DO MUNDO

Três ideias sobre a família
Roberto Fontolan

Família/1 Ainda há tempo para amar?

«Parece que nunca estou à altura dos deveres que tenho pela frente. Queria passar mais tempo com o meu filho e não consigo, devia fazer alguns trabalhos em casa e não consigo, gostava de estar mais com os meus amigos e não consigo». Sob pressão, cansada e constantemente a correr, como nas palavras da senhora californiana de 33 anos fotografada com o bebé ao colo preparando o jantar (o marido acaba de chegar com as compras): é o retrato da família americana segundo um inquérito do centro de investigação Pew, publicada com grande destaque pelo New York Times International. Para 56% dos pais que trabalham é dificílimo manter o equilíbrio do sistema de vida quotidiana. O problema que é sentido como mais grave é a certeza de estar a descurar os filhos, objecto de grande remorso e em vários casos de autêntica sensação de culpa. A par disto vem a falta de tempo para si próprio ou para o lazer, que atormenta 59% das mães e metade dos pais.
A sensação de que o tempo foge das mãos e de que há demasiadas obrigações a enfrentar afecta em especial, é óbvio, os casais empregados a tempo inteiro. Hoje em dia cerca de 60% das crianças vive com ambos os pais empregados pelo menos em part-time, contra os 40% de 1965. Os casais que mais sofrem com a insuficiência são os que têm níveis de instrução mais alto e nível profissional mais elevado.

O factor “competitividade e responsabilidade profissional” leva de facto estas pessoas a dedicarem tempo ao trabalho mesmo quando estão em casa. Muitas mães vêem-se a ter de conciliar horários e obrigações diárias convencidas de que nunca o vão conseguir. Além disso, 41% considera que ter filhos torna a carreira muito mais árdua. Contudo os maridos-pais desempenham muito mais tarefas do que no passado: triplicaram as horas que dedicam às crianças e mais de metade estão certos de que partilham em termos iguais os deveres familiares (mas 4 mulheres em 10 não estão de acordo).
Tudo isto desmotiva de constituir família? Dir-se-ia que sim. Os jovens urbanos usam o pouco tempo que sobra depois do estudo e do trabalho, ambos stressantes e competitivos, em encontros fortuitos e “sem compromisso”. As apps de “namoro” estão no top (dezenas de milhões de utentes) como refere um inquérito da Vanity Fair.
Tudo, mas mesmo tudo, está à distância dum clique no touchscreen: «é como fazer compras online, só que estás a encomendar uma pessoa»; e nem se tem de pagar. Falar de amor não faz sentido, mas não apenas na América: «Encaremos a realidade: se não fosse o São Valentim e a indústria dos casamentos já teríamos deixado para trás todo o romantismo. As pessoas não têm tempo, a carreira tem prioridade sobre as relações, e a ideia duma relação única com a alma gémea é uma impossibilidade estatística», comenta um jornalista do britânico The Guardian.


Família/2 Nobel, China e filhos únicos
O celebérrimo premio Nobel indiano Amartya Sen analisa a política familiar chinesa na sequência da recente clamorosa abolição da “politica do filho único“. Sen desmente a tese «superficial» que atribui àquela política a quebra dos nascimentos, que na realidade se verificou na década anterior a 1968-1978: de 5,87 filhos por mulher a 2,89 (hoje a taxa é de 1,67). Agora porém, terminada aquela política, que teve como um de vários efeitos uma verdadeira hecatombe de fetos femininos (sacrificados relativamente aos masculinos) é preciso devolver espaço à racionalidade e à responsabilidade para «debelar esta predilecção arbitrária e desumana». Na Coreia conseguiram, sugere o Nobel, graças à liberdade de discussão e à acção pública.


Família/3 Quando se ajuda,Deus retribui
Nas remotas províncias da Nigéria, devastadas pelos esbirros do Boko Haram e abandonadas à anarquia, as famílias estão a oferecer pequenos lugares de humanidade e renascimento. O Financial Times conta as vicissitudes dalguns grupos familiares obrigados a deixar as aldeias para se refugiarem na cidade. Privados de trabalho, alimentos e alojamento, no deserto de qualquer presença pública, pais e mães (muitas vezes são famílias muçulmanas poligâmicas) desenvencilharam-se sozinhos: criaram pequenas comunidades ligando-se a outros, alargando as famílias a crianças órfãs e a viúvas, fazendo dispensários farmacêuticos, mini-escolas e micro-actividades comerciais. Diz Bilal, um dos chefes de família: «Estou a ajudar seres humanos como eu. E quando se ajuda alguém, Deus sempre paga retribuindo muito mais do que demos».