SÃO OS NOSSOS MÁRTIRES

«Sofrem. Dão a vida. E nós recebemos a bênção de Deus pelo testemunho deles». O Papa pede ao mundo que não desvie os olhos face aos cristãos perseguidos. Rostos e histórias duma tragédia que não atinge apenas os crentes. E exige tudo de nós
Davide Perillo

Há um mapa que conhecemos há tempo: Mossul, Alepo, os coptas do Egipto, os membros que o Califato está a arrancar ao corpo belíssimo e antigo do Médio Oriente. Mas há também a Nigéria devastada pelo Boko Haram. O Quénia ferido pelos Shabaab somalis. E a República Centro-Africana, o Paquistão, a Orissa indiana, a China... até àqueles refugiados lançados ao mar pelos companheiros, desesperados como eles, porque naquele barco à deriva entre a África e a Europa «só se reza a Alá». Mortos porque cristãos. Cada vez com mais frequência e cada vez mais.
A «Igreja dos mártires», de que o Papa Francisco está constantemente a falar, vai expandindo dia por dia as suas fronteiras. «São mais numerosos que nos primeiros séculos», recordava na Páscoa: «Eles sofrem, dão a vida e nós recebemos a bênção de Deus pelo testemunho deles». Até àquela denúncia, forte, que interpela o mundo: «Espero que a Comunidade Internacional não assista muda e inerte perante um crime tão inaceitável, que constitui uma preocupante deriva dos direitos humanos mais elementares».

ETNIA«SUI GENERIS». Nesta «terceira guerra mundial por partes», em que o ódio ao humano enquanto tal, ao outro porque é outro, se traduz tantas vezes em violência contra as minorias e a liberdade religiosa, a perseguição aos nossos irmãos cristãos é cada vez mais dura. O que nos diz este facto? E o que nos pede a nós? Neste fascículo poderão ler alguns testemunhos de cristãos perseguidos. Impressionam pelo sofrimento, a dor atroz que têm de suportar. Mas também – e sobretudo – pela sua serenidade. Não se encontra quase nunca um desejo de vingança. De se defenderem, sim. De regressar às suas casas de onde têm de fugir, de recuperar o direito a uma vida normal, também. Mas desforra, represálias, ódio, não. Só perdão. E a necessidade de viver ainda mais a fé.
Esta exigência é um valor para todos. Porque nesta «entidade étnica sui generis», como a definiu Paulo VI, nesta minoria perseguida não por vínculos de sangue ou de território, mas porque ama Cristo, e com Cristo os irmãos homens, há qualquer coisa de universal, que permite ser construtivo em toda a parte, de recomeçar sempre. Por isso, salvar os cristãos é defender o mundo.

OS PASSOS. A Igreja está a mobilizar-se como pode. Com iniciativas diplomáticas sempre mais decididas, que finalmente vão encontrando alguma atenção apoio. Em Março, o Conselho dos Direitos Humanos aprovou uma declaração conjunta sobre a «defesa dos direitos humanos dos cristãos e das outras comunidades»: é a primeira vez que se fala disto de maneira tão explícita num âmbito deste género, nota Mons. Silvano Maria Tomasi, observador da Santa Sé junto das Nações Unidas, em Genebra. Sempre a par de outras comunidades, que o problema é vasto: mas já não se discute somente “minorias” genéricas. Uns dias mais tarde, a questão foi parar também ao Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, onde a presidência de turno francesa promoveu um apelo e convidou Mons. Louis Raphaël Sako, Patriarca Caldeu de Bagdade, a dar um testemunho.
Entretanto, o prelado Bernardito Auza, Observador Permanente do Vaticano no Palácio de Cristal, falou numa conferência da «terra asiática banhada em sangue» e dos «milhares de pessoas perseguidas e privadas dos seus direitos humanos fundamentais, discriminadas e mortas por serem crentes», acrescentando que se trata dum «fracasso colectivo desta organização internacional». A 25 de Abril foi a vez de Béchara Raï, Patriarca libanês, na UNESCO. Surgem apoios inesperados: a França ultra-laica, a Rússia... Em suma, alguma coisa vai movendo. Devagar, mas move-se. «Até agora o tema religioso sempre foi uma espécie de tabu para estas instituições», observa Tomasi: «Agora, talvez pelo que está a acontecer, é mais difícil não considerar este elemento». Bom sinal. E entretanto? Que mais podemos fazer nós, aqui?
A esta pergunta respondeu há tempos Mons. Amel Nona, Bispo de Mossul no exílio, surpreendendo todos: «Vivei com alegria a vossa fé. Temos necessidade de vos ver felizes». Um olhar redimido, de facto. Cheio de Jesus, e basta. Capaz de recentrar tudo no essencial e ao mesmo tempo de pôr tudo em movimento. É decisivo trazê-los nos olhos, no coração, lembrar-se deles. E recordá-los ao mundo, sempre.
É uma estrada que, de diferentes maneiras, nos exige uma coisa só: a nossa conversão.