Não estou sozinha, afinal?

O desejo de ter filhos que não é ouvido, sentir-se perdida, inadequada, infeliz... A história de Monica e de uma brecha em que se escancara um novo horizonte.
L. Fiore, A. Stoppa

«Casei-me há dois anos. O meu marido e eu queríamos ter filhos cedo. Pensávamos que iam chegar ao fim de um ano. Mas não aconteceu». Monica está na Holanda há cinco anos. Deixou Itália por causa de um projeto de investigação em Neurociências. Hoje é assistant professor e ensina Redes Neuronais a estudantes de Bioengenharia. É uma entre tantas cabeças que partem e dão o melhor de si longe de casa. Mas, para lá dos sucessos académicos, Monica é uma rapariga marcada por um misto de energia e fragilidade que caracteriza tantos da sua idade. Tem uma história dentro da vida de Comunhão e Libertação, cujo valor – longe das grande comunidades italianas – teve que reconquistar com unhas e dentes em cada sobressalto da vida. Foi o que aconteceu desta vez, ferida num ponto tão íntimo e delicado. A sua história nos últimos meses leva-nos a tocar o fundo da solidão e, depois, mais e mais alto, onde o olhar de quem passou por aquelas profundezas se faz forte, por uma certeza provada.

«Com o tempo, o desejo de ter um filho tornou-se cada vez mais intenso e insistente. Ao fim de alguns meses dei comigo infeliz e zangada». O seu marido acompanha-a com paciência. Mas ela sente-se cada vez mais determinada por este desejo que não se realiza. «A vida tinha-se tornado um peso. Não via nenhuma saída». No verão passado, Monica ouve o seu amigo Paul contar que também ele e a sua mulher Sari não conseguem ter filhos. E, no entanto, isto, que também para eles é uma dor, não os impede de estar em paz. Monica, tocada pela vivência, mais do que pelas palavras, de Paul, é interpelada e quase incomodada pelo seu sorriso. Um sorriso que ele e Sari têm sempre e que lhe parece um desafio. Vai ter com Paul e pergunta-lhe: «Mas como é que podes sorrir dessa maneira?». E ele partilha, com simplicidade: «Pode ser que não tenhamos filhos. Mas a Sari começou a trabalhar numa escola e talvez seja mais útil ao mundo que ela esteja com estas crianças do que em casa com um filho nosso». Monica percebe que a posição deles é mais aberta. Pensa: «Queria ser assim».

O regresso de férias é marcado pelo trabalho. Monica tem que apresentar um pedido de financiamento para um projeto de investigação. Mergulha naquele trabalho na esperança, mais ou menos consciente, de conseguir esquecer aquela ideia fixa. Durante uns meses não faz mais nada, incluindo fins-de-semana. «Estava a sufocar o meu desejo. E até o trabalho, de que sempre gostei imenso, se tornou insuportável. Depois, quando entreguei o pedido, rebentou tudo». Aconteceu numa destas conversas entre colegas
que começam de forma inócua: «Como é que vão as coisas lá em casa? O teu marido?». E depois o fatal: «E crianças? Não querem ter?». Monica desata a chorar sem parar. Tenta explicar, justifica-se, arranja desculpas. Depois diz: «Sei que a minha felicidade não depende de ter filhos». Mas enquanto o diz pensa: «Monica, isso não é verdade. É uma frase que pode ter sido verdadeira no passado. Mas tu agora não acreditas nisso...».

É um sobressalto que abre uma brecha na fortaleza que tinha construído em torno da sua infelicidade. Nos dias que se seguem lembra-se do sorriso de Paul e Sari. «O meu desejo de ser feliz imediatamente, naquele momento, tornou-se mais forte do que o de ter o filho que não chegava. A dor que me provocava infelicidade e solidão tornou-se mais forte do que a pretensão de que a felicidade se realizasse como eu queria. Pensei que também queria a paz que eles dois tinham. Que se eles podiam ser felizes mesmo sem filhos, então essa felicidade podia ser também para mim. Mas como fazer? O único caminho que eu via era seguir o que eles seguiam. Comecei a sentir necessidade de procurar amigos com quem fazer Escola de Comunidade (a catequese regular proposta pelo CL)». Mas enquanto Paul e Sari vivem no sul da Holanda, onde o Movimento está mais presente, Monica vive no norte. Lá os amigos mais próximos moram a uma hora de distância pelo menos e, durante muito tempo, foi difícil encontrarem-se com regularidade.

Mas o desejo de se acompanharem uns aos outros torna-se cada vez mais forte em Monica, no marido e em alguns amigos, ao ponto de, apesar das distâncias, nascer um novo grupo de Escola de Comunidade Ao trabalhar os apontamentos da Jornada de Início de Ano, Monica embate nesta frase: «Se não somos atraídos por Ele, de facto, somos um barco sem amarras, à mercê dos nossos pensamentos, à mercê das nossas reações, à mercê da nossa maneira de pensar, da nossa maneira de encarar as coisas. Em resumo, à mercê do nada. A diferença é óbvia quando encontramos uma pessoa presa até às entranhas. É isto a fé». Enche-se de coragem e, com toda a sinceridade de que é capaz, quebra o silêncio e diz aos amigos: «Eu sou um barco à deriva, à mercê dos meus pensamentos. O que fazer para estar em paz?». Pela primeira vez, ao fim de meses, descobre-se aberta a uma resposta. Diante desta radicalidade os amigos não podem fazer batota. E começam a contar em que situações, ou graças a quê, o drama da vida parece recompor-se. «Todas as intervenções levavam a um ponto comum: a vida recomeça quando é confiada ao Mistério».

Ela recorda o momento em que, como quem se rende definitivamente depois de uma batalha travada tempo demais, começou a entregar-se. Os dias deixaram de começar com uma pretensão, mas com uma curiosidade: «Como me surpreenderá hoje a vida?». Semana após semana, o momento da Escola de Comunidade torna-se cada vez mais precioso. «É o lugar onde a minha mente se volta a abrir. Ajuda-me a olhar para as coisas de uma maneira diferente. Não foi de um momento para o outro, mas hoje vejo-me completamente mudada. Já não estou esmagada por aquele desejo. E aquela frase dita à minha colega, bem... agora readquiriu significado. Sim, pode-se ser feliz mesmo se os filhos não chegam. É verdade o que escreve Giussani em Gerar Rasto na História do Mundo, o encontro não cria só um âmbito de relações, mas torna-se a maneira de enfrentar tudo o que nos acontece».

O desejo não diminuiu, conta Monica. Às vezes ainda é difícil de aguentar. E, no entanto, na sua vida introduziu-se uma nota de paz que antes não existia. «Mas o que é que eu faço com este desejo?», perguntou a Julián Carrón, que visitou a Holanda, setembro passado. E ele: «É útil se o usares para procurar mais Quem pode preencher totalmente o teu coração». Monica levou a sério esta hipótese e a sua maneira de olhar para as coisas mudou: «Desisti de olhar para o meu desejo como um inimigo ou uma maldição. Hoje é um amigo que me ajuda a descobrir quem sou e o que é que me faz feliz. Agora até posso chorar – não nos tornamos super-heróis – ma já não há desespero. O meu desejo é abraçado e toda a vida, das relações ao trabalho, renasceu».