ITÁLIA: EM BUSCA DE UMA REFORMA

Matteo Renzi, mal chegou ao Governo, disse que a educação é uma prioridade para a retoma. Agora o Primeiro-Ministro italiano lança uma consulta online, pedindo sugestões, ideias e contributos. Que lhe irá aparecer sobre a mesa?
Paolo Perego

«Presente». De mão no ar responde-se à chamada da manhã, quando o professor diz o nome. «Estou aqui. Sou eu». Foi assim também que este ano recomeçou a escola italiana, com 8 milhões de «presente», ditos na primeira hora do primeiro dia, em milhares de turmas em toda a península. Com a chamada, ou melhor, com aquilo que não é senão um convite a ser protagonistas. «E nós precisamos dos instrumentos certos para ajudar os nossos jovens a serem-no», diz Michele Monopoli, director (o “reitor” de antigamente) do liceu clássico Carducci, em Milão. É a sua forma de responder “presente” à chamada de Matteo Renzi. «Mandem-me o vosso contributo, dêem-me uma ajuda», disse o Primeiro-Ministro italiano, ao apresentar o seu projecto de reforma “labuonascuola” [a boa escola, ndt]. Com altas aspirações: da contratação de 150 mil precários num ano a um novo enquadramento profissional dos professores e a uma maior integração no mundo do trabalho, passando por temas como “autonomia dos institutos” e “recrutamento de professores”. A ementa é extensa.


Desde a base.
Que, pela primeira vez em anos, a escola é uma prioridade declarada pelo Governo, é um facto. No seu primeiro discurso ao Parlamento, Renzi falou disto. E fê-lo outra vez na Festa da Unidade em Bolonha, no início de Setembro, para depois distribuir os seus ministros todos pelas escolas da Itália inteira no primeiro dia de aulas. Mas a novidade é a abertura de um canal também na outra direcção: a que parte da escola para a política. No documento há um pedido para colaborar mandando ideias, problemas, críticas. É uma consulta online, aberta a todos, até 15 de Novembro.
Assim, enquanto esperamos para ver o que irá chegar à mesa do Presidente do Conselho, fizemos um pequeno tour por quem dirige uma escola pública. Com uma pergunta: o que é que vai escrever? Questões a esclarecer não faltam. Muitos exprimem dúvidas sobre os horários apertados, sobre os recursos, para os quais se espera uma lei da estabilidade. Além disso, falta ainda um confronto político e com os parceiros sociais, além das modalidades de aplicação... O bastante para ser de esperar muitos e-mails problemáticos. Mas indo um pouco mais ao fundo descobre-se outras coisas.
«Algumas coisas já nós fazemos», diz, por exemplo, o director Monopoli: «O documento pode ser uma oportunidade para as valorizar». Exemplos? «Fala-se de uma maior autonomia: podendo gerir melhor alguns fundos escolares, como o fundo para a melhoria da oferta formativa, poderemos potenciar o estudo sobre didáctica que o nosso departamento de Latim e Grego já iniciou; ou o mérito: é justo premiar quem contribui para um enriquecimento comum, até fora das suas obrigações». Já o fizeram com o pessoal “não docente”. E funciona. «Também a alternância escola-trabalho nos interessa. Embora seja um clássico, experimentámos estágios em fundações ou empresas. Com bons resultados, quer nas competências comunicativas quer no crescimento pessoal dos jovens».
Passamos a outro campo, o da “relação com as empresas”. Décimo primeiro dos doze pontos-chave do documento de Renzi, não se resume às palavras “estágio de formação”. «Há colaborações com 140 formas de natureza variada, onde realmente os nossos jovens aprendem uma profissão no terreno», explica Francesco Antonio Malaspina, o director. Não só aprendem como «experimentam, usam a criatividade». Basta ver as licenças que, como escola, depositaram em diversas matérias. Aos pés do Vesúvio, também Filomena Zamboli, directora do liceu científico Pascal, em Pompeia – com 1.200 alunos para 120 professores – fala da sua “boa escola”. «Podemos ficar a carpir porque nada funciona, ou considerar os milagres que vemos», diz. Por exemplo, que a escola, embora desgastada, todos os anos recomece. E que o faça com os alunos que esperam e acolhem os miúdos novos no seu primeiro dia. «É um espectáculo. O milagre de uma comunidade educativa que se repete. Apesar de todos os problemas. Então pergunto-me: o que é que permite isto?»

Estaleiro.
É afinal a imagem de uma escola já em caminho. «Rebentos» para Angelo Lucio Rossi, chamado a dirigir dois centros educativos infantil-básico-3ºciclo, 1.800 crianças no total. Bairros populares difíceis, com elevada percentagem de estrangeiros, pobres em dinheiro e ricos em degradação, «onde basta um nada para tornar-se um marginal». Renzi? «Eu vou contar-lhe o que fazemos. As nossas histórias». As de Mario e de Giovanni, «porque nos interessamos por cada um. Que problema tem o Mario?» Só a partir daqui, conta, se podia dar vida àquilo que chama um “estaleiro educativo” capaz de fazer florescer o ambiente em redor. «A relação com o bairro, as comissões de pais para reparar as carências estruturais dos edifícios, a “escola aberta” a todos e fora do horário, o ATL com velhos professores universitários, ou com jovens da mesma idade, como os três alunos do secundário que vieram durante o ano inteiro para dar explicações aos meus miúdos». E ainda o projecto das hortas, cultivadas pelos avós nos jardins dos muitos complexos espalhados pela zona, a venda do jornal da escola nos quiosques, os ginásios abertos aos idosos, as bibliotecas de bairro, a orquestra das crianças. Está aí, no terreno, naquilo que acontece, o ponto de retoma. Outro exemplo? Na escola Leonardo da Vinci, em Monteiasi-Montemesola (Taranto), a directora Enrica Saracino já começou a trabalhar com os colegas para “labuonascuola”: «Gostamos da avaliação nacional de professores, sobretudo quando, como nós fazemos, se oferecem unidades de aprendizagem transversais, que vão abranger várias matérias. Escolher um professor olhando para o currículo é mais útil para o objectivo». A avaliação da escola? «Pode ser um bom terreno de confronto, ainda que não todos, estou a pensar no ponto do documento sobre a abertura ao fundraising, podem recorrer a recursos externos. Nós, por exemplo, na região rural da Apúlia, não temos as mesmas oportunidades de uma escola de cidade no Norte de Itália». Com um nota bene: «A educação não é só a aula presencial». Sobretudo num período de crise como este, «a escola torna-se um ponto de referência para as famílias, terminal de problemas que, em todo o caso, fazem parte da vida daqueles que educamos». Nascem relações com firmas ou instituições e gabinetes de atendimento para os pais. «O que é que tem a ver com o nosso papel? Eu quero alunos com um sorriso. Não somos prestadores de serviços mas uma comunidade que participa na vida da sociedade num território»

Banco de ensaios. Mil quilómetros mais a norte, em Milão, a directora Luisa Francesca Amantia, à frente do liceu científico Leonardo da Vinci desde há poucos dias, manifesta a mesma preocupação: «Não basta ter competência na matéria para ensinar: quando se educa um jovem, temos diante de nós alguém que não está desligado da realidade em que vive. A pedagogia não é secundária, nem a experiência que nasce do treino no terreno, eventualmente em vários sítios diferentes». O banco de ensaio são os jovens, «aos quais devemos, sim, fornecer as competências que o mundo exige, mas não só. Eu gostava que se fizesse um pouco mais de Filosofia. Temos de ajudar estes jovens a abrir a mente, a reconquistar uma humanidade que se tem vindo a perder»
Não há preconceitos políticos ou ideais: o pensamento generalizado é que “labuonascuola” é uma oportunidade a aproveitar. Ideias não faltam. O director Monopoli, por exemplo, sublinha o tema das competências e da avaliação: «O que é que uma nota nos diz do que um miúdo aprendeu? E bastarão os exames nacionais? Um 8 numa escola equivale a um 8 noutra? Certificar as competências segundo outros critérios, a especificar escrupulosamente, seria um bom passo»

Quanto é vinte mil euros?
Mesma cena em Pompei, com a professora Zamboli: «As alterações ao corpo docente permitiriam usar os recursos de maneira mais útil para os estudantes. No ano passado gastámos 52 mil euros em substituições. Quantas iniciativas e projectos poderíamos concretizar com esse dinheiro?» E de novo Malaspina: «É preciso flexibilidade e que se concretize a autonomia, absolutamente necessária, desvinculada de burocracias que fazem perder tempo. Não ter de fazer um concurso público europeu para uma máquina de sanduíches para a escola. O sistema escolar é um instrumento que deve servir o objectivo educativo que desenvolvemos diariamente». É preciso dar água aos rebentos que já existem. «O “buonascuola” é um bom projecto», diz ainda Rossi: «Não é apenas uma questão de fundos. Vinte mil euros é pouco quando não se tem um projecto, pode ser muito quando se sabe o que se quer fazer. Mas se regamos onde não se semeou nunca vai nascer nada».