Somos livres quando podemos fazer tudo aquilo que nos apetece?

Publicamos a desgravação de excertos do testemunho do Federico Bassi nas férias do Luso, que tiveram lugar no final de julho.

Eu nasci numa família católica, mas na altura do liceu rebelei-me, só fazia asneiras e até usava crista. Por isso fui desde cedo identificado como o louco da escola e quando eu caminhava nos corredores durante o intervalo eu reparava que as pessoas nitidamente me evitavam, porque começava a andar de boca em boca as coisas que eu fazia e as pessoas também começavam a ficar com medo e evitavam-me.
Até que um dia, um miúdo da minha turma, (...) dá-me na mão uma folhinha com a ordem dia do raggio (que é como o convite para a escola de comunidade dos liceus), e nesta folha estava escrito: “É-se livre quando se pode fazer tudo aquilo que apetece?” E quando mo passa para a mão, pergunta-me: “Tu o que é que pensas disto?” E eu disse: “Claro, estou completamente de acordo, quanto mais posso fazer aquilo que me apetece mais sou livre”. E, então, ele disse: “bem se quiseres saber o que acham os outros, vem neste dia a esta aula" (que era a aula onde se fazia a escola de comunidade).
E eu, cheio de curiosidade por esta pergunta e cheio de curiosidade pelo facto de que ele estivesse interessado na minha opinião, fui a esta escola de comunidade.
O reitor daquela escola (...), chamava-se D. Giorgio Pontiggia e era ele que guiava esta escola de comunidade, e quando eu cheguei um minuto depois, já tinham cantado e já estavam a começar a falar, e como a entrada para o salão era pela frente, portanto quem entrava via-se, 300 miúdos viraram a cabeça, olharam e devem ter pensado chegou o louco, exceto o D. Giorgio que olhou para mim e disse-me: “ Bem vindo!”.

Então, eu sentei-me, ele leu a ordem do dia e começou a discussão e perguntou: “E vocês o que é que acham?” e todos diziam: “não, não é verdade que uma pessoa é livre quando uma pessoa pode fazer o que lhe apetece, a liberdade é dizer sim ao Mistério…”, enfim todas aquelas coisas que nós sabemos. E D. Giorgio depois de cerca de uma dezena de intervenções deste género, disse: “Eu não estou de acordo com vocês, para mim a liberdade é fazermos o que nos apetece”, E eu esbocei um sorriso de orelha a orelha e olhava para todos os meus amigo com ar de quem dizia, olhem estão a ver? Foi ele que disse, não fui eu! Mas a uma dada altura ele disse, e isto impressionou-me até ao infinito: “É verdade que a liberdade é fazer aquilo que uma pessoa quer, mas o problema é: Mas tu o que é que queres verdadeiramente? Isto é, tu és livre de fazer o que queres, mas tens de te perguntar o que é que realmente queres”. Isto para mim foi literalmente como uma flecha no coração, porque eu a esta pergunta não sabia responder. Eu queria ser livre de fazer o que eu queria, mas não sabia o que é que eu queria verdadeiramente, e, por isso, é que fazia todas as porcarias que fazia. Eu fiquei de tal forma impressionado com esta sua afirmação, que durante um dia inteiro não consegui falar, (...) porque quando uma pessoa encontra uma coisa verdadeira na vida, a primeira reação é que fazes silêncio, (...) porque percebes-te em diálogo com o Mistério. (...) E, por isso, por um dia não consegui falar porque tinha no coração esta pergunta: “Mas eu o que é que eu quero verdadeiramente?”
E fui dizer ao D. Giorgio, depois de dois dias, e eu disse-lhe: “Olha! Eu honestamente não sei o que desejo verdadeiramente, gosto de tantas coisas: das raparigas, de fumar, de fazer porcarias, ir aos concertos, mas no fundo no fundo, uma coisa que eu verdadeiramente desejo se calhar é estar contente. Eu precisei de dois dias para conseguir perceber que o que verdadeiramente me interessava era ser feliz. Ele abraçou-me, e disse: “Agora somos amigos, porque eu tenho o mesmo desejo do que tu!” E a partir dali começou uma relação com ele. Não é que uma pessoa muda de um dia para o outro, eu continuei a fazer uma série de coisas inenarráveis, mas eram asneiras feitas não sozinho, pois eu estava em relação com ele, e, de facto, ele dizia-me: “tu és livre de fazer o que queres. Faz o que quiseres!”, nunca me impediu de fazer nada, (...) mas disse-me: “basta que depois voltes a vir ter comigo e me contes o que é que percebeste; que experiência é que fizeste” (...). E dentro de uma relação assim cresces, porque percebes, e esta é a segunda descoberta que eu fiz na relação com o D. Giorgio, que a resposta ao teu desejo de felicidade não és tu, não é aquilo que podes fazer, mas é qualquer coisa que deve acontecer, que deves encontrar, que deves ver.

Um outro facto em que eu percebi isto: quando a escola estava fechada no Verão o D. Giorgio levava os miúdos a Onno que é uma aldeola sobre o lago ali ao pé de Milão. Ele alugava esta casa enorme e levava todos os miúdos, sobretudo, os mais loucos, e estavamos ali com ele, viviamos com ele, faziamos férias com ele(...).
Um dia estávamos a comer e um destes miúdos,(...) tinha bebido uns bons whiskeys sem pedir ao D. Giorgio e ele irritou-se e disse: “porque é que não me pediste?” e este rapaz respondeu-lhe - e assim emerge novamente o problema da liberdade – “porque eu quero fazer o quero, não o que tu me dizes”. Então, o D. Giorgio disse-lhe: “Ai, sim? Achas isto? Então amanhã, nós os adultos vamos todos embora e vocês ficam cá sozinhos por um dia inteiro (...) Este é o armário cheio de whiskeys, são vossos, façam o que quiserem, ali estão as cigarrilhas, tirem as que quiserem não há nenhum problema, ali está a cozinha para fazerem refeições, ali estão os jogos, façam o que vos apetecer, vemo-nos esta noite” e fomo-nos todos embora (eu na altura era já dos adultos que devia estar com os mais pequenos). O D. Giorgio gostava, particularmente, de pescar ao largo num barco, e eu estive oito horas na porcaria de um barco a pescar à linha com uma cana porque ninguém podia voltar para casa porque tínhamos de estar ali enquanto os miúdos estavam em casa (...), ele era muito radical. Então, voltámos à hora de jantar e estavam todos a chorar, (...) e tu vês uma cena assim e preocupas-te, (...) Pelo contrário, ele, tal como fazia Jesus, volta à carga: “Mas vocês porque raio é que estão a chorar? Estiveram o dia todo sozinhos, fizeram o que vos apetecia, puderam fazer tudo, mas porque é que choram? E aquele miúdo que lhe tinha dito: “eu quero ser livre de fazer o que me apetece e não o que tu dizes”, disse-lhe: “mas quando tu D. Giorgio estás presente eu estou mais contente porque as coisas adquirem um sentido”, então o D. Giorgio comoveu-se e fizemos uma grande festa, fartámo-nos de beber, mas porque ele nos deu. E isto é a segunda descoberta que eu fiz. Portanto, a primeira coisa: ter um coração que deseja a felicidade e a segunda: que a liberdade joga-se numa relação. Não é importante o que tu consegues fazer mas é importante aquilo que tu consegues ser, mas tu para seres consistes numa relação, não te fazes sozinho, não te fazes feliz sozinho.

Mas aquilo que a mim me faltava é que eu via que ele, D. Giorgio, era espetacular, era ótimo estar com ele, gostava de comer, com ele comia-se coisas boas, bebia-se coisas boas, andava depressa no carro, acelerava, tudo coisas que os miúdos gostam. Mas eu sentia que tinha de me esforçar para ser como ele, eu sentia que tinha de imitar o D. Giorgio (...). A minha vida continuava a ser uma grande confusão, mas eu podia esforçar-me para o imitar, para me tornar parecido com ele.
Mas a outra descoberta grande que eu fiz, (...) na Universidade, é que a resposta àquela pergunta infinita do coração era um caminho possível também para mim, podia ter a ver com a minha vida, não só com a vida dele, (...); todas as coisas que eu tinha ouvido o D. Giorgio dizer: desejo infinito, que a vida não é minha, que Deus está presente na realidade, comecei a intuir que seguindo esta história, podiam tornar-se minhas, podiam julgar a minha vida, tinham uma pretensão de mudar a minha vida, por isso já não dependia do meu esforço.(...)

Quando eu estava na Universidade os meus pais separaram-se e para um miúdo, (...) quando tu vês que entre os teus pais há qualquer coisa que não está bem, isto não te deixa indiferente. Aquele coração que tinha despertado no encontro com os liceus, começou outra fez a entrar em efervescência. Eu perguntava-me: “mas como é que é possível? (...). Até que, tive o segundo encontro decisivo na minha vida com o D. Pino (D. Stefano Alberto) que era o padre que estava na Universidade (...) Disse-me: olha que a uma certa altura aos filhos é pedido para serem pais e mães dos próprios pais, ou seja, é pedido aos filhos que não decaiam daquele desejo de infinito do coração, de permanecer sérios diante daquele desejo. Isto impressionou-me imenso e os meus pais deram-se conta disto, que numa situação difícil como era aquela que nós estávamos a viver, eu e o meu irmão não estávamos determinados por aquela dor, por aquele sofrimento, aliás, quanto mais nos custava mais aquilo que emergia era o desejo infinito de felicidade.
E a outra coisa que me impressionou muito durante a Universidade, é que nós todas as manhãs quando entrávamos na Universidade, o D. Pino fazia-nos afixar uns grandes cartazes na entrada da Católica onde toda a gente passava, em que nos pedia para exprimir um juízo em relação a qualquer coisa que tinha acontecido em Itália ou no estrangeiro a partir da nossa história, dos juízos do Movimento, e se por acaso ele chegava alguma manhã e se fora da aula Gemelli, que é a principal entrada da Católica, não estivessem os cartazes apoiados no chão, ele ficava "passado", não tanto porque os cartazes não estavam lá, mas irritava-se porque, dizia: mas parece-vos possível que a nossa história não tenha uma palavra a dizer sobre aquilo que aconteceu ontem, anteontem, hoje? Quer dizer que vocês não estão a viver e, também aqui, dentro de uma relação assim, exatamente como a relação com o D. Giorgio, começas a intuir que a grandeza que encontraste tem alguma coisa a dizer à tua vida, desafia a tua vida.

Terceiro exemplo que queria dar (...) quando fazíamos as férias dos Universitários, no período de Verão, em que eu tinha de fazer tantos exames, ninguém fazia exames porque tínhamos de preparar as férias, porque fazíamos mega jogos, com mega equipas e tínhamos de preparar isto tudo e havia muita competição. E um ano aconteceu que devemos ter feito alguma coisa da grossa dentro destas competições. Então, houve uma mega rixa entre nós, ali em frente à esquadra, obviamente suscitada por mim, eu era quele que incitava os outros a andarem à pancada, só que esquecemo-nos que estava ali uma esquadra e como andámos à pancada à séria, a polícia agarrou-nos, levou-nos para a esquadra, enfim… um dos miúdos acabou no hospital, (...) e eu na altura era responsável da Faculdade de Letras na Católica. O D. Pino chamou-nos a todos para a aula S. Giovanni, éramos para aí uns 15 os que tínhamos participado nesta rixa, e disse-nos: “vocês não vêm às férias, todos menos ele", falando de mim, e eu pensei bem se tu os castigas a eles e não me castigas a mim então ainda é pior, porque eu também fico em maus lençóis diante deles, porque é que vou eu e os outros ficam em casa? E ele, tal como o D. Giorgio, disse: "porque tu tens um empenho comigo, tu estás em relação comigo e eu a ti pedi-te uma responsabilidade, de uma faculdade, a de Letras, por isso tu vens às férias com esta pergunta: a Liberdade é um Mistério, tu podes afirmar Deus ou podes afirmar-te a ti próprio, o que é que te interessa mais? Eu tentei responder e ele disse: "não, tu vens às férias com esta pergunta, não tens de me responder agora". Eu fui para as férias, e ele disse-me: “não podes jogar, ficas ali a ver os outros jogar, mas não podes jogar”. E um dia fomos fazer um passeio, e, então, subimos a um sítio espetacular nos Alpes que é Pontresina para ver o glaciar Morteratsch com mais de 2.500 metros de altitude e eu fiquei completamente embasbacado com a beleza daquele glaciar. E, mais uma vez, com a pergunta do D. Giorgio: “Tu o que é que realmente queres?”, não consegui falar pela segunda vez, porque comecei a perceber que aquele glaciar era verdadeiramente belo, mas eu não o sabia. Alguém o tinha posto ali para mim, para que eu me pudesse espantar enquanto olhava. Então comecei a perceber que a liberdade é uma relação com este Mistério e contei ao D. Pino no final das férias. Então ele na Assembleia final destas férias, diante de toda a comunidade da Católica que na altura eram quase mil pessoas, “então apresento-vos o responsável de toda a Católica", referindo-se a mim. E eu dizia: “mas como é que é possível? Escandalizei todos, fiz porcaria até mais não, arriscámo-nos a ser presos, levaram-nos para a esquadra e fizeram-nos um registo, todos daquela comunidade ainda olhavam para nós como os doidos e ele propõe-me a mim uma coisa destas". Mas tu, de facto, diante destes factos não consegues dizer outra coisa a não ser sim, porque, e isto é a terceira coisa que eu descobri na minha vida, começas a desejar olhar-te como ele te olha, ou seja, tu começas a perceber que tu queres ser aquela pessoa que ele vê em ti, por isso, como eu dizia antes, já não é um problema de esforço é um problema de ceder diante deste olhar, diante deste bem do qual te sentes objeto, é um problema, como diz o Julian nos exercícios, de simplicidade de coração. Quando tu te sentes objeto de uma preferência totalmente gratuita, mas não só totalmente gratuita, despropositada para uma pessoa como tu, intuis que a única possibilidade que tens na vida é ficar ali agarrado com as unhas e começas a perceber pela primeira vez que há qualquer coisa na tua vida que tem que mudar, que as porcarias que continuas a fazer também podes não fazê-las, mas não porque te impões a não fazer estupidezes, mas porque estás totalmente determinado por aquele olhar.

E, agora dou aqui um salto nos anos, isto é a mesma coisa que me aconteceu na relação com o Julian Carron. Eu conheci-o na Universidade, o Carron chegou quando eu estava no último ano da Universidade e chegou e disse: “D. Giussani chamou-me para o ajudar a conduzir o Movimento”, mas não se percebia bem o que é que isto queria dizer, ajudá-lo a conduzir o Movimento, e de facto ninguém ia às lições do Carron. Durante o ano inteiro fomos 10, ele estava ali, nós estávamos com ele, mas ainda não se percebia grande coisa. Depois eu licenciei-me, e ele, antes da escola de comunidade que faz em directo, faz um pequeno jantar com algumas pessoas e convida-me para ir antes da escola de comunidade, até porque ele tinha acabado de aterrar em Itália e não conhecia ninguém. Então eu comecei a ir a este jantar. Depois a minha mulher engravidou, já tínhamos um filho, e no oitavo ou no nono mês perdemos a criança, e se tu perdes uma criança tão adiantada nos meses, é preciso fazer o parto e para além do drama da morte da criança, há também todo o esforço e a dor do parto que tem de ser induzido, enfim… Então, quando nasceu esta criança, a quem chamámos Michele, eu queria estar ali com a minha mulher, não me apetecia ir para outro lado. A minha mulher estava desfeita, literalmente, mas disse-me: “não, vai jantar com o Carrón e depois conta-me”. Eu fui a este jantar, e tinha uma cara totalmente determinada por aquilo que tinha acabado de acontecer, só que o Carrón não sabia o que tinha acontecido, então ele vê-me e diz-me “Federico, o que é que tens?”, e eu disse: “nada, nada, não te preocupes”, a discussão continua e ele pela segunda vez diz-me: “mas o que é que tens?” e eu: “nada, nada, nada…”, à terceira vez que ele me pergunta, eu conto-lhe tudo aquilo que tinha acontecido, e disse-lhe: “olha, eu estou furioso! Porque parece que me sinto gozado, porque Tu (Deus) não podes dar um presente assim a uma pessoa e depois tirá-lo simplesmente porque te apetece” e o Julian com os dois olhos luminosos, disse-me: “mas Federico, porque é que te zangas? Nós passamos a vida inteira a lembrar-nos que a vida não é nossa, que a vida é-nos dada, que a vida é um dom, e testemunhamos isto uns aos outros, somos amigos por isto. Esta criança, o Michele, que não só não pôde falar mas nem sequer pôde chorar porque nasceu morto lembrou-te que a vida é verdadeiramente de um Outro de tal forma que nunca mais te esquecerás, pelo que deves agradecer a Deus, deves agradecer ao Michele e rezar-lhe a ele, e nestes casos quando nós ouvimos dizer estas coisas pensas: ou este tipo é maluco ou isto é verdade, (...) mas é assim mesmo, porque eu olhava para os olhos dele e eram os olhos de um homem adulto, mas tinha os olhos de uma criança com aquela certeza certíssima dos olhos das crianças.

Então, depois, eu mudei de trabalho, e o trabalho leva-me todas as Terças–feiras e Quintas–feiras a Roma, em vez de estar em Milão e por isso eu já não consigo ir a estes jantares e só vejo o Carron nos momentos mais oficiais, (...) mas eu durante dois anos vive daquele olhar(...), daquele juízo. Lembram-se da frase do Kierkegaard dos exercícios? “O importante na vida é ter encontrado uma coisa tão grande e tão bela que ainda que tudo o resto desaparecesse aquela coisa nunca desapareceria”, e eu fiz esta experiência com ele, ainda que durante dois anos não o tenha visto, porque o importante não é estares colado a uma pessoa, mas é olhar para onde ele olha.(...)

Então, há dois anos que não nos víamos e uma vez toca o meu telefone e ouço do outro lado: “FEDE!!!!!” muito forte (...) ainda me lembro do som daquela voz, a maneira como disse o meu nome: “Sou o Carron e gostava de fazer-te uma proposta. A ti interessa-te a relação comigo?” e eu disse-lhe ”Olha, ainda que não te veja há dois anos, eu há dois anos que vivo daquele juízo que tu me deste.”. “Então faço-te uma proposta”, e antes que ele me dissesse qual era a proposta eu disse logo: “Sim!”. “Mas não queres ouvir o que te vou propor?”. “Não, depois dizes-me, mas antes eu digo-te que sim”. Isto porque primeiro dizemos sim ao Mistério e depois começas a ver os sinais do sim que disseste, não é o contrário como nós fazemos, nós a Deus dizemos: “Faz-me ver os sinais e depois de eu ver os sinais decido se te digo que sim ou que não” e, de facto, nunca vemos nada e depois lamentamo-nos, por isso é preciso primeiro dizer que sim ao Mistério e depois começas a ver os sinais. Então, pediu-me para ser visitor de Portugal e para representar o Movimento do CL junto do Bispo de Milão. Duas propostas que eu, tal como sou, tal como me conheço, nunca me teria proposto isto a mim próprio. Mas, mais uma vez como sucedeu com o D. Giorgio primeiro e depois com o D. Pino, disse: “Olha eu quero olhar-me como tu me olhas! Porque eu, as propostas que tu me fizeste, eu nunca as teria feito a mim próprio, mas evidentemente tu vês em mim qualquer coisa que nem sequer eu, que me conheço há 37 anos consigo ver. Por isso, digo-te sim para poder olhar para mim como tu me olhas” e por isso aqui vim ter.

Acrescento apenas uma coisa, sabem, qual é o drama na vida? Quanto tempo é que é preciso para nós cedermos à iniciativa de Deus sobre nós, porque Deus passa o tempo a tentar reconquistar-te, literalmente, e o nosso drama é o tempo que nós precisamos para ceder a esta sua conquista sobre nós. Eu isto intuí com a minha filha mais pequena, a Madalena, que, tal como eu era em pequenino, ela também é assim agitada, por isso aos 4 anos, desde que nasceu, ela nunca, nunca acordou uma manhã contente, está sempre aborrecida, tu vais lá dizer-lhe bom dia e ela dá-te pontapés e está com um ar chateado, sempre irritada, se lhe perguntas se quer chá ou leite é capaz de te mandar para um sítio feio. Então, às vezes dizes que o que apetecia era atirá-la pela janela, mas depois pensas, Deus não faz assim comigo porque também eu com Deus me irrito, fico furioso, olho para o outro lado e Deus o que é que faz comigo? Enche-me o dia com tantos sinais, com tantos amigos, que me leva a tomar consciência de novo de mim, faz-me ceder de novo. Então, eu tenho de reconquistar a minha filha todas as manhãs, são precisos cerca de 20, 25 minutos para que ela volte a ter consciência dela (...). Eu às vezes demoro dias e dias para ceder. Para a minha filha bastam 20 minutos dos meus sorrisos e de preferência que ela volta a sorrir. Então, o que é que te diz se te estás a tornar um homem ou não? O tempo que precisas para ceder diante da iniciativa que Deus toma na tua vida, quanto menos tempo demoras, mais estás a crescer. Por isso é um espetáculo.
Não esperem, coisas clamorosas na vida porque Deus vem-nos conquistar através de coisas simples todos os dias. Devemos pedir-lhe para ser simples. A única coisa que conta é isto.