DO MUNDO

Muitas vezes perguntamo-nos que mundo iremos deixar aos nossos filhos. É também caso para nos perguntarmos que filhos iremos deixar ao nosso mundo.
Roberto Fontolan

Infância/1. Duas palavras imutáveis
Mamma e papà. Mãe e pai. Mom e dad. Umama e ubaba. Amma e tatta. Me e cha. Mama e paa. Do italiano ao chinês, ao português, suaíli, zulu, cingalês, russo, inglês: os estudos linguísticos, que nem têm de ser muito profundos, mostram que em todas as línguas do mundo o homem e a mulher que são pais duma criança são chamados do mesmo modo. Duas sílabas muito semelhantes, em vários casos idênticos, em todas as latitudes, aquém e além da linha do equador. Turco? Anne e baba. Hindi? Maa e pipà. Esquimó? Anana e atata. Samoano? Mama e tama.
Em resumo, aquilo que a cultura contemporânea quer ocultar é, afinal, posto em evidência pela expressão nativa, imediata, “natural”. Todas as crianças do mundo crescem assim, falam assim, reconhecem assim as duas pessoas que normalmente estão junto dela desde o momento em que nascem. Duas pessoas distintas, mulher e homem, interceptadas e chamadas com os primeiros balbucios “cognitivos” e designadas de modo distinto. «Na realidade», escreve o antropólogo Marino Niola numa página do Repubblica, «as primeiras palavras pronunciadas pelos recém-nascidos de todo o mundo são as únicas excepções à confusa babel das línguas. Ainda que não se trate propriamente de palavras mas de sons».
Na discussão acalorada sobre família, infância, direitos, confiar na observação ajudaria a desobstruir o campo de tantos equívocos e ideologismos. O texto não se debruça sobre estes aspectos, mas a mente do leitor não pode não estabelecer as ligações. O que acontece no plano biológico é explicado assim: «Estamos mais ou menos no quinto mês de vida quando os recém-nascidos começam a palrar como passarinhos. São esses sons repetidos, mais cantados do que falados, que assinalam a estreia da criança no palco da linguagem. Quando sobe o pano da vida sobre aquele instante decisivo em que o mundo inteiro está suspenso na ponta da língua». Nesse momento começa o jogo das expressões vocais e da familiarização com os rostos mais próximos. O jogo torna-se memória, a criança cria os “perfis” de quem vê incessantemente e sente como presença amorosa. E emite sinais de prazer com os instrumentos mais imediatos que tem à disposição: vogais e consoantes. Os “a” são os mais fáceis, basta abrir a boca; e quando a fecha o “m” surge espontaneamente. Depois, com um sopro entre os lábios, a criança emite as labiais “p”, “b”, “t”. O jogo prossegue e abre-se aos pais. O pequeno trina e vocaliza, os pais confirmam e sorriem. O jogo da reciprocidade. Lacan, recorda Niola, dizia que a linguagem «antes de significar alguma coisa, significa para alguém».
Assim nasce o par de sons mais repetido no mundo e provavelmente na vida de todas as crianças. Passada aquela fase da vida, as línguas enveredam pelos caminhos da diferença e não mais se voltarão a cruzar, dando lugar a um filão multivariado e riquíssimo, quase inesgotável. Mas aquelas duas palavras não. Permanecem iguais e imutáveis, pepitas de ouro facilmente reconhecíveis no fundo de todos os rios. Porquê?

Infância/2. Educação de Nobel
Têm sido muito discutidos os trabalhos de James Heckman, Prémio Nobel da Economia, sobre as soft skills, que deveriam ser o principal objectivo da educação primária. Em substância, seria necessário privilegiar a formação dum sujeito humano capaz de socialidade, flexibilidade, abertura, personalidade. No New York Times, David Deming (Harvard) liga as descobertas de Heckman à análise da ocupação na era das tecnologias. Os empregos que exigem aquelas aptidões aumentaram 24% em 30 anos, enquanto os outros declinam. O que isto tem a ver com as crianças? Voltando a Heckman: tudo o que acontece no tempo da primeiríssima educação é decisivo para toda a vida.

Infância/3. Que filhos iremos deixar?
Muitas vezes perguntamo-nos que mundo iremos deixar aos nossos filhos. É também caso para nos perguntarmos que filhos iremos deixar ao nosso mundo. No México, um jornalista dedicou artigos e livros ao incrível fenómeno de 30 mil crianças “cúmplices” dos narco-gangues e a 150 mil pequenos desaparecidos. Em Pequim, conta o Economist, há quem se comece a preocupar com os 70 milhões (leram bem: setenta milhões) de crianças abandonadas (ou, na melhor das hipóteses, entregues aos avós) pelos pais, que emigram para as megalópoles para trabalhar. Estas crianças permanecem analfabetas ou abandonam a escola, estando expostas a depressões e suicídio. Em qualquer caso, trata-se de gerações perdidas.