UMA SÓ PÁSCOA

Este ano, católicos, ortodoxos e judeus festejam a Páscoa no mesmo dia. Esperando a chegada do Papa Francisco e de Bartolomeu I, PIERBATTISTA PIZZABALLA, guardião da Terra Santa, olha para esta coincidência do «complicado labirinto» de Jerusalém
Martino Cervo

O ano de 2014 tem dois Papas e três Páscoas (quase) coincidentes. Este ano, a maior festa cristã coincide com a ortodoxa (20 de Abril) e ambas são durante a semana das celebrações pascais judaicas. Um mês depois, o diálogo do calendário prosseguirá entre os homens, com a histórica viagem de Bergoglio à Terra Santa, onde terá à sua espera, ente outros, Pierbattista Pizzaballa, há 10 anos “ministro” da província franciscana que guarda o Santo Sepulcro.
O frade, que completa 49 anos precisamente no próximo dia 21 de Abril, fala connosco do significado das “três Páscoas” deste ano, vivido dum ponto de observação tão peculiar que impede qualquer possível derivação abstracta ao diálogo interreligioso. Tanto que o primeiro pensamento vai imediatamente para os delicados problemas práticos de que é feita a vida em Jerusalém: «A Páscoa comum é um enorme acontecimento religioso, mas apresenta, concretamente, aspectos muito complicados que irão exigir uma enorme preparação e atenção».

Para além do conteúdo da fé, com que expectativas e esperanças vive a contemporaneidade desta Páscoa?
Se o significado da Santa Páscoa é sempre o mesmo, cada ano é no entanto ocasião de repensar a nossa própria vida em relação à morte e ressurreição de Jesus. Este ano, a esperança cristã faz-me perguntar o que significa para mim estar aqui em Jerusalém, num labirinto tão complicado. Um lugar em que as relações são feridas feitas pela história. Em que é difícil recomeçar sempre do início, porque as tragédias bloqueiam tudo: isto, lá está, faz-me considerar sobretudo a morte de Cristo. E a Ressurreição leva-me à evidente possibilidade, de cada vez, recomeçar tudo do início, de encontrar alguma coisa de novo na vida e nas relações que nascem.

Como é que um fiel pode “comunicar” a Páscoa a quem não crê, ou a quem tem um credo diferente?
Paradoxalmente, é mais fácil no segundo caso. A Páscoa aqui tem um significado ainda mais importante, se é que isso é possível. A particularidade da Terra Santa é que, experiencialmente, a fé não é uma questão privada: todos, de uma forma ou de outra, crêem. Deus não é estranho para ninguém. O desafio é fazer passar a tua experiência, mas neste sentido, entre pessoas religiosas há um melhor entendimento. Entre caldeus fundamentalistas, não tens que falar de mistério, de Deus, de oração, começando do zero. Existe uma linguagem comum que quem crê partilha para lá das diferenças: não é relativismo, é a estrutura do homem. Precisamente por isso, o crente que é colocado em dura prova nesta troca contínua, tem, porém, uma espécie de “facilidade” em relação ao diálogo com quem não crê. Jerusalém segue o ritmo de oração de todos. E esta coincidência da Páscoa comum é um enorme facto religioso, mas, concretamente, coloca grandes desafios.

Ou seja?
Não é simples hospedar e coordenar celebrações diferentes nos mesmos sítios. Aqui acontece tudo ao mesmo tempo: tempo e espaço são geridos com grande cautela e dificuldade. Sem contar que não estaremos cá, como todos os anos, apenas religiosos, mas muitos peregrinos de Leste e Oeste. Entre a Rússia e o Ocidente, como infelizmente tem sido demonstrado nas notícias destas últimas semanas, há abordagens culturais muito diferentes. Se a isto acrescentarmos a sobreposição com a Páscoa judaica… bem, é tudo muito complicado do ponto de vista prático!

A propósito desta coincidência, o senhor está empenhado há décadas na pastoral com os cristãos de expressão judaica e nas relações com os judeus. Como está a situação hoje para quem crê na morte e Ressurreição de Cristo, no local onde Cristo morreu e ressuscitou?
No plano da vida religiosa comum, sem a pretensão de querer representar as relações da toda a Igreja com todos os judeus, assisto ao florescer de muitas iniciativas e âmbitos de encontro. Israel, porém, é também um Estado, e deste ponto de vista a questão política tem peso e cria muitas dificuldades. Os cristãos locais são, quase na sua totalidade, palestinos, os judeus são israelitas: isto torna as relações complexas. No plano da segurança e liberdade de culto para os católicos, não existem os problemas graves que, infelizmente, existem em tantos países, também nos limítrofes. A questão política absorve todos os aspectos: o problema de quem sofre dificuldades ou hostilidade é ser palestino, não ser cristão.

Numa entrevista recente ao Corriere della Sera, o Papa Francisco declarou: «Estamos todos impacientes por obter resultados “fechados”». Falava do diálogo com os ortodoxos, mas a abordagem é claramente comum ao diálogo com o outro. Acha que este método corresponde à sua vida?
Absolutamente, sim. Ficando no âmbito de que falava o Papa, não creio que vá existir nunca um acordo “fechado” com os ortodoxos. Os dois mundos têm que se harmonizar, mas o diálogo como tal nunca acabará. Também o encontro entre o Papa e o Patriarca Bartolomeu será um abraço importante, mas para que o caminho continue, não para que se detenha.

De facto, o Papa irá fazer em Maio uma viagem histórica à Terra Santa. O que é que mais deseja desta visita dum Pontífice, franciscano no nome e jesuíta de formação?
Todas as visitas são importantes, mas esta apresenta, obviamente, características muito particulares que remontam a meio século atrás, ao histórico encontro entre Paulo VI e Atenagora, Patriarca de Constantinopla, em Janeiro de 1964.Desde então, teve início um caminho longuíssimo, que certamente os dois não podiam prever. Aqui irá acontecer, em certo sentido, a mesma coisa: nessa altura foi na periferia, agora será no Santo Sepulcro, símbolo das divisões mas também da raiz comum das Igrejas. Que se faça precisamente aqui é muito indicativo da perspectiva para os próximos 50 anos. A minha esperança é esta: estou desejoso de ouvir e ver o que irá gerar aquele abraço, desejando que seja símbolo duma relação indispensável para o caminho da nossa fé.