Meeting Lisboa 2023 - 1.º Dia
Síntese/testemunho do primeiro dia do Meeting Lisboa 2023“Cinco minutos antes da primeira Missa do Movimento nasceu o canto do Movimento. O início do canto do Movimento é o início do Movimento. Não há diferença. Nasce o Movimento e canta-se.” O início deste dia fez-me imediatamente lembrar estas palavras de don Giussani. Invadiu-me uma comoção enorme quando, hoje de manhã, entrei pelo auditório dentro para (não o sabia eu) assistir a um espetáculo que contava a minha história: o Mini Meeting. Não poderia ter imaginado o que ia acontecer. Deparei-me com os alunos do Colégio de São José do Ramalhão (nos seus 6, 7 anos?) que, ajudados pelos seus professores, se propuseram a fazer-nos a todos participar num momento de canto nascido da experiência de encontro com don Giussani e com o Padre João Seabra.
De facto, começa o Meeting e começa o canto; não há melhor forma de expressar a gratidão pelo que encontrámos do que através do canto. Mas não qualquer canto. Uma forma de cantar que comunica um significado, como vi naqueles miúdos, que na alegria e prontidão com que obedeciam aos seus professores mostravam toda a afeição que têm para com eles, que não é senão um reflexo da afeição que os próprios professores têm em relação a toda esta história que os abraçou, e que me abraçou também a mim. Impressionou-me este primeiro encontro do fim de semana porque aquelas crianças tinham mesmo algo a ensinar-me: eu serei tanto mais homem quanto mais viver com simplicidade diante da realidade, ou seja, quanto mais aprender a cantar como aqueles miúdos cantavam.
Visitei também hoje a exposição sobre o Memorial, uma associação russa que nasceu com o objetivo de manter viva a memória de todos aqueles que ou perderam a vida ou simplesmente “desapareceram” durante os anos do regime comunista. O António, o amigo que me guiou pela exposição, frisou muito este ponto: mesmo nas circunstâncias extremas, antagónicas à vida, que se viviam nos gulags, onde nada parecia positivo, o grito do homem vinha ao de cima, na sua forma mais simples. É verdade que muitos foram vencidos pela dureza da realidade que ali experimentavam; porém, é inegável que emergem também vários indícios de esperança. Em tantos, e a exposição é sobretudo feita de testemunhos de pessoas que foram enviadas para os campos, não se perde o desejo de uma afeição real pelo filho, ou pela mulher, e por isso vale a pena arriscar a vida a preparar-lhes qualquer coisa (uma peça de roupa, um desenho).
Espantou-me sobretudo a história de uma mulher que, tendo sido acusada pelo regime, foi repudiada pelo marido, que ficou com a filha, não a deixando ver a mãe. Apesar de tudo, permaneceu viva nela o desejo de transmitir ao filho a memória do seu amor. É então que três mulheres suas companheiras de campo, uma poetisa e outras duas artistas, escrevem e desenham sobre a sua vida, preparando um livrinho para entregar ao filho da amiga, como tentativa de lhe mostrar que a mãe não se esqueceu dele.
Há, de facto, qualquer coisa de irredutível no coração humano, algo de tal forma estrutural que nenhuma circunstância por mais difícil ou dolorosa que fosse (e esta era-o sem sombra de dúvida) poderia apagar.
De alguma forma, este traço característico do humano foi também um tema central do encontro da manhã sobre inteligência artificial. O homem pode ser substituído pela máquina? Há algo que verdadeiramente o homem tenha que a máquina não tem? Foram algumas das perguntas que surgiram ao longo do encontro. Os oradores, após nos terem introduzido de forma brilhante neste mundo da tecnologia em desenvolvimento exponencial, ajudaram-nos a pensar sobre este assunto. O homem possui uma forma de conhecimento que a máquina nunca poderá ter: aquele que se obtém através de uma relação com o objeto, onde aprendo o seu significado. Fez-se o exemplo: eu sei identificar o que é uma cadeira porque sei o que é, conheço a sua utilidade, conheço o seu significado; já um computador para identificar uma cadeira terá de reunir todas as suas características de modo a chegar a um conceito de cadeira. Também o Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério, cuja presença nos enche a todos de gratidão, nos ajudou neste trabalho. Como abriu o encontro: “o homem pode viver em comunhão, em relação com o outro; este é um aspeto que a máquina nunca será capaz de atingir.”
Por fim, à tarde, tivemos connosco o bispo de Lamego, D. António Couto, para fazer um encontro sobre o tema do Meeting, “O que me espanta é a esperança”. D. António começou por recordar o diálogo de Jeremias com Deus, no Capítulo 1 do livro de Jeremias. À pergunta de Deus “O que vês, Jeremias?”, este respondeu “Vejo um ramo de amendoeira”. Deus respondeu então “Viste bem, porque eu velo sobre a minha palavra para a cumprir”. De facto, a flor da amendoeira é a primeira que floresce no inverno, e por isso é um sinal de esperança, porque antecipa o que acontecerá com todas as outras: com o devido empenho e cuidado todas florescerão no seu tempo.
É incontornável que no fim do dia sejamos confirmados (ou recordados), através das palavras do bispo, que a promessa de Deus se mantém viva: “Viste bem”, ou seja, não te enganaste, o que vês acontecer à tua frente não é fruto da tua imaginação. A flor da amendoeira está a florescer, agora, na circunstância atual. Por isso também me impressionou o que o bispo dizia no fim do encontro: somos chamados a uma simplicidade, a deixar que a nossa vida mostre a certeza de que a amendoeira floresce. Mais do que perceber a demonstração de como isto acontece, o bispo convidou-nos a expormo-nos, a arriscar verificar na nossa vida que a promessa que a flor da amendoeira anuncia é verdadeira, porque se cumpre já hoje.
Esta mesma simplicidade foi o que definiu a vida de Péguy, sobre a qual os nossos amigos fizeram hoje um belíssimo teatro. A certa altura, quando confrontado sobre a sua conversão por um amigo, Péguy respondeu: “Segui sempre o mesmo caminho, e foi ele que me trouxe até onde estou.” Arriscando seguir o que lhe ia acontecendo acabou por reencontrar a fé – nas palavras do próprio, “num acontecimento. Este, quando se dá, dá-se para sempre”. Este encontro com o cristianismo partiu dos factos da realidade, como ele dizia, e não lhe tirou nada da sua humanidade; de facto, permanecia ele próprio, embora dentro de uma novidade de vida.
Por último, não consigo deixar de referir uma das maiores provocações que Péguy nos deixa: “O cristianismo não me interessava porque parecia desgarrado da vida temporal.” Todo o dia de hoje mostrou que o encontro que nós fizemos tem tudo a ver com a circunstância que vivemos, com o tempo presente: a realidade difícil que se vive na Rússia, o mundo novo da inteligência artificial, a educação…Hoje dei-me conta deste ponto em tudo o que aconteceu no Meeting: a surpresa de um olhar novo sobre todas as coisas, a descoberta de que toda a realidade é interessante e é intuição de um significado.