TENHO SEDE DE TI
No dia 4 de setembro, MADRE TERESA DE CALCUTÁ foi proclamada santa. Percorremos a sua vida, a imponência dos frutos e a intimidade da sua fé. Até nos momentos de escuridão. «Estou mais certa deste chamamento do que do facto de estar viva»Dez de setembro de 1946. A Irmã Teresa está no comboio que sobe a montanha rumo a Darjeeling, no sopé dos Himalaias. Está a caminho do retiro anual das Irmãs de Loreto. Tem 36 anos. Está feliz. A sua vida é plena. Das alunas do Colégio onde leciona, em Calcutá, às suas irmãs, todos lhe querem bem. Depois, de repente, aquela voz dentro do seu coração, mas ao mesmo tempo fora dela, que lhe diz: «Tenho sede de ti, do teu amor».
É a voz de Jesus, não tem dúvidas. Naquele comboio, Cristo pede-lhe para deixar tudo, até a sua ordem, para servir os mais pobres dentre os pobres, para levá-Lo para dentro deles, nos “buracos” obscuros da existência humana mais degradada. Naquele dia nasceram as Missionárias da Caridade, a ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá, que no dia 4 de setembro foi elevada aos altares.
Durante aquele encontro místico, aquele Jesus, por quem deixara há 18 anos Skopje, na Macedónia, onde vivia com a família, ingressando como missionária na ordem das Irmãs de Loreto (primeiro na Irlanda e depois na Índia), faz-se presença viva. «Foi um chamamento no chamamento. A Madre chamou-lhe “o dia da inspiração”», explica o padre Brian Kolodiejchuk, postulador da causa de canonização e sacerdote dos padres Missionários da Caridade, um dos ramos masculinos fundado em 1984 por Madre Teresa no seio da Ordem. Com ele, que foi um dos relatores do encontro sobre Madre Teresa no passado Meeting de Rimini, percorremos novamente a vida, mas sobretudo a profundeza espiritual desta Santa dos nossos dias.
Durante os seis meses seguintes àquela data, os diálogos entre o “Esposo” e Teresa prosseguem também através de uma série de visões interiores. Jesus revela-lhe como saciar a Sua sede: dar vida a uma ordem para levá-Lo, para anunciar o Seu amor entre os doentes, as crianças de rua, os moribundos, entre os mais pobres dos pobres. Só para isto. E acrescenta que tudo isso para ela comportará sacrifícios, fadigas e sofrimentos. Teresa está segura de que é Jesus a falar. Anos depois dirá a propósito: «Estou mais certa desse chamamento do que do facto de estar viva», mas tem medo de não conseguir, de não estar à altura. E a Voz, como ela lhe chamará a posteriori, pergunta-lhe: «Recusarás?». «Em 1942, com a permissão do seu confessor, fizera um voto privado: dar a Deus qualquer coisa que Ele lhe pedisse, não recusar-Lhe nada», explica o padre Brian. E agora Ele, amando-a, estava a pedir-lhe tudo.
Daquelas experiências místicas Madre Teresa fala apenas com o seu director espiritual, o jesuíta padre Celeste Van Exem, e depois com o Arcebispo de Calcutá, Dom Ferdinand Périer. «Só depois da sua morte, por ocasião da recolha dos documentos para a causa de beatificação, as conversas com Jesus vieram à luz. Isto porque ela não queria chamar a atenção sobre si. Queria que no centro estivesse Cristo: era Sua a obra, ela fora “um lápis nas Suas mãos”».
Aos dois prelados a Irmã Teresa pede autorização para começar a sua missão, deixando a ordem de Loreto. Firme na decisão, está também pronta à total obediência. Reza, e com tenacidade, através de cartas e colóquios, continua a pedir. Em 1948 chega a autorização da Santa Sé. O Arcebispo de Calcutá tinha-lhe escrito: «Estou profundamente convencido de que se não desse o meu consentimento estaria a criar em si um obstáculo à realização da vontade de Deus».
Cinco dedos. Em dezembro daquele mesmo ano, vestindo um sarí branco bordado de azul, com cinco rupias no bolso e o rosário nas mãos, inicia o seu trabalho nas favelas de Calcutá. Em pouco tempo, algumas jovens, entre as quais suas ex-alunas, seguem-na. O plano de Deus começa a realizar-se. No dia 7 de outubro de 1950 nasce a Congregação das Missionárias da Caridade. Às irmãs, que pouco a pouco se juntam, repete que para estarem com os pobres devem recordar as cinco palavras de Jesus: «You did it to me» (fizeste-lo a mim), e mostrando a mão diz: «Uma palavra por cada dedo». Só isto.
Mas os “buracos negros” não estão só em Calcutá. Em pouco tempo, a obra de Madre Teresa sai dos confins indianos e abraça o mundo. Entre os doentes de Sida em Nova York, os mendigos de Roma, os pobres da África e da América do Sul, os órfãos das guerras no Médio Oriente, abre casas inclusive nos países ainda sob a ditadura comunista. Os poderosos da terra inclinam-se diante desta pequena freira de pele enrugada, até ao ponto de lhe conferirem, em 1979, o Prémio Nobel da Paz.
Quando morre, no dia 5 de setembro de 1997, tinha aberto 594 casas em cento e vinte países. «Cada fundação é de cada vez um outro 10 de setembro, porque é obra Sua», tinha dito.
Aqueles seis meses. Mas a Voz tinha-lhe falado de sacrifício, de sofrimento, de fadiga. E não apenas materiais; a esses a Providência respondeu sempre. É qualquer coisa de mais profundo, da sua relação com Cristo. É a escuridão de que se falou depois da sua morte, quando foram publicados os seus escritos, onde descreve a aridez espiritual que tinha experimentado. Explica o padre Brian: «Desde o dia da inspiração, durante seis meses, ela vive um período de união com Jesus fortíssimo. Depois, o deserto. Durante cinquenta anos, com exceção de um breve parêntesis em 1958, Ele, o seu primeiro e único Amor, não lhe fala mais. Madre Teresa não se sente mais amada, sente-se rejeitada, abandonada por Deus, e chega até a experimentar a tentação da dúvida. Mas sente simultaneamente também um desejo fortíssimo de Deus. E não compreende a razão deste sofrimento. Não compreende de imediato que Deus lhe está a pedir mais». Mais do que já estava a fazer? «Sim. Ela fora tocada pela invocação de Jesus “Tenho sede”, que para ela queria dizer “Tenho sede de amor e de almas”. É o paradoxo do Deus cristão que tem necessidade do amor dos homens, que se encarna para encontrá-los e salvá-los e em troca recebe a cruz. Madre Teresa saciava esta sede de Jesus amando-O e servindo-O nos semblantes desfigurados dos mais pobres. Amando-os, amava-O». E não bastava? «Não. Nós estamos habituados a pensar nos sofrimentos físicos de Jesus, não nos espirituais, no seu sentir-se abandonado, rejeitado, no medo do que tinha de enfrentar. Suou sangue e gritou: “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Graças também à ajuda do confessor, Madre Teresa compreende que Jesus lhe pede para compartilhar o Seu sofrimento espiritual no horto do Getsémani e na cruz». É este o significado da escuridão? «Tal como tantos Santos receberam na sua carne os sinais da Paixão, do mesmo modo Madre Teresa recebeu na sua alma o sofrimento espiritual de Jesus. E quando o compreendeu escreveu: “Cheguei ao ponto de amar a escuridão porque creio, agora, que ela é uma parte, uma pequeníssima parte da escuridão e da dor de Jesus sobre a Terra. Hoje experimentei verdadeiramente uma alegria profunda: Jesus, que não pode mais passar pela Sua agonia, quer fazê-lo em mim. Mais do que nunca, abandono-me a Ele. Sim, mais do que nunca estarei à Sua disposição”».
Épocas e Santos. Era a primeira, até quando fisicamente pôde, a entrar na capela às quatro e quarenta da manhã. A oração, às vezes quase “mecânica”, a adoração e a Eucaristia são a sua âncora, o que a mantém ligada a Deus e lhe permite viver de um modo alegre, não obstante o tormento interior. E depois há o sofrimento dos pobres. «Tenho sede de ti e de almas», tinha dito a Voz. «Isto para ela significava consumir-se pela salvação e santificação dos mais pobres dentre os pobres. E nisto experimentou uma escuridão que eu diria “apostólica”. Não existe apenas a pobreza material. A Santa de Calcutá nota no mundo ocidental uma pobreza espiritual. Isto é, o não sentir-se amado, querido, desejado. É uma escuridão existencial. Este é o novo “buraco” negro. Na escuridão Madre Teresa experimenta este vazio. E pode compartilhar com Jesus este sofrimento profundo». Diz-se que para cada época Deus dá os seus santos. «Talvez seja melhor dizer que os santos experimentam a dor de Deus na época em que vivem. Carregam-na por nós. É a experiência dos místicos».
Notas cronológicas:
A VIDA
1910. No dia 26 de agosto Agnes Gonxha, a futura Madre Teresa, nasce em Skopje, Macedónia.
1922. No dia 15 de agosto, enquanto reza no santuário de Letnica, no Kosovo, Agnes percebe pela primeira vez o chamamento do Senhor.
1928. Entra como postulante na ordem das Irmãs de Loreto, na casa-mãe da Congregação, em Rathfarnham, Irlanda.
1929. No dia 6 de janeiro chega a Calcutá, de onde parte para o convento das Irmãs de Loreto em Darjeeling.
1931. Pronuncia os votos temporários.
1937. Votos definitivos: doravante será chamada de Madre Teresa, nome que escolheu em honra à santa de Lisieux.
1946. No dia 10 de setembro sente pela primeira vez a voz de Cristo que lhe revela o chamamento dentro do chamamento. Van Exem, o seu director espiritual, convida-a a pôr por escrito quanto lhe está a acontecer, de modo a poder comunicá-lo ao arcebispo diocesano, Ferdinand Périer.
1948. No dia 7 de fevereiro envia a carta na qual pede oficialmente à Santa Sé autorização para poder sair da Congregação de Loreto para dar vida às Missionárias da Caridade. A autorização chega no final de julho. No dia 26 de agosto Madre Teresa parte da Loreto House e dirige-se de comboio a Patna, para junto das Irmãs da Missão Médica, para adquirir um pouco de experiência como enfermeira. No dia 27 de dezembro vai para Motijhil, onde aluga duas divisões para abrir uma sala de aula e um dispensário.
1949. No dia 24 de janeiro inaugura a escola no bairro de Tiljala, poucos dias depois abre o dispensário da paróquia de Santa Teresa. No dia 19 de março junta-se-lhe uma sua aluna do colégio das Irmãs de Loreto em Calcutá, que se torna a primeira discípula, com o nome de irmã Agnes.
1950. No 1º de junho a comunidade alcança o número de doze, necessário para o reconhecimento diocesano.
1952. No dia 22 de agosto é inaugurada a casa dos moribundos em Kalighat.
1955. No dia 24 de novembro abre a casa das crianças.
1959. No dia 14 de janeiro é inaugurado o centro para leprosos, 35 quilómetros a norte de Calcutá. No dia 15 de junho é inaugurada a casa da congregação na capital, Déli.
1965. No 1º de fevereiro Paulo VI assina o reconhecimento pontifício da Congregação. No dia 26 de julho é aberta a primeira comunidade no estrangeiro, na Venezuela.
1971. Em outubro é inaugurada em Nova York a primeira comunidade da América do Norte.
1979. No dia 10 de dezembro é distinguida em Oslo com o Prémio Nobel da Paz.
1985. No dia 20 de janeiro vai pela primeira vez à China, onde porém não conseguirá abrir a desejada comunidade. No dia 26 de outubro discursa perante a Assembleia geral das Nações Unidas. No dia 24 de dezembro é aberta em Nova York a primeira casa para os doentes de Sida.
1986. Em fevereiro, João Paulo II realiza uma visita pastoral à Índia e encontra-se com Madre Teresa na casa dos moribundos de Kalighat.
1989. No dia 5 de setembro é hospitalizada e os médicos diagnosticam-lhe uma insuficiência cardíaca aguda.
1991. Numa clínica na Califórnia, é submetida a uma angioplastia.
1992. Em julho recebe o prémio da Unesco da Educação para a paz.
1994. No dia 3 de fevereiro intervém em Washington no National Prayer Breakfast e, diante do presidente Clinton, fala com força contra o aborto.
1996. No hospital B.M. Birla Heart Centre de Calcutá, é submetida a uma outra angioplastia.
1997. No dia 5 de setembro, às 21h30, Madre Teresa morre em Calcutá. Os funerais têm lugar no dia 13 de setembro, com uma intensa participação popular.
2003. No dia 19 de outubro João Paulo II proclama-a beata.
2016. No dia 4 de setembro é proclamada santa pelo Papa Francisco.
A ORDEM
As irmãs de Madre Teresa hoje são 5.150, entre missionárias e contemplativas, e estão presentes em 139 países. Na Ordem existe também um ramo masculino: 391 irmãos missionários, 48 contemplativos e 37 padres missionários, ou seja, os sacerdotes.