O Bispo Emigrante

Um milhão de cristãos na terra dos emires. Todos expatriados, à procura de trabalho. É o "rebanho invisível" confiado a Dom Paul Hinder: "Eles são os meus mestres na fé". Como aquelas quatro freiras que se tornaram mártires no Iémen
Luca Fiore

"Sou um Bispo emigrante de uma Igreja emigrante", diz ele com leve sotaque germânico. Paul Hinder é um capuchinho suíço-alemão, que nasceu em Lanterswil, um povoado do Cantão Turgóvia. Dia 22 de abril completou 75 anos, que para um Bispo é um idade importante: deve apresentar o seu pedido de demissão ao Papa. Os últimos treze anos passou-os em Abu Dabi, sede do Vicariato apostólico da Arábia do Sul, que compreende Emirados Árabes, Omã e Iémen. Todos países muçulmanos (governados pela sharia), mas onde aos cristãos é concedida liberdade de culto em lugares autorizados. Dubai é o símbolo do desenvolvimento desses países: um povoado de pescadores que em quarenta anos se tornou um dos centros do comércio mundial. O capital vem do petróleo árabe, mas os braços que amassam o cimento vêm do outro lado do oceano. Sobretudo da Índia, Filipinas, Paquistão, Coreia do Sul. Centenas de milhares de emigrantes com poucos direitos e salários de fome. Entre esses, muitíssimos cristãos. Pelo menos um milhão.
Formam o rebanho com o qual se ocupa todos os dias dom Hinder. E se nos Emirados Árabes e em Omã a vida dos cristãos é difícil, mas substancialmente tranquila, a situação no Iémen é dramática. Ali acontece a mais clássica das guerras esquecidas. Os cristãos que sobraram não passam de algumas dezenas. Entre eles, em Aden, há um ano, estavam cinco freiras da Caridade e um sacerdote salesiano, que se ocupavam de um grupo de inválidos. Na manhã de 4 de março de 2016, desconhecidos entraram na estrutura de acolhimento, mataram quatro freiras e raptaram o padre Thomas Uzhunnalil. "Esse", confidencia Hinder, "foi o momento mais difícil".

O que é que aprendeu nesses anos em Abu Dabi?
Tive que aprender a ser Bispo em países tão particulares. Os meus fiéis eram o meu rebanho mas também os mestres que me ajudaram a crescer na fé. Viver num país tão diferente, com pessoas culturalmente tão distantes, foi algo que me enriqueceu bastante.

Em que sentido?
Aqui todos vêm de longe, inclusive o Bispo. Somos uma Igreja emigrante. Não há a segurança da cidadania, ninguém sabe até quando poderá permanecer nesses países. Esta dimensão lembra-me sempre a experiência do Êxodo, que é a história de um povo emigrante. Tal como Abraão, a quem Deus disse: "Sai do teu país e vai para o país que eu te indicar". Nesse sentido somos uma Igreja peregrina.

Quais as características desse tipo de Igreja?
Temos poucas paróquias, comparando com o número de fiéis. Em Abu Dabi, na paróquia de Saint Joseph, temos 18 missas festivas. A língua comum é o inglês, mas celebramos também em outras línguas, porque há cerca de noventa nacionalidades. Cada igreja tem ao seu redor um compound, que se torna não só um ponto de encontro para a oração como também um lugar onde o povo se sente na própria casa. É um lugar onde se pratica a fé mas também se vivem relações sociais com pessoas do próprio país de origem ou pertencentes a outras culturas. Embora nem sempre seja fácil participar da vida da comunidade.

Por quê?
Quem vive nos residence próximos dos locais de trabalho – aqui poucos podem ter um carro – na sexta-feira tem de percorrer 100, 150, às vezes 300 quilómetros para vir à missa.

Quais são os outros desafios?
Antes de mais, manter a fé num contexto que, se não chega a ser hostil, também não pode ser considerado favorável. Viver como minoria numa sociedade tão fortemente marcada pelo islão não é simples: às vezes, há o medo de se declarar cristão pelas consequências no plano profissional. Mas a esse respeito geralmente admiro a fidelidade do nosso povo, apesar de tudo. É claro, depende do contexto: há os que estão bem na vida e os que lutam para sobreviver. Todos têm entradas mais ou menos regulares, ainda que modestas. Mas boa parte do dinheiro é destinada às famílias que ficaram na pátria. E também, para muitos, há a solidão. O marido ou a mulher está a milhares de quilómetros e para ninguém é fácil viver como celibatário numa situação dessas.

Como é que a fé ajuda nessas circunstâncias?
Aqui ou se vai às raízes ou se perde a fé. Outro dia, estavam hospedados aqui dois sacerdotes da Índia e diziam-me que aqui as pessoas estavam mais envolvidas na vida da comunidade do que nas suas próprias casas. A vida do emigrante é assim: obriga a ir mais a fundo. Não digo que seja a situação ideal, mas muita gente vem até nós para rezar durante os dias de folga, muitos participam nos grupos carismáticos, são assíduos à vida sacramental. Eu observo-os e sinto-me pequeno diante dessa intensidade de fé, que, nas suas expressões, está muito distante da sobriedade suíça na qual cresci. No início, não foi fácil habitar-me, mas ainda hoje, às vezes, preciso de pôr travão, porque há o risco de exagerar.

Como mudaram as relações com o mundo muçulmano nestes anos?
A impressão é que, pelo menos nos Emirados Árabes e em Omã, a situação melhorou desde a minha chegada. Talvez com o tempo se tenham reduzido as minhas expectativas, mas também fui aprendendo a paciência, e ainda estou a aprender. Hoje as relações com as autoridades são diferentes e eu também me sinto mais livre e mais aceite. Para um suíço, não é nada fácil mover-se num contexto monárquico.

Paciência em relação a quê?
Há mil dificuldades, mas alguma coisa conseguimos fazer: nos últimos dez anos construímos ou reabrimos sete igrejas. Aqui nos Emirados Árabes inauguramos duas novas escolas e o emir de Ras al-Khaimah doou-nos um grande terreno para construir outra. É um gesto que, no início do meu mandato, não imaginaria que fosse possível.

Escolas para quem? Para os filhos dos emigrantes?
No papel são abertas a todos, mas a maior parte servem para os filhos dos cristãos. Mas não só: vêm muçulmanos, budistas e hinduístas. Nas escolas de Dubai e Fujairah estão matriculadas diversas crianças filhas de cidadãos do emirado.

Qual a impressão que se tem, do ponto de vista de Abu Dabi, das dificuldades que se vivem na Europa na relação com o mundo muçulmano?
Fico impressionado com a atmosfera de medo que se está a criar. Mas o clima – que os partidos de direita e extrema direita ajudam a alimentar – parece-me injustificado. Foram feitos progressos no plano da integração, sobretudo em Itália. Os problemas existem, foram cometidos muitos erros é verdade, mas criou-se uma atmosfera de suspeita que vê um terrorista por trás de cada muçulmano. Eu vejo progressos, sobretudo em Itália. Seria necessária mais coragem para se relacionar com essas pessoas e conhecer melhor o seu mundo.

O que significou para si a tragédia de Aden?
Foi um golpe muito duro. Eu estava na Suíça e tive que providenciar o socorro à freira que sobreviveu. Até hoje não sabemos exatamente quem são os responsáveis. Sabemos de um grupo radicalizado que está ligado a um imã da mesquita próxima de um lugar onde estavam as freiras. Eu sabia que era arriscado para elas ficar ali, mas nunca esperaria um ato criminoso como aquele.

São mártires?
Sim, elas deram o testemunho próprio dos mártires da fé. Uma fé que, espero, trará frutos no futuro. Mas não nos esqueçamos das outras doze pessoas assassinadas no atentado, das quais apenas uma era cristã: as outras eram muçulmanas que colaboravam com a obra de caridade. Sinto-me corresponsável por um drama que poderia ter sido evitado. Por outro lado, estou convencido de que a presença delas, o testemunho delas, era importante num país destruído por uma guerra que é civil, mas causada por intervenções externas.

A única sobrevivente é a irmã Sally. Encontrou-se com ela?
Ela disse-me que está pronta para voltar a Aden e sonha com o dia em que poderá fazê-lo. Ela é substancialmente a única testemunha do que aconteceu. Há algumas semanas atrás, em Amã, na Jordânia, celebrei uma missa em memória dessas irmãs, junto com as suas coirmãs. Uma dezena delas conheci-as porque no passado estiveram no Iémen. Algumas delas trabalham noutros lugares, outras esperam poder retornar a Aden.

E o padre Thomas?
Rezo ao Senhor para que nos dê a graça de trazê-lo para casa são e salvo. Rezo por ele todos os dias e convido todos a fazê-lo, mas não faço declarações sobre esse fato para não enviar sinais errados aos que o mantém prisioneiro.