don Luigi Giussani

A lição de don Giussani: Deus criou-nos para a alegria

Um extrato do prefácio do livro “Um acontecimento na vida do homem”, que recolhe lições e diálogos de don Giussani nos Exercícios da Fraternidade de CL, a editar brevemente em Portugal, pela Paulus.
Julián Carrón

O niilismo domina hoje por toda a parte, quase sem nos darmos conta. Aquele vazio de significado que constantemente paira sobre nós, pelo qual tudo se esvai e desvanece - mesmo as coisas que nos são mais queridas parecem não conseguir resistir ao impacto do tempo -, esse vazio não pode ser combatido com palavras. Não é uma batalha dialética que pode derrotá-lo, não o vencerá a força dos raciocínios ou discursos. É preciso mais.

O nada só pode ser combatido pelo ser, por algo real. Todos nós o experimentamos cada manhã. Basta olhar para o que prevalece ao despertar. Se possuímos algum recurso para combater o nada, encontramo-lo no facto de que qualquer coisa real se impõe no instante em que abrimos os olhos, quando ainda nos encontramos desarmados perante o dia que nos espera.

É surpreendente ver como mais uma vez Giussani já tinha compreendido antes do tempo o drama da nossa época. A capacidade que tinha de intercetar o ponto em que cada um de nós fica encalhado permitiu-lhe enfrentar este combate em primeira mão. Assim nos testemunha o resultado da sua verificação: aquilo que prevaleceu nele é o que ele nos comunica a todos nós.

Em 1992, Giussani afirma que existe uma premissa a partir da qual podemos começar todas as manhãs, antes de iniciar a batalha que é a fadiga quotidiana própria do viver. «Esta grande premissa […] é recordada na Missa e sempre que a Igreja nos reúne […]: ‘Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’, que para nós significa afirmar, em primeiro lugar e em última instância, o mistério do Ser, o Mistério de onde vimos».

Esta abordagem, que devia ser mais que familiar para nós cristãos, nem que seja pelas muitas vezes que a repetimos, não é de todo óbvia. Assim o recorda Bento XVI: «Deus é muitas vezes tido como um pressuposto, como se fosse um dado garantido, mas concretamente Ele não tem um lugar na vida das pessoas. O tema “Deus” parece algo irreal, está longe das coisas que nos ocupam normalmente. E, todavia, tudo muda se em vez de pressupormos Deus, O antepomos. Se em vez de O deixarmos arrumado num canto, O reconhecemos como o centro dos nossos pensamentos, das nossas palavras e do nosso agir».

Este é o nosso verdadeiro drama. Damos tudo como garantido: e então as pessoas e os factos já não nos dizem nada, permanecem mudos diante de nós. E a verdadeira razão para tomarmos a realidade como garantida é precisamente que para nós Deus é «irreal», «está longe das coisas que nos ocupam».

Para ver como a vida é capaz de mudar, temos de ter a coragem de verificar o que acontece quando se vive, como sublinha Bento XVI, seguindo o convite de H. U. von Balthasar: «Deus […]: não pressupô-lo, mas antepô-lo!».

No entanto, esta sugestão só pode ser tida em consideração por quem realmente se importa consigo mesmo, por quem se importa com a sua realização, com a plenitude da sua vida. Só para quem não se conforma com o nada que invade o quotidiano, e não se quer render à confusão que se lhe segue, só para quem não quer sucumbir à tentação do ceticismo, pode a realidade perder aquele seu rosto dado como óbvio – até chegar ao tédio e autodesprezo - e revelar-se como uma novidade contínua e cheia de promessa.

Foi através de uma história que nós chegámos ao conhecimento desta premissa. «[O] destino revela-se, o destino – isto é, o Deus misterioso, o mistério a que chamamos Deus – fala propriamente, ou seja, o destino dá-se a conhecer na sua definitividade, através da escolha de um povo. […] Deus escolhe um povo nascido de Abraão et semini eius, e a sua semente, a sua descendência; escolhe um povo, porque é através dele e através da sua história que Ele nos dá a conhecer melhor a Sua vontade».

É este o desígnio que o destino, Deus, pretende realizar: «Eu quero a positividade de tudo». E fá-lo «através de uma história humana».

O povo nascido de Abraão vive imerso nesta experiência de positividade. A sua existência é um bem para todos, porque é através de Israel que o Mistério torna presente na história o seu desígnio, que está destinado a alcançar todo e cada homem: «Deus não é o autor da morte nem se compraz com a destruição dos vivos. Pois Ele tudo criou para a existência, e todas as criaturas têm em si a salvação. Não há nelas veneno de morte, nem o poder do Hades domina sobre a terra, porque a justiça é imortal.». Giussani comenta estas palavras do livro da Sabedoria: o facto de que a vida é positiva, de que a realidade pode ter uma positividade, de que o destino quer que todos nós experimentemos uma positividade, significa que «somos feitos para a alegria. O coração não pode ouvir outra palavra se não esta, que é a única que lhe corresponde. Pode vir primeiro um exército de desencorajamentos, de “mas”, de “ses”, de “ainda assins”, de “nãos”, de negações, mas ninguém pode negar completamente esta palavra que exprime a natureza do coração: a alegria, a felicidade». Quem quer que conserve um mínimo de afeição por si próprio tem de admitir isto: «Desejo cada vez mais ser amado. Naturalmente, uma pequena reflexão convencer-me-ia sempre do absurdo que é este sonho, a vida tem limites e o perdão é impossível. Mas essa reflexão não poderia fazer nada, porque o desejo persistiria, e devo confessar que persiste mesmo agora». Todos os nossos raciocínios, todas as nossas feridas, não podem cancelar por completo o desejo do coração.

Mas como é que esta experiência de alegria, de positividade, se pode tornar nossa? O que é que nos é pedido? «Uma disponibilidade total diante do Destino, do Mistério, de Deus». Em que consiste isto? Acima de tudo, «numa minha afirmação amorosa do ser e da realidade que acontece, seja ela a vida ou a morte, a alegria ou a dor, o que corre bem e o que corre pior. O amor é a afirmação de uma presença que se revela através do instante, no instante».