Sem cristãos não existe Iraque

Escritor muçulmano, Younis Tawfik explica por que é que este êxodo é um «golpe fatal» para a identidade de todo o Médio Oriente
Giorgio Paolucci

«Nasci à sombra dum campanário. Estranho para um muçulmano, não é verdade? Mas não foi por opção minha, nem dos meus pais, também eles nascidos naquele velho bairro no coração de Mossul, a antiga Nínive». Younis Tawfik, intelectual de origem iraquiana, chegou a Itália em 1979 fugindo do regime de Saddam Hussein, depois de passar a sua juventude na “capital” do norte do país. O campanário de que fala é o da igreja latina construída em 1873 pelos dominicanos; o bairro era o mais multiconfessional da cidade, centro da actividade comercial. No café da praça encontravam-se jovens e velhos, estudantes, intelectuais, e artistas, gente que em grande parte tinha nomes de profetas citados na Bíblia ou no Corão. «Vivia-se lado a lado, estudava-se lado a lado, todos filhos duma única nação, todos iraquianos. E hoje, vendo a calamidade que lá se vive, choro pensando estão a eliminar a alma do meu país. Em nome duma concepção malsã do Islão, os jihadistas destruíram igrejas, conventos, mesquitas, museus. Arrepia-me pensar que a igreja dos dominicanos, depois de sofrer atentados e devastações, se converteu na sede do tribunal islâmico instituído pelo ISIS, onde, em nome da sharia, cortam as mãos aos ladrões. Está a morrer a civilização no vale de Nínive, o vale da civilização».

Bandeiras negras. Tawfik é escritor e poeta, que se dedica sobretudo à divulgação da literatura árabe. Publicou muitos livros, entre os quais La straniera (Bompiani), foi membro da Consulta para o Islão em Itália instituída em 2005 pelo então ministro Beppe Pisanu, vive em Turim, onde fundou o centro cultural italo-árabe Dar al-Hikma. Nunca cortou o cordão umbilical com a sua terra. E no Verão passado, quando as bandeiras negras do ISIS entraram em Mossul e cinco mil famílias tiveram de abandonar as suas casas, o coração dele estava cheio de amargura. «Obrigaram-nos a escolher entre a conversão ao Islão, o pagamento da jizia e o abandono de todos os seus bens. Foi um êxodo em massa, agora estão espalhados pelo Curdistão, junto de muitos outros iraquianos vítimas daquela barbárie. Mas os cristãos de Mossul têm mais direito do que nós, muçulmanos, a ficar naqueles territórios, que ocupavam antes da conquista islâmica, e nós temos o dever de os fazer regressar. É como se tivessem expulsado os donos da casa da sua habitação. Mas o que é um Médio Oriente sem cristãos? É uma contradição dos termos, a perda da alteridade seria um golpe fatal à nossa identidade iraquiana, que cresceu à sombra da grande árvore da convivência».

Fé e Razão. Será possível evitar que esta árvore seja cortada? Tawfik está convencido de que a razão acabará por dominar sobre o fanatismo, e recorda um encontro que marcou a sua vida. Em 12 de Setembro de 2006, no seu discurso na Universidade de Ratisbona, Bento XVI atribuiu à distorção da relação entre fé e razão a causa de tantas dificuldades com que o mundo islâmico se continua a debater: «Não agir segundo a razão é agir contra a natureza de Deus». Poucos dias depois, Tawfik é recebido pelo Papa em Castelgandolfo com os membros da Consulta para o Islão em Itália. «No final do encontro avancei para o cumprimentar e disse-lhe: “Obrigado por nos ter recordado Averróis e a sua corajosa luta para reconciliar fé e razão”. Ele fitou-me nos olhos e, com um sorriso, disse-me: “Então diga isso aos seus!”. Precisamos de gente que nos recorde isto, se quisermos que o Iraque e o Médio Oriente não atraiçoem a sua vocação. E eu peço a Deus que Nínive torne a ser o vale da convivência».