Como o poeta se torna profeta
O fio condutor das Minhas leituras de Luigi Giussani.Existe um fio condutor nas leituras de don Giussani. São prova disso os textos das conferências proferidas em diversas ocasiões e recolhidas no livro “As minhas Leituras”: qualquer que seja o autor em questão, é sempre reiterado um sublinhado.
A poesia, no seu auge, é profecia. «Todo o grande génio é, nalgum aspeto, profecia de Cristo». O artista, independentemente da sua posição confessional, é capaz de captar «o verdadeiro coração do homem» - escreve Giussani sobre Pascoli – como tensão para uma possibilidade adicional, para um ponto de fuga que domina a experiência do eu. Neste sentido, Lagerkvist, Leopardi ou Eliot apaixonam-nos porque prefiguram, na sua obra, uma outra dimensão, “mais além”, como horizonte da existência. Observa o autor comentando Montale: «A razão não decifra o Mistério, mas revela o sinal da Sua presença em cada experiência humana».
De que modo pode tornar-se profeta um poeta nascido depois de Cristo? A questão joga-se a um nível ainda mais profundo porque se trata, principalmente, de quem é Cristo para Giussani, a que perfil corresponde este nome. «Cristo», explica Giussani, «é o Deus que se lembrou de mim»: é o Absoluto, o Significado, na medida em que se torna objecto da experiência, em que se encontra como homem na vida dos homens.
Esta é a intuição central de “ As minhas leituras”, o imprevisto inimaginável ao qual os poetas, abrindo-se, se tornam profetas. De facto, cada um dos autores propostos, num momento da sua aventura artística, pressentiu a urgência de que Deus cuidasse do homem, ou seja, daquilo de que o mundo é feito, o destino e o sentido, se “tornasse tu”, segundo o neologismo dantesco:
“se tornasse tu” no humano, identificando-se até coincidir com a vida de uma pessoa. O mistério da Encarnação reflete-se onde o génio literário encontra a hipótese de uma reviravolta total, graças à qual não é apenas o homem a aspirar à Beleza definitiva, mas é esta que, por sua vez, aceita tornar-se a sua «amante desconhecida».
Nas leituras de Giussani, é Cristo que realiza a tensão dos poetas, que cumpre a profecia sugerida de diversos modos. De facto, n’Ele, a plenitude de significado ocorre como companhia ao homem, identificação amorosa e permanência na finitude da carne: «Ele, chamando-te, tornou-se tu mesmo».