Em rede, mas sem rede
A escola que fecha de repente e muda completamente. Muda a perspetiva de tudo, como sucede numa lição vídeo. E o ponto já não é “segurar” os jovens, mas “a sua liberdade de estar diante”… O testemunho de uma jovem prof.“Logo agora que tinha encontrado um equilíbrio perfeito. Que as coisas funcionavam bem, em todas as turmas. Programa cumprido, os testes, as avaliações, os exames”. E, acrescenta, também um bom clima com os estudantes, interessados, atentos, jovens com quem era apaixonante dialogar acerca de tudo, sem concessões. E em vez disso “escolas fechadas”, diz Marta Maj, professora, trinta e cinco anos, Milão, uma cadeira de Letras em três turmas (duas do 9º ano e uma do 12º) num instituto técnico da cidade. Há poucos dias começaram as aulas vídeo. E agora conta aquilo que lhe sucedeu, no seu ambiente, diante daquela que foi agora declarada “pandemia”.
“Foi de loucos. Sou uma pessoa que gosta de fazer, e vivo com pessoas que, nesta ocasião, estão a trabalhar na linha da frente. E eu? Como podia estar em casa de braços cruzados? O que podia fazer pelos meus alunos?”. A 22 de Fevereiro, as últimas horas na sala.
Tinha acabado de explodir a bolha de Codogno. “Prof, não tem medo?”, perguntou uma aluna do décimo-segundo ano. Começou o debate: “Vamos aproveitar o instante”, disse um outro, citando um rapper. “É uma possibilidade...”, replica Marta: “Se a vida não está na nossa mão, como estamos a dizer, podemos divertir-nos agora. Ou deixarmo-nos levar pelo pânico. Mas estamos certos de que não há uma alternativa? Se não está nas nossas mãos, o que é a vida?”. A pergunta permaneceu em aberto. “Depois chegou o fecho das escolas”. Marta lê um artigo de jornal. É interessante, e põe as mesmas perguntas que surgiram na turma. “Pensei mandá-lo a alguns deles, perguntando-lhes se aquilo que estavam a viver podia ser uma oportunidade ou se estavam condenados ao tédio ou ao medo”. Alguns agradeceram. “Passada a semana de Carnaval, o regresso foi difícil. E, no entanto, de repente, a primeira surpresa”. Um grupo de professores fantásticos: cento e oitenta pessoas ligadas: “Belíssimo, normalmente, brigamos, discute-se. Vêm à liça os sindicatos e queixamo-nos das instituições... Pelo contrário, agora todos procuravam soluções, algumas no limite dos regulamentos. Houve quem tivesse contactado os estudantes nas redes sociais, por exemplo. Mas o esforço era comum”.
Na terça-feira, a surpresa: “A primeira aula vídeo. Tinha-os contactado por e-mail, perguntando-me se teriam lido a mensagem. Comecei com os mais velhos do 12º ano, uma bela turma. Encontro às 10. Estavam todos. O mesmo com as duas seguintes. Na verdade, comovi-me quando um deles que teve mais dificuldade, não encontrando os materiais de algumas matérias a descarregar, escreveu-me por estar preocupado por não conseguir fazer os trabalhos”.
E ali estavam, todos ligados: “Uma experiência nova para todos”. Havia o perito, já “ao trabalho” com o seu pc. Havia o que estava ao telemóvel a tomar o pequeno almoço, com o gato que passava na mesa para trás e para a frente. Um outro, sem preocupações: “Prof, digo-lhe já: ainda estou na cama”. “Basta que estejas”, disse-lhe. Estavam todos e estavam verdadeiramente presentes. Pensei que era assim “por uma relação estável”, e não porque eram obrigados. Todos na primeira fila, “com uma liberdade que na turma têm dificuldade em conseguir”. Com o 12º ano com a webcam e os microfones sempre ligados para intervir: “E não se portaram mal, muito ordenados. Tu adequas as perguntas de modo a ser possível responder oralmente, se calhar crias, como na turma do 9º ano, concursos por chat”. No início, alguns tinham a webcam desligada: “Depois deixaram-se convencer a ligá-la. Entras nas suas casas, eles deixam-te entrar. Vês o que te querem mostrar de si, da sua vida. Porque, como eu, claro, devem ter estudado qual o melhor enquadramento...”. É como estar em frente a um quadro, agora a maior distância: “Observas coisas que de perto não vias. É um ponto de vista riquíssimo de informações. E sou educada a olhá-los de um modo diferente”.
Estes dias pedem tanto. Querias estar perto, mas dás-te conta que os olhas enquanto procuram responder a esta situação em que são menos controlados. “O ponto já não é aquilo que eu faço para os “ter”, mas a sua liberdade em estar, em seguir”. Está aqui a grande novidade: “És quase impotente. Estamos em rede, mas sem rede. Quando entras na sala, muitas vezes, a presença física é acompanhada pela secreta convicção, mesmo sem o fazer de propósito, que o teu modo de fazer os pode manter ligados, atentos. Em parte é assim. Mas neste momento fugaz é claro que está em jogo toda a sua liberdade. Podiam estar diante do computador, sem “estarem ali”. Pelo contrário, aquele que no início não queria nem sequer ligar a webcam, agora levanta a mão no vídeo para intervir. “Pode durar? Não é uma coisa que faço eu, mas uma coisa que acontece ou não acontece”. E a perspetiva que muda de dia para dia, com do tempo da retomada que se afasta, torna ainda mais difícil “e interessante” a aposta. Um dos seus alunos disse no fim da lição: “Prof, quero tanto regressar à escola...”. “Somos feitos para viver, veem? Não para estar parados”, respondeu Marta. “Tinha mil projetos para eles. Aprofundar algumas coisas, até convidá-los para alguns encontros com a Gioventù Studentesca (Liceus, ndr), onde as suas perguntas são postas na mesa. Como se dependesse de mim. E agora está a acontecer alguma coisa nos seus corações”. Vê-o nas mensagens que lhe mandam: têm medo do tédio, de estarem bloqueados. “Mas isto acontece porque a vida queima dentro de nós!”, disse a um deles”.
A muitos níveis, disse, há movimentos, mais ou menos confusos, que abrem a pergunta sobre o que possa ser este tempo: “Uma colega amiga faz-me companhia neste assunto, também para sustentar um juízo diante de tantos colegas que te procuram”. É preciso olhar para aquilo que existe agora, para a natureza e qualidade da relação que emerge com os jovens e que os mantém ligados, que os faz estar em pé e crescer: “A pedagogia? Faz-se menos, necessariamente. Mas quando regressarmos às aulas vão ter que nos prender às cadeiras para estarmos quietos, tanto será o entusiasmo e a vontade que teremos”.