Não vamos fechar os olhos

Julián Carrón

Artigo de padre Julián Carrón publicado no jornal italiano Corriere della Sera de 28 de dezembro de 2006 com o título “Contribuição sobre o Natal: Fé e niilismo”

Caro Diretor, o contexto humano e cultural em que vivemos pode ser identificado com uma palavra: confusão. Nós nos damos conta disso pela urgência em nós de uma certeza. Toda a confusão em que estamos imersos, de fato, não pode evitar o emergir do desejo de verdade, justiça, felicidade que nos constitui. “Procurei a mim mesmo. Só isto se procura” (Pavese). Insatisfação, inquietação e tristeza nos dizem que o desejo do coração é inextirpável – como um dado que nenhum niilismo pode vencer –. Nem mesmo a nossa mentira, as nossas tentativas de fingir que não existe, é capaz de arrancá-lo. Tanto é verdade, que não vemos outra saída senão odiá-lo: “Quando se anuvia, o coração se agrava como peso insuportável. E é difícil agüentar este peso sem odiar a si mesmo, sem lamentar ter nascido” (Maria Zambrano).
Entende-se este ódio porque, não encontrando a presença que o cumpra, o desejo de felicidade é como um impulso enlouquecido, que não sabe mais para onde ir. Mas também não pode auto-destruir-se porque é constitutivo e quem nos constituiu é um outro, é o Destino. Por isto, mesmo no abismo do esquecimento pode-se reacender o desejo de voltar para casa. Foi assim para o filho pródigo. E o é para quem quer que ainda tenha uma migalha de ternura para consigo, “porque à vida basta o espaço de uma greta para renascer” (Ernesto Sábato).
O coração permanece como baluarte contra o niilismo. Dar crédito ao coração, ao desejo de voltar à casa, é o início da retomada. Parece nada, mas é aquilo de que precisamos para reconhecer a verdade, se por acaso vem ao nosso encontro. No coração, de fato, temos o critério para julgar: “O inferno – escreve Ítalo Calvino – está já aqui. Existem dois modos para não sofrê-lo. O primeiro sai fácil para muitos: aceitar o inferno e tornar-se parte do mesmo, até o ponto de não vê-lo mais. O segundo é arriscado e exige atenção e aprendizagem contínuos: procurar e saber reconhecer quem e que coisa, no meio do inferno, não é inferno, e fazê-lo durar, e dar-lhe espaço”.
Dar espaço a que, se todas as coisas, todos os rostos, mesmo os relacionamentos mais queridos, parecem não ter força e consistência para vencer o inferno? Seria necessário algo excepcional para respirar e viver. O Natal de Cristo é o anúncio desta excepcionalidade que irrompe nos confins cerrados da experiência humana: o Verbo se fez carne, Deus se torna um de nós.
Entretanto, hoje somos acostumados a falar do Natal como sentimento, folclore, rito já sabido, mais do que como fato excepcional, até o ponto que a Fé não interessa quase mais a ninguém, nem mesmo a muitos que freqüentam a Igreja. Os interesses da vida estão em outros lugares. “Mas como é possível – pergunta-se Bento XVI – que um homem diga “não” àquilo que há de maior; que não tenha tempo para aquilo que é mais importante; que feche a própria existência em si mesmo?”. E responde: “Na realidade, nunca fizeram a experiência de Deus; nunca experimentaram quão delicioso é ser “tocados” por Deus!”. Como podemos ser “tocados” por Deus? Só mediante a humanidade mudada de testemunhas, não porque melhores, mas porque tomados, agarrados por um Fato que move toda a sua vida, como aconteceu, de improviso, com os pastores: “Vinde ver! Nasceu para vós um menino!”.
O Natal é assim uma esperança para todos. Basta olhar e deixar-se “ferir” pela sua beleza, assim como descreve a liturgia da noite de Natal: “No mistério da encarnação de Vosso Filho, nova luz da vossa glória brilhou para nós”. Esta admiração ecoa nas palavras de Pasolini: “O olho olha... é o único que pode perceber a beleza… a beleza se vê porque é viva, e, portanto, real. Digamos melhor, que pode acontecer vê-la. Depende de onde ela se revela. O problema é ter os olhos e não saber ver, não olhar as coisas que acontecem. Olhos cerrados. Olhos que não vêem mais. Que não são mais curiosos. Que não esperam acontecer mais nada. Talvez porque não acreditem que a beleza exista. Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito”. Hoje, como dois mil anos atrás. É este infinito desejo que desde então faz a Igreja gritar: “Vinde, Senhor Jesus!”.

Não vamos fechar os olhos

Julián Carrón

Artigo de padre Julián Carrón publicado no jornal italiano Corriere della Sera de 28 de dezembro de 2006 com o título “Contribuição sobre o Natal: Fé e niilismo”

Caro Diretor, o contexto humano e cultural em que vivemos pode ser identificado com uma palavra: confusão. Nós nos damos conta disso pela urgência em nós de uma certeza. Toda a confusão em que estamos imersos, de fato, não pode evitar o emergir do desejo de verdade, justiça, felicidade que nos constitui. “Procurei a mim mesmo. Só isto se procura” (Pavese). Insatisfação, inquietação e tristeza nos dizem que o desejo do coração é inextirpável – como um dado que nenhum niilismo pode vencer –. Nem mesmo a nossa mentira, as nossas tentativas de fingir que não existe, é capaz de arrancá-lo. Tanto é verdade, que não vemos outra saída senão odiá-lo: “Quando se anuvia, o coração se agrava como peso insuportável. E é difícil agüentar este peso sem odiar a si mesmo, sem lamentar ter nascido” (Maria Zambrano).
Entende-se este ódio porque, não encontrando a presença que o cumpra, o desejo de felicidade é como um impulso enlouquecido, que não sabe mais para onde ir. Mas também não pode auto-destruir-se porque é constitutivo e quem nos constituiu é um outro, é o Destino. Por isto, mesmo no abismo do esquecimento pode-se reacender o desejo de voltar para casa. Foi assim para o filho pródigo. E o é para quem quer que ainda tenha uma migalha de ternura para consigo, “porque à vida basta o espaço de uma greta para renascer” (Ernesto Sábato).
O coração permanece como baluarte contra o niilismo. Dar crédito ao coração, ao desejo de voltar à casa, é o início da retomada. Parece nada, mas é aquilo de que precisamos para reconhecer a verdade, se por acaso vem ao nosso encontro. No coração, de fato, temos o critério para julgar: “O inferno – escreve Ítalo Calvino – está já aqui. Existem dois modos para não sofrê-lo. O primeiro sai fácil para muitos: aceitar o inferno e tornar-se parte do mesmo, até o ponto de não vê-lo mais. O segundo é arriscado e exige atenção e aprendizagem contínuos: procurar e saber reconhecer quem e que coisa, no meio do inferno, não é inferno, e fazê-lo durar, e dar-lhe espaço”.
Dar espaço a que, se todas as coisas, todos os rostos, mesmo os relacionamentos mais queridos, parecem não ter força e consistência para vencer o inferno? Seria necessário algo excepcional para respirar e viver. O Natal de Cristo é o anúncio desta excepcionalidade que irrompe nos confins cerrados da experiência humana: o Verbo se fez carne, Deus se torna um de nós.
Entretanto, hoje somos acostumados a falar do Natal como sentimento, folclore, rito já sabido, mais do que como fato excepcional, até o ponto que a Fé não interessa quase mais a ninguém, nem mesmo a muitos que freqüentam a Igreja. Os interesses da vida estão em outros lugares. “Mas como é possível – pergunta-se Bento XVI – que um homem diga “não” àquilo que há de maior; que não tenha tempo para aquilo que é mais importante; que feche a própria existência em si mesmo?”. E responde: “Na realidade, nunca fizeram a experiência de Deus; nunca experimentaram quão delicioso é ser “tocados” por Deus!”. Como podemos ser “tocados” por Deus? Só mediante a humanidade mudada de testemunhas, não porque melhores, mas porque tomados, agarrados por um Fato que move toda a sua vida, como aconteceu, de improviso, com os pastores: “Vinde ver! Nasceu para vós um menino!”.
O Natal é assim uma esperança para todos. Basta olhar e deixar-se “ferir” pela sua beleza, assim como descreve a liturgia da noite de Natal: “No mistério da encarnação de Vosso Filho, nova luz da vossa glória brilhou para nós”. Esta admiração ecoa nas palavras de Pasolini: “O olho olha... é o único que pode perceber a beleza… a beleza se vê porque é viva, e, portanto, real. Digamos melhor, que pode acontecer vê-la. Depende de onde ela se revela. O problema é ter os olhos e não saber ver, não olhar as coisas que acontecem. Olhos cerrados. Olhos que não vêem mais. Que não são mais curiosos. Que não esperam acontecer mais nada. Talvez porque não acreditem que a beleza exista. Mas no deserto de nossos caminhos Ela passa, rompendo o limite finito e enchendo os nossos olhos de desejo infinito”. Hoje, como dois mil anos atrás. É este infinito desejo que desde então faz a Igreja gritar: “Vinde, Senhor Jesus!”.