Um despertar renovado da dinâmica da razão

No sábado, 28 de Março, realizou-se um encontro entre alguns responsáveis pelo Movimento Comunhão e Libertação no Brasil por videoconferência. O Padre Julián Carrón, presidente da Fraternidade, ligou-se para uma saudação. Aqui, as suas palavras.

Bracco: Amigos, eu tinha perguntado ao Carrón se ele gostaria de participar no Centro para nos cumprimentar, e ele entrou agora [ligou-se]. É uma grande alegria poder tê-lo aqui. Eu tinha-lhe falado – assim como falei com muitos de vocês – primeiro da gratidão desta semana com a notícia da sua reeleição como Presidente da Fraternidade. Muitos testemunharam uma grande alegria, dentro deste furacão que estamos a viver, como ponto de graça. Então, aproveitamos para lhe agradecer.

Sendo que ele teve um dia cheio de reuniões – acabámos de fazer também uma reunião da ARAL -, queria pedir-lhe uma palavra breve. E queria introduzir com este ponto: impressiona-me como tu estás a pôr esta questão da nossa razão!! Porque, quando chega um tsunami, a primeira coisa que paralisa é a nossa razão. Mas tu puseste na tua carta de 12 de Março – no exemplo dos apóstolos – uma coisa que para mim foi exactamente a experiência que eu fiz. Era como se eu estivesse no barco com todas as preocupações, com as notícias de Itália e daqui, e mesmo sabendo tudo sobre Cristo – com todos os factos e a experiência que eu fiz com Ele – estivesse dentro dum redemoinho, quase a afogar-me.

Lendo a carta, e depois com a tua eleição, que foi um outro facto, é como se a minha razão tivesse voltado a funcionar. Eu percebi isto: não existe fé se não floresce nesse limite da razão que, por graça, uma presença me permite usá-la sempre de novo. Então queria só pedir-te que nos ajudasses a perceber a tua preocupação principal neste tempo.

Julián Carrón: Boa tarde a todos! É um prazer poder cumprimentar-vos. Isto que tu estás a propor é uma questão crucial, porque há anos que repito aquele exemplo – que depois se tornou famoso – da criança que vai com os pais ao parque de diversões. Quando a criança está com os pais, ela aproveita cada atracção que lá encontra, cada possibilidade de brincar, cada possibilidade de diversão. Se por acaso ela se afasta dos pais, prevalece o medo e perde-se no meio da multidão de pessoas que está à sua volta no parque de diversões ou na Disneylândia.

Portanto, eu percebo o que tu dizes, porque o que tu dizes acontece. Acontece com as crianças e acontece connosco. Não é que a certa altura nos tenhamos tornado loucos, ou tontos, ou incapazes de utilizar a razão. É que essa é a forma como podemos compreender o que estudamos no Sentido Religioso: que a razão não se pode desarticular, separar da totalidade do eu. E, portanto, se separamos a razão da totalidade do eu – visto que a razão está dentro da totalidade do eu -, então prevalece o medo e aí vemos só pelo buraco da fechadura, da ferida. Ao passo que para a criança é fácil recuperar a razão, a verdadeira relação com a realidade que é a relação com a realidade através da companhia dos pais. Assim que a criança reencontra os pais, ela para de chorar, o medo é esquecido e ela começa a relacionar-se com a realidade duma forma verdadeira. Não é porque os pais estão lá que se torna inútil o uso da razão, mas essa é a condição para que a razão que existe na criança possa ser usada adequadamente. E o mesmo acontece connosco.

Por isso Giussani diz que Jesus veio, como vemos naquela passagem do Evangelho, para fazer despertar em nós de novo o uso correcto da razão, pois de outra forma nós perdemo-nos, ficamos confusos, como tantas pessoas ficam perdidas diante desta situação. Já não se usa a razão. Portanto, é como se exactamente esta situação particular, na qual nós não podemos sequer estar ao lado dos outros, nos fizesse perguntar: mas quem é esse Outro que permite que eu use correctamente a razão, seja qual for o desafio que tenho à minha frente, quando não podemos sequer – pelo tipo de vírus que é – estar juntos? É como quando os discípulos estavam na barca durante a tempestade, como dizia ontem o Papa, ou no barco sem os pães. Não há ninguém a quem possas pedir que vá ao supermercado e te traga os pães. Esta é a vantagem duma situação assim, que nos torna conscientes de quem possibilita a geração do nosso eu que, de outra forma, seria nada pois somos arrastados para lá e para cá.

Portanto, este é o conteúdo da Escola de Comunidade que propomos agora: o conhecimento novo, como diz Jesus. Giussani diz que sem a acontemporaneidade de Cristo nós não usamos bem a razão. Por isso, esta é uma ocasião estupenda para verificar até que ponto essa Presença nos é tão familiar a ponto de nos fazer usar a razão de maneira adequada e não sermos vencidos pelo medo. Um prazer vê-los. Bom trabalho!