O INÍCIO DUMA HISTÓRIA

Ela acompanha-o pela Europa, aonde quer que o trabalho o leve. Um casal encantador, com dois filhos, que de um momento para o outro entra em crise. Mas quando Ylaine encontra o movimento descobre uma coisa: «Há realmente alguém que me ama tal como sou»
Luca Fiore

«Quanto mais o tentava segurar mais ele se queria ir embora. Quando desisti de o prender, ele não foi capaz de partir». Hoje a Ylaine fala disto com grande liberdade, mas foram meses de autêntico sofrimento. O Stefano olha para ela enquanto a ouve. Para ele o que passou, passou, porque hoje sabe que o que foi salvo não foi tanto e apenas o casamento. Ele é que renasceu. Ela tem 32 anos e é holandesa, de uma aldeia perto de Roterdão. Ele tem 36 e é de Bolonha. Conheceram-se em 2000, em Itália, casaram e depois, por motivos de trabalho, mudaram-se para a Inglaterra, a seguir para Praga e depois novamente para Londres. Ele dirige os serviços jurídicos duma empresa inglesa;
ela, que tem o curso de professora de Educação Física, segue-o. No fim de 2011 tinham dois filhos, Sophie e Thomas, de três e dois anos.

A vizinha do lado. Foi já nos últimos meses em Praga que, entre eles, qualquer coisa começou a dar para o torto. «Sempre procurei um objectivo na vida», conta a Ylaine: «E achava que amar o Stefano e fazê-lo feliz era um bom objectivo. Nunca pensei que ele um dia se pudesse ir embora». O Stefano diz que já não a ama, dá motivos que Ylaine não percebe. «Sou holandesa, mas sei irritar-me como uma italiana. Comecei a persegui-lo, a exigir explicações, a dizer que não fazia sentido deixar-nos». A Claudia, uma mexicana em Praga, que mora ao lado, percebe a seriedade da situação, ao passo que ela continua sem a ver. Discretamente procura confortá-la, dar-lhe força. Passa-lhe um livrinho de orações dedicado aos casais em crise. «Eu não era católica. O meu pai era mas não me tinha baptizado. Às vezes ia à missa com o Stefano para lhe fazer companhia, mas nunca tinha rezado. Peguei numa das orações e comecei a recitá-la todos os dias: “Lord, help me to be a good wife...”. Senhor, ajuda-me a ser uma boa esposa. Acontecia-me estar no carro e, para não me deixar levar pelos pensamentos, pedia ajuda a Deus para poder continuar».

Ao espelho. Chegados a Londres, Ylaine encontra-se num bairro onde não conhece ninguém. A primeira coisa que faz é ir à paróquia católica mais próxima. «Tinha duas crianças pequenas e um marido que me ignorava. Sentia necessiade de alguém com quem estar. Entrei na igreja e vi um pequeno cartaz que dizia: “Quer conhecer o catolicismo?” Fui a um daqueles encontros e conheci o Chris que me convidou para a Escola de Comunidade».
A Ylaine sempre se sentiu pouco à vontade com diálogos fúteis, em que só se dizem trivialidades. «Geralmente passam o tempo a procurar distrair-se das coisas importantes da vida. Aquelas pessoas, porém, espantavam-me pela seriedade com que olhavam para a vida delas. O meu casamento estava a afundar-se, mas todas as semanas tinha vontade de voltar a vê-los. Com eles consegui falar do que se estava a passar com o Stefano». O Gigi, que conheceu na Escola de Comunidade, convida-a para ir aos Exercícios da Fraternidade e ela vai sozinha, de mota. «Ia a guiar e a chorar sob o capacete. O local do retiro era no fim do mundo e eu não conhecia ninguém. Disse para mim: “Que faço eu aqui?”. Depois o Padre Carrón começou a falar. E falava de mim. Dizia que o eu se apoia na fé, na relação com Jesus, não fica em fanicos quando as circunstâncias são difíceis. Eu precisava de ouvir isso, para não ficar em fanicos. Voltei para o quarto e vi-me ao espelho: “Sim, há realmente alguém que gosta de mim, que me ama tal como sou”. Foi uma descoberta para mim, que toda a vida me tinha esforçado para ser perfeita para gostarem de mim».
A Ylaine regressa entusiasmada, e di-lo aos amigos da Escola de Comunidade. Para o Gigi «é com o último a chegar que se mais aprende». Mas também em casa as discussões de meia-noite com o Stefano mudam. Ela descobre-se tranquila na dor. E começa a escutar o marido, que se abre dizendo coisas que até então nunca dissera. Descobre que ele quer mesmo ir embora. «Que queres ir, vai. Estás a fazer um erro mas, se quiseres, fá-lo, deves fazê-lo. Se mudares de ideias, eu estarei aqui à tua espera». O Stefano diz que vai embora, arranja outro apartamento. Mas durante várias semanas não vai. Até que um dia se decide: «Tenho de ir a Espanha em trabalho. Mas já não volto para casa». O Stefano não sente coragem de partir. Entra numa igreja e pára para rezar. Quando sai, manda uma mensagem a Ylaine: «Fiz o pior erro da minha vida». Ela lembra-se do dia exacto: 5 de Maio de 2012.

Sem comparação. «A certa altura senti a necessidade de a seguir a ela», conta o Stefano: «Até então era ela que me seguia, eu defendia a minha maneira de ver e cortava a eito. Ainda não percebi bem o que aconteceu, mas acho que o que me impressionou foi aquela sua calma dentro da tragédia que estávamos a viver. É uma tranquilidade que nunca tinha visto nela. A amizade com a malta da comunidade de Londres teve a ver, de certeza. Assim, quando me convidou para ir à Escola de Comunidade, fui».
O Stefano sabe o que é o CL, na sua paróquia de Bolonha não diziam bem deles. E no liceu, politicamente, estava longe dos celinos. Mas de don Giussani nunca lera sequer uma linha. «De início fui para seguir a Ylaine. Depois compreendi que servia para a minha vida. Descobri um modo completamente diferente de viver o cristianismo. Fui sempre católico, ia à missa, mas o que me interessava era o aspecto intelectual. Li e estudei imenso. Mas na Escola de Comunidade, pela primeira vez, perguntaram-me: “Onde está Jesus na tua vida? Onde o colocas? Que lugar tem? Onde o vês?”».
Passam os meses e o casamento vai-se reconstruindo desde os alicerces. «Com a ajuda de Deus e de um bom psicólogo». A Ylaine recebe o Baptismo. Chega também o pequeno Matthias, após um parto muito especial. «Quando as dores começaram pedi a Jesus: “Leva o teu tempo, mas fica comigo”. Foi mesmo estranho, porque a parteira nunca tinha visto nenhuma mulher tão calma até o fim. E quando tomei o bebé nos braços pensei que era uma graça imensa para a nossa vida. Com os outros dois filhos não tinha pensado nisso».
«Para a Ylaine é mais fácil, para ela é mais natural confiar na experiência», diz Stefano: «Ainda me custa ver como o Mistério actua na vida quotidiana. Para mim é mais simples dar-me conta nas coisas estrondosas, como o reflorescimento do nosso casamento ou a experiência do nascimento do Matthias».
«Hoje vejo a diferença que há em viver entregando-me a Deus», explica ela: «Nas tarefas da casa, nas decepções laborais... Por vezes dou comigo a recordar o que aconteceu. Volta a irritação e apetece-me ficar encolhida a um canto. Mas agora tenho Alguém a quem confiar estas coisas e vi que aquilo que eu passei melhorou o meu casamento». E tu, Stefano? «Agora sinto-me mais livre. Pôr Cristo no centro da minha vida liberta-me da pressão do trabalho. Antes era só competição, resultados, sucesso. Hoje já não sinto a ânsia do reconhecimento dos outros. Quando te sentes amado por Deus e pela tua família, o resto é secundário». E é melhor agora?
«Não tem comparação».