Dois dias, uma noite

Sandra é operária numa pequena empresa e corre o risco de perder o emprego. Ou melhor, já o perdeu...
Antonio Autieri

Tìtulo original: Deux Jours, Une Nuit
Realização: Luc Dardenne e Jean-Pierre Dardenne
Elenco: Marion Cotillard, Fabrizio Rongione, Pili Groyne, Simon Caudry, Catherine Salée, Olivier Gourmet


Sandra é operária numa pequena empresa e corre o risco de perder o emprego. Ou melhor, já o perdeu: a crise exige o corte duma “unidade produtiva” (mas os motivos económicos escondem a intenção de ver-se livres duma pessoa pouco produtiva, por causa de crises depressivas passadas). Uma decisão avalizada até pelo voto dos colegas, instigados por um superior e aliciados por um bónus de mil euros. Mas o “chefe” oferece a Sandra a possibilidade de repetir a votação da proposta aprovada: aceitar o despedimento duma delas a troco do famoso bónus. É preciso uma nova votação, desta vez secreta e livre. E é preciso convencer a maioria dos colegas: apesar da sua hesitação em falar-lhes abertamente, mas encorajada pelo marido e por uma amiga (e apoiada no amor pelos dois filhos), Sandra começa uma peregrinação no curto espaço – para ela interminável – de um angustiante fim de semana: casa a casa, encontro a encontro, procura uma abertura no coração de quem trabalha com ela. As respostas são as mais variadas: há quem aceita de bom grado e até a incita a seguir em frente, quem vacila, quem recusa violentamente, quem tem medo da reacção do cônjuge… Irá fazê-los enfrentar as suas consciências e convencê-los, mas sobretudo não ficar desfeita sob o peso da vergonha e da fragilidade?

Os irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne fizeram da adesão à realidade, incómoda e dura, a imagem de marca do seu cinema. Desde o primeiro e pequeno filme A promessa nos anos Noventa, seguido de Rosetta, O Filho, A Criança e O Silêncio de Lorna, até ao precedente O Rapaz da Bicicleta (todos premiados no festival de Cannes, duas vezes com a Palma de Ouro), os Dardenne escolheram os mais humildes como objecto das suas histórias, frequentemente centradas no trabalho (mas também nos sentimentos), despidas – sem quaisquer adornos, por vezes sem banda sonora sequer – mas impregnadas de compaixão. Herdeiros espirituais do grande mestre francês Robert Bresson, nos dois últimos filmes conservaram o rigor, temperando-o com um maior alento humano, que favorece o apreço por parte de um público mais alargado que o cinéfilo puro e duro, graças também a intérpretes populares. Neste filme, que mostra a grandeza e a mesquinhez da alma humana – a crise expõe o melhor e o pior das pessoas – Marion Cotillard adopta um visual muito humilde para interpretar uma personagem tocante e que não se esquece, numa história que nos mantém a respiração suspensa até ao fim (é claro que não vamos revelar como acaba a sua aventura mas, quem receia ficar a saber de mais antes de ter visto o filme, pode parar de ler aqui). Como não se esquece aquele marido (o actor belga de origem italiana Fabrizio Rongione, muitas vezes utilizado pelos Dardenne) que jamais abandona a mulher sempre à beira de desfalecer, está junto dela, anima-a a reconhecer o que tem (a união deles: que bonita a cena no carro em que a faz sorrir e cantar) e a incita a não desistir numa luta em que o que está em jogo não é só um posto de trabalho mas principalmente o respeito por si mesma. Quando está para fracassar, é a voz dele que a impede de render-se. Um filme potente (e com um final belíssimo), um dos melhores dos Dardenne, que confirma a sua sensibilidade e paixão por uma humanidade frágil mas orgulhosa, indefesa e verdadeira.

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