Certos pacifismos, apenas ódio descarregado em praça pública

O comentário após a Resolução contra o Iraque. «Corriere della Sera», pp. 1 e 15
Luigi Giussani

Caro Diretor,

as partes que vêm se confrontando na perspectiva da guerra estão repletas de razões, ao mesmo tempo em que podem ser acusadas de muitas coisas. Ora, as razões impressionam mais que as acusações. Por seus aspectos mais relevantes, são elas que permitem dizer: “Cometam os erros que cometerem, os Estados Unidos não podem ser destruídos pelos mísseis e pelo terrorismo!”, ou ainda: “Considerando os desastres que as bombas provocam, não podemos permitir que um tirano como Saddam as use como quiser!”.

Está certo quem almeja que todas as nações se submetam às decisões da ONU, mas, sendo que parece impossível chegar a uma decisão que dê razão a uns ou a outros completamente, o Iraque, por um lado, pode realmente dizer: “Se a ONU está a serviço dos Estados Unidos e da Inglaterra, nós não a respeitamos”. Ao mesmo tempo em que, por outro lado, os EUA e a Inglaterra afirmam: “Respeitamos a ONU enquanto ela apóia o que dizemos”. Assim, os dois lados têm suas razões para dizer: “Façamos logo a guerra”.

Para sair desse equívoco atroz, é preciso reconhecer que o verdadeiro problema não é discutir ou negociar - como querem certos “amantes” da paz, que de fato são os mais obstinados pró-guerra -, pois cada um dos beligerantes parte da convicção de que o outro quer a guerra para defender ou destruir um primado de poder: os que se opõe ao Iraque o fariam para defender o poder que têm, e os que se opõe aos Estados Unidos gostariam de tomar em suas mãos o poder que ainda não têm. Por isso, a questão parece insolúvel, exceto pelo uso da força: continuaria a ser uma razão sólida a daqueles que querem triunfar pela força, que sabem ter uma força que pode silenciar o outro. Entre outras coisas, isso deveria levar certos líderes de movimentos pacifistas a refletirem também: não se trata apenas de mais um ódio descarregado em praça pública?

A solução tampouco é alinhar-se com um lado ou outro. Quando a sociedade chega a certas passagens decisivas, o verdadeiro problema é que o juízo de apoio ou condenação deveria levar em conta antes de mais nada a necessidade de educar os jovens e os adultos, ou seja, todos os homens, pois os homens normais é que precisam ativar suas capacidades de justiça e de bondade. Se a humanidade não é educada a uma verdadeira estima pelo homem, e portanto a uma justiça real, não pode se sentir livre dos desastres que ela mesma provoca e se obriga a enfrentar, transformando em desculpa para um mal que ela mesma realiza o fato de aplicar o próprio erro de uma forma considerada correta: a guerra. O verdadeiro drama da humanidade atualmente não é que os Estados Unidos queiram destruir o Iraque para tirar proveito de sua ação, ou que Saddam represente uma ameaça para o Ocidente, mas o fato de que nenhum dos dois têm uma educação à altura da grandeza e da profundidade da luta entre os homens. É um problema educativo, justamente - e o único que fala disso é o Papa -, pois o tribunal necessário para julgar o outro exige uma educação em nome de uma unidade e de uma justiça verdadeiras.

A gravidade do problema em que o mundo se debate atualmente é aquela rebelião contra a verdade da qual adveio o pecado original e pela qual este aplica seus efeitos no homem, na humanidade de todos os tempos. Por isso, diante do que está acontecendo não se pode eliminar ou ignorar a figura de Cristo: ele é o eixo - o eixo! - da verdade sobre o homem (e, na história, quem destrói a cristandade mata a humanidade). É por isso que a nossa autoridade é o Papa, que disse duas coisas capitais: na história, a guerra precede a paz; para evitar a guerra, é preciso haver paz.

Numa situação em que ninguém parece querer a paz, e em que as formas de obtê-la parecem evidentemente inconsistentes, fazer a guerra é abominável, é votar-se ao massacre. É por isso que dizemos não à guerra que os Estados Unidos querem declarar ao Iraque a qualquer custo, mas também dizemos sim aos Estados Unidos, pois lá existe a possibilidade de uma educação que salva realmente o desejo da paz e da justiça.

Estamos todos um pouco arrasados por ver que a humanidade continua a seguir os instintos que sente, em nome de uma justiça que não pode fazer justiça, pois, para fazê-lo, precisa corrigir-se, no mínimo. O problema é educar as pessoas a entenderem isso. É em razão do problema da justiça que Cristo sempre será condenado e perseguido, em Seu corpo real que é a Igreja. Portanto, a maneira mais verdadeira pela qual um cristão pode ajudar o mundo a ser mais humano é incrementar o máximo que puder o juízo segundo o qual o mundo acabará quando Cristo completar seu “fermento”: quando chegar o fim do mundo. A ressurreição de Cristo é, para toda a história de toda a humanidade até o fim, o ponto inicial de uma “bomba atômica” que dominará a história até que esta se cumpra (dominará, pois o domínio acontecerá no fim). Por isso, o fim dessa história nunca estará nas mãos do homem, não há homem que o possa obter, pois continua a ser mistério do Pai.

O Papa disse que a guerra é um crime, essa guerra que advém por meio do pecado original e está presente no mundo mediante os pecados dos homens, ou seja, os nossos. Portanto, é para que os crimes aconteçam o menos possível que se deve pegar o Rosário e rezar a Nossa Senhora, como pede insistentemente João Paulo II. A idéia fundamental é a maturidade da vocação cristã, que é o florescimento da humanidade cujo exemplo é revelado por Cristo (e isso completa realmente a questão).