«PERCEBI QUE ELE É COMO EU»

«Temos o mesmo desejo». Palavras dum rapazinho dos Liceus, depois de ler a biografia de don Giussani. Mas o que é que este livro está a gerar?
Paola Bergamini

«Apesar disso, don Giussani entrou na minha vida da forma inesperada e disruptiva». Palavras de Paolo Zaccarelli, director dos recursos humanos da CMB de Capri (Liga das cooperativas); apesar de nunca ter visto don Giussani. Já teria talvez ouvido falar dele, ou talvez, mais simplesmente, o tivesse encontrado através daqueles amigos com quem estabeleceu, há já algum tempo, uma relação de estima e que, em Outubro, lhe deram a ler a biografia escrita por Alberto Savorana, convidando-o depois para apresentar o livro em Modena diante de centenas de pessoas. Página após página, aquele padre milanês tornou-se seu companheiro e questionou-o. A ponto de dizer: «Fez-me fazer uma comparação com os meus trinta anos de trabalho».
Tal como para Zaccarelli, nestes primeiros meses a Vida de don Giussani já irrompeu na existência de muitos dos que começaram a lê-la. É a sua humanidade que, de forma “disruptiva e inesperada”, surpreende e abana. Quase como se fosse um desafio que não nos deixa em paz. Mesmo para quem, há anos, vive a experiência do movimento e talvez tenha conhecido Giussani, tenha estado ao lado dele, tenha comido e bebido com ele. E tem um bocadinho de saudades disso. Não nos deixa em paz porque à medida que se lê, a vida palpita; não é uma recordação, mas uma memória viva de alguma coisa encontrada e encontrável, que não é tua, mas dada. «Se não fosses tu, meu Cristo, sentir-me-ia criatura finita». Alguma coisa que gera. Como aconteceu neste breve flash que tentamos contar aqui. Mas é só o começo. Como se pode ler nas últimas linhas da introdução: «O melhor ainda está para vir».

PROMESSA CUMPRIDA. Durante as férias de inverno, quatro jovens dos Liceus de Modena, que começaram a ler o livro, decidem apresentá-lo uma noite. Estão no início, mas há alguma coisa que é urgente comunicar aos seus amigos. A ponto de indicarem páginas e número de linhas. Durante o encontro, o Francesco diz: «Impressionou-me e marcou-me a semelhança: eu e Giussani temos o mesmo desejo (p. 43). Uma coisa que difere – e que penso ser fundamental – é a fidelidade em ouvir este desejo. Do nascimento e da infância, só me ocorre dizer que a comparação com a vida de Giussani me fez perceber ainda melhor a grandeza dos meus “pobres” pais (como ele diria), as dificuldades que passam por minha causa».
Alberto e Zef, detidos na prisão de Como, leram o livro juntos na cela. Um pouco ao acaso, em voz alta porque, como escreve o Alberto, «desta forma vivíamo-lo em directo e as emoções sucediam-se. É incrível como don Gius nunca deu um passo atrás na obediência e no colocar sempre o amor a Jesus em primeiro lugar. Se me perguntassem quem é ele hoje para mim, respondia: “São Paulo”. O seu juízo sobre a realidade, os seus aprofundamentos, os seus raciocínios… sob a acção do Espírito Santo, ele e São Paulo fizeram as mesmas coisas em diferentes épocas». Ao Zef, parecia-lhe «estar ali com don Gius enquanto ele falava e fazia os encontros, vivi-o verdadeiramente». Nunca o viu, porém diz: «Nós somos sortudos por sermos filhos de don Giussani, porque ele percebeu que estava no mundo como promessa. Não temos que dar “cambalhotas” por sermos seus filhos, devemos amar a Verdade como ele, como ele nos amou, a mim e a ti. Esta é a promessa que se está a cumprir aqui e agora». Dentro das paredes duma prisão.

SÉTIMO CAPÍTULO. Outras paredes, outro ambiente. Nos primeiros meses de escola, surge uma necessidade entre os professores do Instituto Sacro Cuore de Milão: a hora de aula deve ser «um acontecimento em que a transmissão do saber acontece através duma nova forma de relação contínua entre professor e aluno», explicam Raffaela Paggi e Anna Frigerio, respectivamente directora da escola básica e directora do liceu científico e clássico. Tem início uma pesquisa de textos que ajudem a focar os termos do problemas mas, sobretudo, uma procura de exemplos e testemunhos de ensino. A leitura da biografia, em especial do sétimo capítulo, torna-se um importante ponto de referência. Conta-nos a Anna: «Surpreendeu-nos a forma como Giussani projectava e desenvolvia as aulas até aos mais ínfimo pormenor. Para ele não havia contradição entre uma proposta bem definida, com o objectivo de fixar (até ao ditar dos apontamentos no fim da aula) os pontos fundamentais no percurso do conhecimento, e a abertura total ao que acontece no diálogo durante e depois das aulas. Mas para Giussani, o diálogo não era uma simples troca de opiniões: tinha como objectivo que o outro pudesse exercitar liberdade e razão». Uma aposta em entregar-se todo na aula.

DESAFIO ABERTO. Há sete anos que o Marco trabalha num projecto da AVSI no Uganda. Só viu Giussani umas duas vezes, em videoconferência. Ao princípio, pensava que estava a ler «uma bela história, nada mais». E em vez disso, cada página se torna numa novidade, que o acompanha no trabalho. Há episódios que lhe vêm à cabeça. Como a história do Giussani, padre ainda muito novo, que encontra no confessionário uma mãe exasperada com o marido e os filhos. Ele diz-lhe simplesmente: «Por que é que não os aceita? Ame-os». Conta o Mauro: «Acordo com aquela imagem e penso: “Mas será que alguma vez tentei amar os meus colegas por aquilo que são, para lá dos problemas, das incompreensões?”. Agora o dia prossegue com uma alegria nova.». Como para aquela mulher.
No palco do Pavilhão de Congressos de Rimini, esteve também o Sérgio Gambini,, ex-deputado do Pd, para apresentar o livro. Devido à sua história política, Giussani e o CL eram realidades vistas de longe, um tanto ou quanto desfocadas. Depois, a leitura da biografia fez nascer em si uma «paixão autêntica e perturbadora por um caminho que não conhecia e que agora desejo fazer em conjunto».
No livro, encontra surpreendentemente lugares, pessoas e acontecimentos da sua terra: o Meeting, Riccione 1976, monsenhor De Nicolò. Até aquela viagem de comboio de Giussani… Mas há um aspecto da sua história que o surpreende: o Maio de 68. «Nós dizíamos que era uma revolução da estrutura, ele dizia que ela se cumpria em nós, na construção da comunidade cristã. O desafio está ainda aberto, para cada um de nós. Claro que não deve ter sido simples alinhar o passo com um homem destes, que colocava a meta sempre mais à frente». Simples, não; mas certamente fascinante.
Há os sms, os emails, que relatam uma frase que marcou, um episódio desconhecido que surpreendeu de tal forma, que se fica com ele no coração durante todo o dia. Houve alguém que escreveu que o seu livro está semeado de post-it com notas escritas; outros dizem que leram logo os capítulos que «tinham a ver comigo e acho que então não tinha percebido nada. Só tinha percebido que havia alguma coisa grande para mim» e que agora, devido às experiências vividas, se torna mais evidente.