Os Millennials e aquele estranho padre italiano

Preguiçosos, vaidosos e inconclusivos. É a geração USA da selfie, de quem nasceu após 1980. Alguns deles experimentaram, numa mostra, falar da sua experiência à luz do encontro com don Giussani. Eis o que descobriram
Mattia Ferraresi

A geração Millennials estica o braço, oferece à objectiva frontal o seu melhor perfil e admira o instantâneo: «Sou excepcional», diz a cara imortalizada na selfie, fotografia em que sujeito e objecto coincidem. A cultura popular tentou captar as características destes jovens, quase todos nascidos entre 1980 e 1993: preguiçosos, criativos, vaidosos, inconclusivos, impermeáveis às velhas ideologias, obcecados pelo brilho do próprio eu e, ao mesmo tempo, frágeis vítimas dos anseios mais díspares. Deles se tem dito alternadamente que é a nova lost generation, geração perdida, ou então a melhor; explicaram-nos que é formada por inquietos optimistas que pensam que os seus melhores dias ainda estão para vir, mas que a salvação não virá certamente das instituições, do governo, da carreira ou dos outros ídolos dos seus pais. De onde virá, então? A selfie, é um primeiro indício. Narcisista e superficial quanto baste, mas também sinal de excepcionalidade, cara irrepetível que merece ser retratada e partilhada. Também a selfie é uma «verdade enlouquecida», diria Chesterton.

A reviravolta. «I am exceptional», sou excepcional: é o título que um grupo de 75 jovens norte-americanos escolheu para a exposição que conta a “millennial experience”, que afinal é a experiência humana, com o seu desejo de realização, as suas exigências, as suas limitações, passada pelo crivo da sensibilidade particular desta geração que todos tentam catalogar sob uma qualquer etiqueta.
Quando no Verão passado José Medina, responsável de CL nos Estados Unidos, lançou a todos os millennials das comunidades a proposta de produzirem uma mostra para apresentar no New York Encounter, a ideia era ler don Giussani através do olhar de uma geração que não o conheceu.
Martina Saltamacchia, professora de História na Universidade de Omaha, Nebraska, e uma das autoras da mostra, explica que «para mim mudou tudo durante um dos primeiros encontros, quando tive a percepção de que não me interessava comunicar aos outros uma síntese do pensamento de Giussani: queria uma mostra sobre mim, sobre a minha experiência humana à luz do meu encontro com Giussani». Uma reviravolta vivida por muitos, do mesmo modo. Por fim também por quem orientava os trabalhos.
Assim, pouco a pouco o olhar transferiu-se, por assim dizer, da doutrina à vida, da sociologia à experiência. Não se tratava de pôr nos painéis um percurso teórico, mas de embater no carisma, de (re)encontrá-lo e deixar-se transformar.
Formaram-se seis grupos de trabalho para abordar os textos primeiro com espírito analítico. Houve os que se dedicaram ao aprofundamento o sentido religioso, à dinâmica da revelação de Cristo, à hipótese de uma presença que permanece, a Igreja, sempre com os olhos e o coração dedicados a interceptar a contemporaneidade daquelas palavras.

Um instrumento infalível. Foi assim que teve início uma aventura feita de leituras, grupos de trabalho, horas na estrada pela vastidão da América. Tudo para ficarem sempre mais familiarizados com a sua própria humanidade, não para remodelar conceitos de maneira a torná-los mais apelativos. A segunda fase do trabalho tomou mais a forma de uma Escola de Comunidade, num constante confronto dos textos com a experiência, diálogos que deram origem a uma série de testemunhos. «Apresentámos o percurso de Giussani, mas através da nossa vida», diz Carolina Brito, professora em Boston, frisando talvez o aspecto mais original da mostra: os que a criaram não são apenas guias do percurso, são parte do conteúdo da mostra. Cada visita guiada é implicitamente um relato pessoal.

A crise dos 25. Nos painéis há excertos de diálogos no mural do Facebook (onde é que havia de ser?) entre os jovens e Giussani, Tarkovski, Enzo Piccinini, Alicia Keys; o conto do patinho feio – convertido em metáfora de uma geração – entrecruza-se com editoriais de jovens opinion makers, há referências ao desejo de plenitude que se esconde na “quarter-life crisis”, a crise do primeiro quarto de século de vida (quando se chega aos 25 anos e se pergunta: e agora?), e à ideia de que existe no homem um instrumento infalível para julgar: o coração. E abre-nos à possibilidade vertiginosa de que a resposta ao coração que se predispõe se tenha feito encontro para o homem, a ponto de tornar-se uma companhia. Encontram-se João e André, a Madalena, um moderno Simão (a.k.a. Pedro) que tem o rosto liso de um mineiro com um cigarro na boca.
Basta olhar nos olhos estes jovens para intuir que nestes meses de trabalho sucedeu qualquer coisa de misterioso e inegável, o irromper de uma presença que muda a vida. Jonathan Ghaly, do Colorado, fala da incapacidade dos seus amigos «de separarem das suas vidas o conteúdo da mostra» e Beth Nelson, uma rapariga do Minnesota, diz que no fim de cada visita guiada chorava: «Pode parecer patético, mas era sinal de que eu estava numa “zona perigosa”, ou seja, que estava a verificar. Explicar a mostra é uma verificação da própria mostra». Uma experiência. Como propõe Giussani.