O ponto seguro de Anduela
Um ano especial. Depois, de repente, a tragédia. Mas ela descobriu-se a vivê-la «com uma letícia que contagia». E também os pais muçulmanos.Quando, em junho, Anduela Keqi, de 18 anos, viu as pautas com as notas, exultou: pela primeira vez, nem uma única reprovação. Para ela, era o coroar de um ano especial. A amizade com os jovens da Gs – que tinha encontrado no liceu há dois anos quando tinha vindo da Albânia para Génova – naquele último ano tinha-se tornado ainda mais intensa. Uma aventura da qual não pode prescindir. Em casa os pais de vez em quando refilam: estás sempre fora! Mas tinha valido a pena. Agora todos os projetos para o verão podiam ir em frente: as férias do CLU, o Meeting a que nunca tinha ido, a Equipe em setembro ...
Mas alguns dias depois ligam-lhe para o telemóvel: «Tens de vir para as urgências, o pai não está bem». Corre para o hospital e ali recebe a notícia: apesar do mar estar revolto, o pai tinha acompanhado um sobrinho, de visita em férias, a ir dar um mergulho. Uma onda atirou o rapaz para a costa e o homem para o alto mar. Quando o recuperaram estava quase morto. Agora, na reanimação, lutava entre a vida e a morte. Anduela nem acredita: o seu pai que tem medo do mar alto… Mas é um homem bom e para fazer feliz o sobrinho tinha feito a sua vontade.
Na sala de espera, cheia de familiares transtornados, Anduela está desorientada. A única coisa que consegue fazer é enviar mensagens aos amigos mais próximos: «Rezem pelo meu pai». Recorda: «A minha família é de tradição muçulmana, mas não somos praticantes. Eu comecei a rezar desde que estou na Gs. E naquele dia pensei que era a única coisa que podia fazer: rezava por ele e também por nós, para que o Senhor nos ajudasse». Pouco tempo depois, vê chegar, ao fundo do corredor, a sua melhor amiga, acompanhada pela Marina, a professora responsável pela Gs, juntamente com o marido. Dizem-lhe: «Estamos aqui contigo!».
Depois, à medida que o tempo passa, a sala, o patamar, as escadas do hospital, enchem-se de amigos: universitários, adultos, liceus. «Desde aquele momento nunca mais estive sozinha». De tal maneira que os enfermeiros e médicos ficaram intrigados com esta “estranha” família albanesa. E assim foi por dois dias, até à morte do pai por paragem cardíaca.
A dor é enorme, mas com aqueles amigos ao lado é-lhe claro que existe qualquer coisa de maior, que vence e faz viver. Assim naquela tarde telefonou à Marina: «Eu quero rezar um rosário com todos por ele. Vocês são o meu ponto seguro». No dia seguinte, a praça em frente à igreja dos Emilianos está a abarrotar. Anduela chega acompanhada por três primos. A mãe e o irmão mais novo ficaram em casa. Estavam lá todos: a Marina, o Padre Beppe com alguns amigos da Gs, vindos de propósito das férias, os jovens do CLU, as famílias. «Senti-me querida e esperada». Entre os seus parentes está também o primo do dia da tragédia, que aproximando-se do marido da Marina diz: «Nunca tinha visto pessoas que gostassem tanto umas das outras. E até hoje nunca tinha entrado numa igreja, mas nunca tinha visto uma coisa tão bonita. Filmei tudo, quero mostrar esta beleza na Albânia».
Poucos dias depois, Anduela com a mãe e o irmão mais novo chegam a Lezha, a uma hora de Tirana, para o funeral. É o início de um período difícil para a rapariga. À sua volta vê somente dor e pranto nas pessoas que enchem a casa. Recorda: «Havia tanta tristeza e eu pensava: “Mas o pai não era assim. Não pode ter deixado somente este desânimo. Não me basta”». Não se cansa de rezar, de pedir. De Itália, os amigos não a deixam sozinha: telefonam-lhe e mandam-lhe sms. «Não eram palavras vazias, mas qualquer coisa que me preenchia a vida dando uma certeza. Pensava nos últimos quatro anos e no que de bonito me tinha acontecido. Se aquele bem tinha um sentido, também aquilo que tinha acontecido tinha um sentido. De bem para mim. A dor permanecia, mas não o desespero». Grande parte do dia passou-o a cozinhar para a família e amigos que, como é tradição, vêm visitá-los. Um dia um amigo da família disse-lhe: «Não pensava que tu pudesses enfrentar a situação deste modo. Estás alegre.» É uma alegria que mesmo ela se esforça por compreender, mas que contagia.
De modo que uma noite a mãe estava na varanda e chama-a a ela e ao irmão: «Venham ver!». No horizonte um pôr-do-sol lindíssimo dava cor ao céu. Em Génova, na família gozavam um pouco com ela porque era ela que dizia «Olhem que belo céu! Olhem-me estas estrelas». E agora, por sua vez...
«Naquela noite a minha mãe estava contente. Tinha-se dado conta daquela beleza». E depois, quando Anduela lhe lê as mensagens italianas, a mãe comenta: «Quanta gente te quer bem!». Anduela pensa «Assim como te querem bem a ti».
À medida que os dias passam, uma palavra começa a aflorar timidamente nas conversas dos amigos e parentes: Deus. «Agora o pai é Seu. Se Deus o quis, tudo isto tem um sentido». Alguma coisa aconteceu. Uma noite Anduela telefona a Marina: «A nossa família não é religiosa, ninguém vai à mesquita. Mas a certa altura vi o desejo de afirmar qualquer coisa que fosse para além da morte».
Um mês e meio depois, a família volta para Itália. A vida recomeça, os amigos discretamente não a deixam sozinha. Para Anduela nada é como antes. «É mais».