A força do encontro

Uma introdução a um dos livros propostos para este verão
Paula Padrel

«É meia-noite Dr. Schweitzer», de Gilbert Cesbron (1), é uma peça de teatro em dois actos, publicada pela primeira vez em França em 1952, que segundo o autor trata «das aventuras da alma e do coração, as únicas verdadeiramente interessantes» e às quais nenhuma vida é imune.
Teve grande sucesso – vendeu mais de 700.000 exemplares – e foi adaptada a teatro radiofónico e ao cinema.

É uma obra que, pelas personagens e pelo contexto histórico em que decorre, tem permitido várias leituras (2). Por outro lado, é preciso não esquecer que foi escrita e publicada na altura em que a França já se debatia com a crise da Argélia e, por vezes, isso percebe-se. A este propósito, na revisão do texto foi interessante verificar que a tradução portuguesa, realizada para a RTP em 1959, não contém pequenas partes com apreciações sobre a administração colonial. No entanto, a informação da Inspecção dos Espectáculos – Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos foi muito positiva e a censura não fez “cortes”. A representação televisiva não veio a ocorrer, como foi confirmado pela RTP.
Apesar disto, não me parece, de todo, que seja uma obra historicamente datada, muito pelo contrário.

O que sobretudo me atrai nesta obra, e faz com que, frequentemente, volte a ler partes dela, é a força tão poderosa, quanto discreta, do encontro. As quatro personagens principais encontram-se todas elas com o Padre Charles, em circunstâncias que dizem respeito a todas e em circunstâncias específicas de cada uma delas. Porém, o movimento humano que esse encontro provoca fica-se numas pela admiração respeitosa ou pelo espanto entre a compreensão e a incompreensão e só em duas delas é mudança.

Devo dizer que gosto muito de todas as personagens, são profundamente humanas, em todas elas reconheço um bocado de mim. Mas há duas de que, concretamente, me lembro bastante. Uma delas surge logo no início do livro e a mudança entre a posição humana com que aparece e aquela que tem no fim do livro e com que vai continuar a viver é mesmo muito impressionante. Sugiro que descubram quem é esta personagem e prestem-lhe atenção do princípio ao fim. A outra é o Padre Charles, «o homem das mãos abertas», que tem o seu eremitério aberto dia e noite (com consequências radicais) e faz os indígenas provar, experimentarem que «somos todos irmãos em Deus», o homem que diz que a santidade é a sede de tudo e o orgulho é preferir ser perfeito a ser santo, o homem que pede que a sua prece seja «Ser tão louco como Deus…». A beleza vem de se perceber claramente a dramaticidade da experiência do seu encontro com Cristo, vivida e sofrida sem defesas.

Para mim este livro é um livro sobre o método de Deus e a (minha) adesão e, por isso, tem sido uma companhia e uma ajuda em situações concretas.
Como se vê, há muitas, muitas razões para ler o livro, para o discutir e conversar. E porque não com aqueles que trabalharam e trabalham fora e connosco que trabalhamos aqui? Do livro fica-me também este desejo, porque afinal todo ele se desenrola num contexto que é de trabalho…


(1) Várias obras de Gilbert Cesbron foram traduzidas para português, nomeadamente «Cães Perdidos sem Coleira» por Jorge de Sena (1956), «Os Santos Vão para o Inferno», com várias traduções, a mais célebre pelo Padre e Professor Bernardo Xavier Coutinho (1956), «Vereis o Céu Abrir-se» por Isabel da Nóbrega (1959). – cf. Premier Colloque International Gilbert Cesbron: Gilbert Cesbron au Portugal, Cristina Alexandra M. de Marinho, Universidade do Porto, 1993 (C Marinho - 1993 - repositorio-aberto.up.pt).

(2) Veja-se Premier Colloque International Gilbert Cesbron – Gilbert Cesbron au Portugal, Cristina Alexandra M. de Marinho, Universidade do Porto, 1993 (C Marinho - 1993 - repositorio-aberto.up.pt).