AS MULHERES DA ROSE

Agnes, Teddy, Ketty, Florence: todas seropositivas que tinham renunciado a viver. Com Rose Busingye e o Meeting Point de Kampala, renaasceu nelas a vida e o seu valor.

«Até um valor decisivo como o da vida pode obscurecer-se. Só no encontro cristão é despertado em toda a sua beleza». Nesta altura, o padre Julián Carrón já ofereceu muitas vezes a todos aquilo que aprendeu com a amiga ugandesa Rose Busingye, Memor Domini e enfermeira, responsável do Meeting Point Internacional de Kampala, a pequena ONG que nasceu há mais de vinte anos para acompanhar doentes, pobres e crianças, muitas delas órfãs, que vão à escola graças às adopções à distância. «A Rose queria responder à provocação das mulheres doentes com Sida, ajudando-as a arranjar remédios», conta o Carrón. Mas não se curavam na mesma. «Só anunciando Cristo, despertou nelas a consciência do valor das suas vida».

PARTIR PEDRA. A Teddy, a Agnes, a Florence e a Ketty estão no escritório da Rose com ela. Lindas. A Teddy dispara: «A felicidade fez-nos belas e jovens!». Desatam todas a rir. De vez em quando, ao falarem de si, põem-se a cantar: começa uma, e as outras vão atrás. Elas dão-se, também assim, com uma canção via Skype. É preciso dizer que “as mulheres da Rose” têm vidas duras e cheias de graça. Cresceram na miséria dos slum, ou foram raptadas por rebeldes, abandonadas por todos, e todas acabaram seropositivas. Mas este final marcou o início. Por isso continuam a dizer «obrigada», também por poderem partir com o martelo as pedras das grutas entre as encostas instáveis de Kireka. Trabalham duramente debaixo do sol até já não haver mais pedras para vender aos construtores. Ficam sentadas durante horas nas pedras, descalças, as roupas coloridas como os lenços da cabeça. À sua volta, barracas e toldos.
A Agnes tem 46 anos, um rosto redondo e sorridente, nunca diríamos que está doente. «Eu sentia-me um nada». Os rebeldes mantiveram-na com eles três anos na floresta. Regressada à aldeia, «já não era ninguém, apenas uma killer». Saía de casa e as pessoas tinham medo dela, evitavam-na. Por isso decide fugir para a cidade, para casa duma tia, que quando descobre a sua doença a mete numa barraca fora de casa. Sem comida, nem remédios. Uns vizinhos, que conheciam o Meeting Point, mandam-lhe a “tia Rose”. Ela está de cama. A Rose leva-lhe, como a todas as doentes, os remédios. «Mas acontecia muitas vezes», acrescenta a Rose, «que quando voltava a ter com elas, os remédios estavam ainda todos ali. Intactos».
Conta a Agnes: «Ela estava sempre a dizer-me que eu tinha um valor, mas eu não percebia o que estava a dizer. Depois convidou-me para vir aqui, para conhecer as outras. Encontrei mulheres felizes, que não pareciam estar doentes, e então pensei que me tinha enganado no sítio, porque eu não podia pertencer àquela gente. Continuava a sentir-me um nada. Até que arranjei 20 mil xelins para voltar para a aldeia para morrer». Nunca chegou a partir, porque quando o disse à Rose esta chorou. A Agnes, em vez de ir embora para morrer, ficou aqui com elas. Tratou-se, está melhor. Ainda está doente, mas está curada do seu mal. «Quando comecei a ir à Escola de Comunidade, descobri o valor de que a Rose me falava. Porque Giussani diz que ninguém é um nada diante de Deus. Pequei, matei, mas sou alguém para Ele. Este é o meu valor. A vida que Deus me deu. Não sou definida por mais nada. Graças a este amor, comecei a ter energias que os remédios não me davam. Agora, enquanto te falo, sou livre. Sinto-o. Sou livre, ainda que esteja doente».
A Rose está com elas todos os dias do ano, mas para ela nada é adquirido. Sempre gostou de dedicar a sua vida assim. Mas via que os doentes continuavam a queixar-se. Alguns enforcavam-se ou deixavam-se morrer. Aos pobres já nada bastava. Os miúdos não queriam ir à escola, no entanto esta era grátis. «Comecei pensando que o problema eram os remédios e a comida. Mas dava-lhes isso, e nada. Fiquei desmoralizada, porque eu tinha que resolver a epidemia!». A tentação que apareceu, foi substituir o outro com aquilo que devemos ou conseguimos fazer por ele. «E pelo contrário, a certa altura tudo partiu da descoberta de mim». Mas cala-se, falará disso depois, agora vêm as suas mulheres.

UMA OUTRA PERGUNTA. A Teddy vê que está mudada pelo facto de já não ter medo de nada, nem mesmo de morrer. «Porque Deus sabe tudo aquilo que eu sou». Descobriu-o com a fé, no caminho da Escola de comunidade. Perdeu os pais em criança e pensou que, quando se casasse, tudo iria ficar bem. «Em vez disso, começaram ali os problemas maiores. Para mim, não fazia sentido estar no mundo: nunca tinha visto nada de bonito na vida». A Rose explica-o assim: «A infelicidade chega quando decidimos que não é possível sermos felizes». E a Teddy era infeliz. No Meeting Point, encontrou trabalho como assistente social, mas sucumbia diante dos problemas. «A Escola de Comunidade pôs-me diante de uma outra pergunta: quem sou eu?» Desde a primeira vez, aquilo que liam falava de si. Sentia-se como a samaritana do poço, que encontra um desconhecido que a conhece melhor do que o seu marido. Com ele é dramático. Alcoólico, quando bebe torna-se violento. Há noites em que nem sequer a deixa dormir em casa. «Continuas a ir aquele sítio, fazem-te lavagens ao cérebro, tens que pensar no dinheiro…» Ela responde-lhe que se ainda estão juntos, é graças a isso. «Quando está sóbrio, percebe isso, e diz-me: “Don Giussani é um homem inteligente”», sorri a Teddy. Porque é que não o deixou? «Nunca poderei deixá-lo. Se eu tenho um valor infinito, então ele também tem».
A Ketty percebe isto. Lembra-se que tresandava quando chegou ao Meeting Point, mas ninguém tinha nojo dela. Casou-se aos 13 anos, era muçulmana nessa altura. Esteve um ano e meio com os rebeldes, que lhe levaram o filho de um mês, fizeram-na comer carne humana e a violaram. Quando ficou grávida, já não servia para ninguém. «Então abandonaram-me». Tinha 17 anos e gritava não sabe o quê, como uma doida. Era um esqueleto de 25 quilos, mas as pessoas tinham medo dela. A sua família abandonou-a quando lhe diagnosticaram sida. O que é que te fez desejar viver? «A Rose olhou-me como alguma coisa que eu não sabia que era. E a Escola de comunidade libertou-me, descobri que mesmo no mato, valia tanto como agora». Pediu o Baptismo.
A Florence apresenta-se assim: «Tenho 40 anos, venho do leste do Uganda e sou seropositiva». Quando fez a análise, os seus familiares temiam que os infectasse contavam os dias para a sua morte. «Nessa altura, eu também só pensava em morrer». Mudou-se para Kampala para fazer tratamentos, mas «já tinha renunciado a viver». Mesmo quando lhe falaram do Meeting Point, não foi lá: «Se todos os meus familiares me abandonaram, quem é que me pode querer?». Mas um dia, olhando para os seus filhos, sempre fechados em casa consigo, percebeu que devia fazê-lo por eles. «Cheguei aqui e deparei-me com mulheres que aprendiam a ler e escrever. Comecei logo o tratamento». Quando surgiu o problema do pagamento da renda, fugiu. Mas a Teddy foi à sua procura. «Voltaram a levar-me para o pé delas». Hoje os seus familiares vêem-na feliz, vêem os seus filhos a ir à escola e perguntam-lhe como é possível: «Quem é que conseguiu ficar contigo?». «Eu digo: já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim».
«Do nada, Deus faz-me». A Rose está submersa há anos, todos os dias, numa realidade sofredora e está ali como uma menina que se abandona ao seu pai. «Quer com os remédios, quer com palavras, não mudava nada nelas. Sem viver o facto de que sou amada, não posso ajudar os outros». Teve que tomar consciência da forma como Jesus a olha. «Só lhes podia “contar” o seu valor se conhecesse o meu». Então foi um caminho em conjunto, descobrindo-o eu e elas.». Um valor para si inseparável da forma como Giussani a tratava: «Olhava-me como uma coisa especial, maior do que tudo, até do que os meus limites. Pensava sempre: não percebeu quem eu sou! Tentava explicar-lhe, mas ele não me ouvia: “Olha, Rose”, disse-me, “tu não sabes que, se fosses a única pessoa na face da terra, Deus vinha e morria por ti”. Depois corrigiu-se: “Ele veio e morreu por ti”».

NÃO SE DETEVE. Aquilo que a Rose fez e faz, foi deixar espaço para este olhar encontrado. «Hoje sigo o Carrón, curiosa com o que ele dá». Vai em frente assim, encontrando «problemas, contradições ou a minha incapacidade. Mas mesmo o limite se torna uma rampa para o infinito». Sentada entre as suas mulheres, conta como se apercebe disso: «O que é que fiz hoje para afirmar Deus? Nada. Nem sequer na missa, ou a rezar, afirmei Deus. Mas Ele não se deteve, continuou a estar ali para mim, a contar as minhas células. Eu não me lembrei d’Ele, mas Ele também hoje fez uma coisa que não devia fazer: saiu de Si para me arrancar do nada. Nós deixamos de estar conscientes disto, e perdemo-nos nas coisas pequenas, em bagatelas. Mas se soubéssemos a grandeza que somos, a grandeza que o outro é! Chorávamos.» E assim se reencontra a si mesma, porque o «obrigada» se torna comoção e consciência, e diz: «Quem é a Rose, para que te preocupes com ela?»