Papa Francisco (Foto: Mondadori Portfolio/Arquivo Grzegorz Galazka/Grzegorz Galazka)

Vígilia Pascal:«É possível recomeçar sempre»

A homília do sumo pontífice na missa da noite da ressurreição.
«Deus pode construir uma obra de arte inclusive a partir dos escombros do nosso coração»

As mulheres esperavam encontrar o cadáver para o ungir; em vez disso, encontraram um túmulo vazio. Foram chorar um morto; em vez disso, escutaram um anúncio de vida. Por isso, como diz o Evangelho, aquelas mulheres «estavam cheias de medo e maravilha» (Mc 16, 8), cheias de medo, assustadas e maravilhadas. Maravilha: neste caso, é uma mistura de medo e alegria que se apodera dos seus corações, ao verem a grande pedra do túmulo rolada para o lado e, dentro, um jovem de túnica branca. É maravilha pelas palavras escutadas: «Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou» (16, 6). E depois por este convite: «Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá O vereis» (16, 7). Acolhamos, também nós, este convite, o convite de Páscoa: vamos para a Galileia, onde nos precede o Senhor Ressuscitado. Mas, que significa «ir para a Galileia»?

Ir para a Galileia significa, antes de mais nada, recomeçar. Para os discípulos, é voltar ao lugar onde inicialmente o Senhor os procurou e chamou para O seguirem. É o lugar do primeiro encontro e o lugar do primeiro amor. Desde então, deixadas as redes, seguiram Jesus, escutando a sua pregação e assistindo aos prodígios que realizava. E todavia, apesar de estar sempre com Ele, não O compreendiam totalmente, muitas vezes entenderam mal as suas palavras e, à vista da cruz, fugiram deixando-O sozinho. Não obstante este falimento, o Senhor Ressuscitado apresenta-Se como Aquele que os precede uma vez mais na Galileia; precede-os, isto é, está diante deles. Chamara-os para O seguirem, e volta a chamá-los sem nunca Se cansar. O Ressuscitado está a dizer-lhes: «Partamos donde iniciamos. Recomecemos. Quero-vos de novo comigo, não obstante e para além de todos os falimentos». Nesta Galileia, aprendemos a maravilhar-nos com o amor infinito do Senhor, que traça novas sendas nos caminhos das nossas derrotas. O Senhor é assim: traça sendas novas nos caminhos das nossas derrotas. Ele é assim e, a fim de fazer isso mesmo, nos convida a ir para a Galileia.

Aqui está o primeiro anúncio de Páscoa que gostava de vos deixar: é possível recomeçar sempre, porque sempre há uma vida nova que Deus é capaz, independentemente de todos os nossos falimentos, de fazer reiniciar em nós. Deus pode construir uma obra de arte inclusive a partir dos escombros do nosso coração – cada um de nós sabe, conhece os escombros do próprio coração –; inclusive a partir dos pedaços arruinados da nossa humanidade, Deus prepara uma história nova. Ele sempre nos precede: na cruz do sofrimento, da desolação e da morte, bem como na glória duma vida que ressurge, duma história que muda, duma esperança que renasce. E, nestes meses sombrios de pandemia, ouçamos o Senhor ressuscitado que nos convida a recomeçar, a nunca perder a esperança.

Ir para a Galileia significa, em segundo lugar, percorrer caminhos novos. É mover-se na direção oposta ao túmulo. As mulheres procuram Jesus no túmulo, isto é, vão recordar o que viveram com Ele e que, agora, se perdeu para sempre. Vão repassar a sua tristeza. É a imagem duma fé que se tornou comemoração duma coisa linda mas que acabou, apenas para se recordar. Muitos – nós também – vivem a «fé das recordações», como se Jesus fosse um personagem do passado, um amigo da juventude já distante, um facto sucedido há muito tempo quando, ainda criança, frequentava a catequese. Uma fé feita de hábitos, coisas do passado, belas recordações da infância, uma fé que já não me toca nem interpela. Ao contrário, ir para a Galileia significa aprender que a fé, para estar viva, deve continuar a caminhar. Deve reavivar cada dia o princípio do caminho, a maravilha do primeiro encontro. E depois confiar, sem a presunção de já saber tudo, mas com a humildade de quem se deixa surpreender pelos caminhos de Deus. Nós temos medo das surpresas de Deus; habitualmente temos medo que Deus nos surpreenda. E hoje o Senhor convida-nos a deixar-nos surpreender. Vamos para a Galileia descobrir que Deus não pode ser arrumado entre as recordações da infância, mas está vivo, sempre surpreende. Ressuscitado, nunca cessa de nos surpreender.

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