo Jesus
Paola Bergamini 01.02.2014

«Senhora, o seu filho é especial»
Antonia Acutis ouviu esta frase ser repetida várias vezes: pelo pároco, pelos professores, pelos colegas, pelo porteiro do seu prédio na Via Ariosto, em Milão, para onde se tinham mudado em 1994, três anos depois do nascimento de Carlo, o rapaz que morreu aos 15 anos e a quem a Congregação para as Causas dos Santos concedeu o nulla osta para a abertura do inquérito diocesano para a causa de beatificação.
No fundo, Carlo é um rapazinho normal: vivo, com muitos amigos e uma paixão pela informática. Mas aquela especialidade tem um nome: Jesus, o Amigo. Ela apercebeu-se disso desde que o Carlo, muito pequeno ainda, lhe dizia quando passava por uma igreja: «Mamã, vamos entrar para cumprimentar Jesus, fazer uma oração». Depois, ela descobriu que ele lia a vida dos santos e a Bíblia. A família deles é uma família normal, inicialmente nem sequer frequentavam a igreja com muita regularidade. «Mas aquele “monstrinho” fazia-me tantas perguntas profundas a que eu não sabia responder. Ficava perplexa com aquela sua devoção. Ele era tão pequeno e tão seguro. Percebia que era uma coisa sua, mas que também me estava a chamar a mim. Assim, comecei o meu caminho de reaproximação da fé. Segui-o». O padre Aldo Locatelli, o sacerdote que a acompanha e ao filho, diz-lhe: «Há crianças que o Senhor chama desde pequeninas».

A autoestrada.
Aos sete anos, Carlo pede para fazer a Primeira Comunhão. Aquele Amigo torna-se ainda mais próximo. A pedido do padre Aldo, Monsenhor Pasquale Macchi (que tinha sido secretário de Paulo VI), depois de o interrogar, garante a maturidade e a formação cristã da criança para receber o Sacramento. Faz apenas uma recomendação: que a celebração se realize num lugar propício ao recolhimento interior, sem distrações. A 16 de junho de 1998, recebe a Eucaristia no silêncio do mosteiro de Bernaga, em Perego, perto de Lecco. A vida de Carlo é uma vida normal. Com um ponto firme, especial: a missa diária, porque, diz ele, «a Eucaristia é a minha autoestrada para o Céu. Temos mais sorte do que os Apóstolos que viveram há dois mil anos com Jesus: para O encontrar, basta entrar numa igreja. Temos Jerusalém à porta de casa». No final da celebração, fica para a adoração. Confessa-se com frequência, porque «tal como o balão de ar quente precisa de descarregar os seus pesos para subir às alturas, assim também a alma precisa de tirar de cima aqueles pequenos pesos que são pecados veniais para subir ao Céu». São palavras simples, de um rapazinho. Mas com o desejo de estar com aquele Amigo que lhe está a pedir tudo. Sobretudo, para O testemunhar com a sua vida.

O par de sapatos.
Carlo tem um carácter forte, provocador. A sua paixão pelos computadores leva-o a estudar novos programas. E também gosta de jogar na playstation com os amigos. Na escola - primeiro no instituto das freiras Marcelinas na Piazza Tommaseo e depois no Leone XIII, um liceu jesuíta - é amigo de toda a gente, mas sobretudo dos mais necessitados. Os seus colegas, mesmo aqueles que não acreditam, querem estar com ele. Pedem-lhe conselhos, ajuda. Procuram-no. Porque com o Carlo sentem-se bem, há qualquer coisa nele que atrai. No entanto, não é alguém que goste das modas. Fica zangado quando a mãe lhe quer comprar um segundo par de sapatos. Não lhe interessa. Nunca esconde qual é a sua fonte de felicidade. Tem uma grande imagem de Jesus no seu quarto, para que todos a vejam. E convida os seus colegas para irem juntos à missa, para se reconciliarem com Deus. Num caderno, escreve: «A tristeza é olhar para si próprio, a felicidade é olhar para Deus. A conversão não é mais do que deslocar o olhar de baixo para cima. Um simples movimento dos olhos é suficiente».
No bairro, toda a gente o conhece. Quando passa de bicicleta, pára para cumprimentar os porteiros, muitos dos quais são imigrantes muçulmanos ou hindus. Fala-lhes de si, da sua fé. E eles ouvem aquele rapazinho tão simpático e afável. À hora do almoço, põe as sobras de comida em recipientes para as levar aos sem-abrigo da zona. Em casa, como empregado doméstico, têm o Rajesh, um hindu, um brâmane. Desenvolve-se uma profunda amizade entre ele e Carlo, ao ponto de o homem se converter e pedir para receber os sacramentos. Conta Rajesh: «Ele disse-me que eu seria mais feliz se me aproximasse de Jesus. Fui batizado como cristão porque foi ele que me contagiou e iluminou com a sua profunda fé, a sua caridade e a sua pureza. Sempre o considerei fora do comum, porque um rapaz tão jovem, tão bonito e tão rico normalmente prefere levar uma vida diferente». Mas o Carlo não sabe o que significa uma “vida diferente”. Para ele, o dinheiro não pode ser desperdiçado. Com as suas poupanças, compra um saco-cama para o sem-abrigo que vê quando vai à missa em Santa Maria Segreta. Ou doa-o aos Capuchinhos de Viale Piave, que servem almoços aos sem-abrigo.
Em 2002, acompanha os seus pais ao Meeting de Rimini. Um padre amigo deles é orador num encontro de apresentação do Pequeno Catecismo Eucarístico. Ele fica fascinado com as pessoas e as exposições que vê. E tem a ideia: uma exposição sobre os milagres eucarísticos. Antonia Acutis conta: «Ele tinha a certeza de que, dessa forma, as pessoas se aperceberiam de que há realmente o corpo e o sangue de Cristo na hóstia e no vinho consagrados. Que não há nada de simbólico, mas que é uma possibilidade real de O encontrar. Na altura, era assistente de catequista e esta exposição pareceu-lhe uma nova forma de fazer as pessoas refletirem sobre o Mistério Eucarístico».

«Eles têm de ver»
De regresso a Milão, pôe mãos à obra. Os seus conhecimentos de informática são uma grande ajuda. Dedica-se de alma e coração. Documenta-se, pede aos pais que o acompanhem por Itália e pela Europa para reunir material fotográfico. Envolve toda a gente, “esgota” três computadores. Passados três anos, a exposição está pronta. E, por um inesperado boca-a-boca, começa a ser solicitada não só nas dioceses italianas, mas em todo o mundo.
No verão de 2006, de férias, Carlo pergunta à mãe: «Na tua opinião, devo ser padre?». A mulher responde-lhe simplesmente: «Tu compreenderás isso sozinho. É Deus que te vai fazer compreender».
No início de outubro, Carlo adoece. Parece uma gripe normal. Tinha acabado de fazer a apresentação de um vídeo com propostas de voluntariado para os alunos da Leone XIII. Um trabalho que lhe agradava particularmente. A data da projeção é 4 de outubro. Mas ele não pode ir porque já está doente. Foi hospitalizado alguns dias depois em San Gerardo, em Monza. Não é gripe, mas leucemia fulminante, tipo M3, a pior. Não há qualquer hipótese. Assim que atravessou a porta do hospital, disse à mãe: «Daqui já não saio». Alguns dias antes, tinha dito aos pais: «Ofereço os sofrimentos que terei de suportar ao Senhor pelo Papa e pela Igreja, para que não tenha de passar pelo Purgatório e vá diretamente para o Paraíso». Os sofrimentos chegam. Mas à enfermeira que lhe pergunta como se sente, ele responde: «Bem. Há pessoas em pior situação. Não acordes a mamã que está cansada e se preocuparia mais». Pede a Unção dos Enfermos. Morre a 12 de outubro.
No dia do funeral, a igreja e o adro estavam cheios. A mãe conta: «Vi pessoas que nunca tinha visto ou conhecido antes. Sem-abrigo, imigrantes, crianças.... Tanta gente a falar-me do Carlo. Do que ele tinha feito e do qual eu não sabia nada. Testemunhavam-me a vida do meu filho, eu sentia-me órfã».
Um testemunho que foi para além da morte. Que transformou a vida de tantos. Através daqueles que o conheceram e através do mundo da Internet, a sua história, os seus pensamentos tornaram-se conhecidos. A família recebe milhares de cartas e e-mails a pedir para saber mais sobre este rapaz especial. Uma delas diz: «Visitei a igreja de San Frediano al Cestello em Florença e fiquei impressionada com a imagem do Carlo que estava quase à minha espera. Não pude deixar de me aproximar para ler a história de um rapaz cujos 15 anos de vida foram suficientes para deixar uma marca indelével nesta terra». Ou um rapaz da mesma idade, que nunca o conheceu, que escreve no Facebook: «O Carlo vivia numa família muito rica, pelo que nada o teria impedido de viver confortavelmente e de ter esse sentimento de soberba. Em vez disso, manteve sempre aquele nível de vida e de pensamento “pobre”, aberto aos últimos, altruísta para com todos, o que não é pouco no nosso “planeta”». Para muitos jovens, torna-se um exemplo de como é possível viver a fé. Alguns contam a sua própria conversão. E depois a exposição chega aos confins do mundo: China, Rússia, América Latina. Nos Estados Unidos, graças à ajuda dos Cavaleiros de Colombo, é acolhida por milhares de paróquias e mais de cem universidades.
Don Giussani escreveu: «A liberdade de Deus move-se na vida que criou, envolve-se nela partindo de pessoas ou lugares escolhidos, preferidos, diríamos nós, mas é uma preferência em função de tudo». A especialidade do Carlo era esta preferência, que ele amava e abraçava. «Ele é sacerdote no céu», diz a mãe. «Ele, que não conseguia compreender como é que os estádios nos concertos estavam cheios e as igrejas tão vazias. Costumava repetir: “Eles têm de perceber”».