Um novo santo português: São Bartolomeu dos Mártires

Amigo de S. Carlos Borromeu, S. Frei Bartolomeu dos Mártires destacou-se no Concílio Trento, promovendo e encarnando a reforma do clero. Visitou pessoalmente todas as paróquias da vasta arquidiocese de Braga, gozando ainda em vida de fama de santidade.
Hugo Dantas

No final do ano de 1563, o Cardeal São Carlos Borromeu, que então se encontrava em Roma, pensava em declinar o arcebispado de Milão que lhe era oferecido e fazer-se recluso num mosteiro. No entanto, como esta era uma decisão muito grave, resolveu procurar o conselho de um homem com fama de sabedoria e santidade que estava de visita à cidade. Este homem, quando ouviu o propósito do Cardeal, louvou o seu desejo de vida contemplativa, mas declarou-lhe que só com grande prejuízo da Igreja universal é que ele furtaria as suas qualidades ao governo da Igreja, naquele que era um momento de tão grande crise da Cristandade europeia. Para o ajudar, ofereceu-lhe um livrinho que ele havia escrito para ser lido apenas por si mesmo, sobre o ofício dos bispos.

São Carlos Borromeu seguiu este conselho e, como se sabe, a sua santidade resplandeceria na reforma da arquidiocese de Milão. Poucos anos depois, Carlos Borromeu escrevia a este seu conselheiro confessando: «tenho-vos continuamente diante dos meus olhos, e tomei como modelo da minha a vossa vida, virtuosa e louvável sob todos os aspectos».

Este confidente de São Carlos Borromeu era um português. Chamava-se Bartolomeu dos Mártires (1514-1590) e era naquele tempo o arcebispo de Braga. O livrinho que ofereceu a São Carlos Borromeu, intitulado Stimulus pastorum, era tão venerado pelo Arcebispo de Milão que este ordenou que se publicasse em Itália e o enviou a Lisboa para ser publicado em Portugal.

Dom Bartolomeu dos Mártires estava em Itália para tomar parte no Concílio de Trento, que fora reconvocado pelo Papa em 1563 para aquelas que seriam as suas últimas sessões. Desde o primeiro momento em que interveio, destacou-se como uma das grandes personalidades do Concílio, promovendo com particular insistência a reforma do clero. Obteve muita oposição dos prelados, sobretudo a propósito da reforma dos ilustríssimos e reverendíssimos cardeais, como se lhes referiram os seus adversários, e a que Dom Bartolomeu dos Mártires, numa célebre resposta, contrapôs a necessidade de uma ilustríssima e reverendíssima reforma. O seu saber, a sua eloquência e a sua integridade foram, desta forma, vencendo as resistências que se depararam a este seu propósito.

De facto, como bispo, Dom Bartolomeu dos Mártires encarnou o ideal de reforma que pregou no Concílio. Pouco tempo depois de chegar a Braga, resolveu iniciar uma visita em pessoa a todas as paróquias que lhe haviam sido confiadas, prática caída em desuso entre numerosos bispos, negligentes para com os seus rebanhos. A arquidiocese de Braga compreendia ao tempo uma vasta porção do norte de Portugal: uma região de terras altas e intempéries. Dom Bartolomeu dos Mártires não se escusou, porém, a internar-se nesses caminhos enleados nas montanhas até aos confins da sua jurisdição. Onde entrava, substituía os padres corruptos, convertia outros, instruía o povo e introduzia as necessárias reformas no governo das paróquias. Chegou mesmo a entrar numa região com fama de inexpugnável, Barroso, nas quais muitas povoações nunca tinham visto o rosto do seu bispo e onde, em certa ocasião, entre o povo ignaro até mesmo dos fundamentos da fé cristã, alguém o recebeu com o grito jubiloso de «Bendita a Santa Trindade, irmã de Nossa Senhora» …

Foi este arcebispo que São Carlos Borromeu reconhecia como exemplo para o seu ofício pastoral em Milão. A Igreja Católica, desde então, também não tem cessado de o recomendar o bracarense como modelo para os bispos, conservando o seu Stimulus pastorum na mesma estima que lhe devotava aquele santo arcebispo. Essa foi uma das obras escolhidas pela Santa Sé para ser ofertada aos padres do Concílio Vaticano I e do Concílio Vaticano II e, ainda em 2003, o Papa São João Paulo II, referia-se-lhe na sua exortação apostólica Pastori gregis, sobre os bispos, como «uma obra clássica».

Dom Bartolomeu dos Mártires gozou de fama de santidade em vida e após a morte, em Portugal, em Espanha e em certas partes da França. As virtudes heróicas de Dom Bartolomeu dos Mártires foram reconhecidas pela Santa Sé em 1845; em 2001, o Papa São João Paulo II beatificou-o. Por decreto do Papa Francisco de 5 de Julho de 2019, que determinou a sua canonização equipolente, Dom Bartolomeu dos Mártires é venerado como santo desde 10 de Novembro do mesmo ano, como já o é, desde 1610, o seu amigo Carlos Borromeu.