A iminência da Sua vinda

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Luigi Giussani

Notas de uma palestra de Luigi Giussani no retiro de Advento dos Memores Domini, 28 de novembro de 1971

O primeiro domingo do Advento nos faz iniciar a nova vida da Igreja, um novo ano. Um ano, na vida, tem uma grande importância, pois há oitenta, noventa anos na vida (oitenta na melhor das hipóteses e noventa se tivermos uma sorte excepcional). Desses oitenta ou noventa anos, quinze, quando não vinte, são perdidos inutilmente, ou quase, são inconscientes (para quem encontrou a comunidade cristã, em vez de vinte, digamos dezessete!). Portanto, um ano tem uma grande importância na vida. E ainda que, de um certo ponto de vista, possa parecer artificial dividir o tempo dessa forma, creio que dar importância a essa divisão seja muito mais inteligente que artificial. A Igreja aumenta em muito essa certeza, pois, com o ano litúrgico, seguindo – pelo menos para nós, do mundo ocidental – o ritmo da natureza e comparando a esse ritmo o ritmo da existência cristã (da existência cristã como história e como pessoa), ritmando assim o seu ano pelo tempo da natureza, que de modo tão imediato simboliza e demarca o tempo da existência pessoal e da existência histórica, a Igreja realiza de fato uma obra pedagógica não indiferente.
Acredito ser realmente muito importante este momento. E este momento é importante, uma vez que chamemos a atenção para ele, muito mais pelo acontecimento de uma consciência em nós, de uma vigilância em nós, que pelas palavras que possamos ouvir sobre ele. Algumas palavras podem ajudar a nossa consciência, é verdade. Mas todo o problema está na nossa consciência.

1. A iminência da Sua vinda
Nesse sentido, a liturgia do primeiro domingo [ano A: Is 2,1-5; Sl 121; Rm 13,11-14; Mt 24,37-44] me parece decisiva. Do livro do profeta Isaías, capítulo 2, versículos 1-5: “Visão de Isaías, filho de Amós, sobre Judá e Jerusalém [“visão”, portanto intuição do projeto divino, “sobre Judá e Jerusalém”, sobre o povo que foi escolhido e sobre sua morada, que, diferentemente de qualquer morada humana, tem um significado imperecível, porque a morada do povo de Deus constitui o sinal, o sacramento, da última morada humana, que é o paraíso]. Acontecerá, nos últimos tempos, que o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas. A ele acorrerão todas as nações, para lá irão numerosos povos e dirão: ‘Vamos subir ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos’; porque de Sião provém a lei e de Jerusalém, a palavra do Senhor. Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate. Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,1-5).
A primeira palavra que o texto de Isaías nos sugere é uma palavra que deve determinar imediatamente a consciência da definitividade. A consciência da definitividade é como que a consciência de nós mesmos: é permanente. Poderia ser já um exame de consciência ou um conteúdo de contrição para a missa de hoje, para este dia e para o seu sacrifício. A consciência da definitividade deve nos acompanhar como autoconsciência de nós mesmos, como a consciência de nós mesmos, como uma autoconsciência. De fato, a autoconsciência é consciência de algo definitivo, pois o nosso eu é definitivo. Mas ainda mais definitivo é o significado do nosso eu. E o significado do nosso eu é Jesus Cristo e o Seu mistério; por isso, a definitividade diz respeito à nossa adesão a Ele, à nossa adesão segundo a fórmula que Ele decidiu para a nossa vida (pois não há outra fórmula; para aderir a Ele, existe somente a fórmula que Ele decidiu para a nossa vida). A consciência da definitividade é como que o sintoma mais exato da verdadeira autoconsciência cristã, da autoconsciência que nos faz perceber a vida como vocação.
Há uma palavra que torna imediatamente viva a consciência da nossa definitividade: sem essa palavra, a definitividade não é viva, pode ser um automatismo já instaurado. Percebam, por favor, que não pretendo fazer observações abstratas: digo, salientando a postura de alguns de vocês, que a definitividade é vivida como um automatismo. E é uma tentação que todos temos, é uma tentação para todos nós, viver a definitividade como automatismo. Sem a palavra que estou para dizer, a definitividade é automatismo. Por isso, como todo automatismo, aplicado à vida consciente, à vida inteligente, à vida da sensibilidade, à vida da liberdade e da vontade, torna-nos rígidos. É uma rigidez que parece não importar para a nossa consciência, quando não permite pecados mortais; mas é tamanha essa rigidez, que quando a temos não carregamos nenhum sinal de Cristo pelo mundo e muito menos em “casa” [a forma de convivência estável entre os Memores Domini]. Ou então o automatismo provoca uma rigidez que, de diferentes formas, nos torna fariseus, ou seja, tende a fazer da nossa postura o paradigma para os outros: a medida da nossa exigência, que se torna portanto pretensão, é a medida da bondade dos outros, do valor dos outros, da utilidade da casa ou da utilidade dos relacionamentos. Ou então leva a um farisaísmo que no fundo – diante das nossas licenças, diante das liberdades que tomamos e que escandalizam a casa ou escandalizam os relacionamentos ou nos isolam dos relacionamentos, nos tornam inúteis, fúteis, vazios, sem produtividade nos relacionamentos – nos faz dizer: “Mas que mal há nisso?”, ou: “Mas o que é que eu posso fazer? No fundo, o que é que eu posso fazer?”; que, se não for uma forma teórica de nos justificarmos, será uma forma de nos justificarmos diante de nós mesmos, quase um aborrecimento ao pensar de que outros possam fazer alguma objeção ao modo como nos comportamos.
É um automatismo que torna tudo rígido e a vida espiritual sem gosto, que torna sem nenhum saber, sem nenhum sabor, a vida do nosso espírito; ou então é um automatismo farisaico, que faz da nossa pretensão a medida da convivência (quando temos vontade de falar, os outros devem falar, e quando temos vontade de “nos guardar” para nós mesmos, não podem pretender nada; temos o direito de nos calar e de falar quando e como quisermos, encerrando no fundo da alma aquela pretensão característica, aquele sentimento de pretensão que, ainda que não ousemos explicitá-lo, os outros sentem claramente, como quando esbarram em nós com o cotovelo e veem a cara que fazemos); ou então é o farisaísmo que justifica o nosso comportamento, se não teoricamente, pelo menos ad usum delphini, para nós mesmos. A nossa definitividade decai inevitavelmente em tudo isso que eu disse – pois estou descrevendo vocês, estou descrevendo a todos nós –, sem a palavra que o profeta Isaías nos disse, antes de qualquer outro. E a palavra é que Cristo, a Sua vinda, é iminente: a iminência da Sua vinda.
Como o vocabulário é cheio de jogos! Porque “iminência”, em italiano, se diz também “incombenza”, que significa duas coisas: um dever, uma incumbência, e uma coisa que paira sobre você, iminente. Iminência significa dever e iminência. Eu quero sublinhar em primeiro lugar o segundo aspecto, pois é evidente que o primeiro deriva dele: algo iminente, se não for sem nenhuma importância, torna-se um dever, suscita e impõe um dever.
A iminência da Sua vinda. “Irmãos”, diz São Paulo na Carta aos Coríntios, “vós sabeis em que tempo estamos, pois já é hora de despertar. Com efeito, agora a salvação está mais perto de nós do que quando abraçamos a fé. A noite já vai adiantada, o dia vem chegando” (Rm 13,11-12), é tempo de despertar do sono. Diz o Evangelho de Mateus: “Tal como naqueles dias eles nada perceberam até que veio o dilúvio e arrastou a todos, assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem. Ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor. Compreendei bem isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. Por isso, também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Cf. Mt 24,38-39.42-44). É uma iminência que tem como significado privilegiado, como significado supremo, o literal: a iminência da morte; pois a morte é o Filho do homem que vem, segundo toda a amplitude do significado dessa vinda. Mas esse não saber quando a morte virá, esse ter de estar alerta, esse fim dos dias em que o Senhor “estabelecerá o monte de sua casa”, o fato de não sabermos o momento em que o Senhor virá torna muito mais claro, aliás, é a única forma de tornar a consciência das nossas ações toda propensa ao significado final ou determinada por ele.
Cada ação nossa, cada momento é um passo para o Senhor que vem. Por isso, cada ação e cada momento é o Senhor que vem, da mesma forma como cada ação, cada momento pode ser o último. Se o medo fosse dominado pelo desejo, se o temor fosse dominado pela espera! Isso é viver a iminência do Senhor que vem, isso é viver a incumbência de Cristo, da vinda de Cristo. Literalmente, cada ação tem seu significado na vinda dEle, no sentido restrito da palavra, que é a morte.

2. Vigilância e contrição
Quando Ele vier, julgará. É o segundo momento da nossa reflexão, o segundo ponto da nossa meditação. Quando Ele vier, julgará. Naquela hora, como diz o Evangelho de São Mateus, “dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada” (Cf. Mt 24,40-41). Quando o Senhor vier, julgará. Como é bela a canção “Cantai ao Senhor”, que termina o seu grito jubiloso com o pensamento de que o Senhor vem para julgar a terra inteira. Essa é a espera e o desejo que dominam e que governam o temor e o medo. O medo e o temor eliminam em nós, sem que percebamos, o pensamento mais racional que podemos ter: não existe pensamento que seja racional se não for consciência da finalidade; uma ação só é racional na medida em que é carregada da consciência da finalidade. Nenhum pensamento é mais racional que aquele que enche o nosso espírito da Sua iminência, da Sua incumbência, da iminência da Sua vinda. Mas o medo e o temor eliminam isso, salvo quando o reproduzem em algum momento, em que – se a espera e o desejo não agem, como a dinamite quando abre uma passagem – põem como uma carga sobre a vida cristã essa rigidez pela qual a vida cristã já não é testemunho para ninguém e se transforma apenas num jugo sem a suavidade prometida (Cf. Mt 11,30).
A espera e o desejo são o que deve determinar e dominar o medo e o temor. O medo e o temor continuam a existir, mas existem como espera e desejo; são subvertidos, portanto, pelo amor. Pois no amor continua a existir o temor, e o “santo temor de Deus” indica esses dois componentes da nossa consciência de relação com Cristo, da consciência da relação da nossa vida com o eterno e com Deus. Porém, a forma desse temor, o que o determina, a face dessa matéria rústica e bruta que é o temor, é o amor, onde “o amor lança fora o temor” (1Jo 4,18), dizia São João na sua primeira carta; “lança-o fora”, ou seja, transfigura-o. De fato, também no amor de homem e mulher, ou no amor dos filhos pelos pais, não existe amor sem respeito, sem reverência – reverência é uma palavra latina que significa temer, revereor. Pois o nosso amor nunca é de igual para igual. Um amor de igual para igual, para nós, seria como um contrato comercial: de fato, esse é o ideal do matrimônio segundo a mentalidade burguesa ou segundo a mentalidade da contestação estudantil, ainda que carregue as bandeiras parisienses de maio de 1968. Nós somos dependência de todas as coisas, justamente porque todas as coisas revelam o desígnio de Deus para nós. Todas as coisas, ou seja, cada objeto, cada pessoa e cada acontecimento.
Então, no fim Ele julgará. A Sua vinda será um juízo. Como é possível tornar um juízo espera e desejo, se esse juízo não se torna, não tende a se tornar paradigma, ou seja, critério, inspiração, lei de toda ação (segundo a qual toda ação é um passo, todo momento é um passo para esse fim ou essa finalidade)? Só se esse juízo se torna paradigma, lei, medida, inspiração, ou seja, tende a determinar a ação (cada ação, cada passo), é que cada passo se torna espera e desejo, espera de desejo; então, cada passo se torna amor e o amor transfigura o temor, e a reverentia se torna “devoção”, um voto de todo o próprio ser, uma dedicação do próprio ser, um amor, enfim.
“Despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz. Procedamos honestamente, como em pleno dia [como “naquele” dia, pois é aquele dia final que ilumina todos os dias da existência; não é o primeiro dia, pois o primeiro dia foi como uma semente; é “aquele” dia que permite ver todas as dimensões, todas as implicações da semente; é o desejo do fim que permite viver o princípio]: nada de glutonerias e bebedeiras, nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades. Pelo contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo [revesti-vos do juízo, do juízo final, pois o juízo final é a Sua vinda, ou seja, é Ele que vem] e não procureis satisfazer os desejos da carne [não segui os critérios do mundo, ainda que isso corresponda a todas as inclinações que o pecado original desperta em nós]” (Rm 13,12-14).
“Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”: identificai-vos com o Senhor Jesus Cristo; que a ação seja desejada como imitatio Christi, como imitação de Cristo. Mas a imitação de Cristo, na sua forma mais completa, completa como forma, não é a virgindade? “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”: que toda ação seja inspirada na virgindade, tenha a virgindade como forma! “Se alguém quer me seguir” (Cf. Mt 16,24)... “Segue-me”. Segue-me, segui-me: “Por onde tiver passado o Mestre, por lá passarão os discípulos”; “Como trataram a mim, tratarão a vós” (Cf. Jo 15,20). Cada ação e cada momento, portanto, antecipam o juízo final.
Toda ação é um juízo. Que coisa artificial, que retórica espiritual, que forçação bastante facilmente perceptível, que episódio sem nenhum verdadeiro reflexo sobre a vida, que insignificância em comparação com a vida realizada pode ser a Confissão – o sacramento – ou a contrição com que a comunidade cristã exige que seja aberta a assembleia! Como é eliminada cuidadosamente do nosso dia qualquer notícia de juízo, do juízo! Isso era chamado “exame de consciência” porque a redução intelectualista, racionalista e voluntarista da Igreja destes quatrocentos anos esqueceu que o verdadeiro termo é “contrição”. A contrição do centurião: “Senhor, eu não sou digno” (Mt 8,8), ou a de Pedro: “Afasta-te de mim, porque sou um pecador” (Lc 5,8); a contrição, que deve existir em cada um de nossos dias e que é um juízo. Cada ação nossa é um juízo que se realiza, porque cada ação nossa antecipa o juízo final, a Sua vinda. E a ação é um juízo, como o emitido por Cristo no capitulo 25 de São Mateus (“Vinde, benditos”), e por isso é cheia de amor e por natureza toda propensa à realização da Sua vinda no mundo; e se é um juízo como o do capítulo 25 (“Afastai-vos de mim, malditos”), então é choro e ranger de dentes desde já; e assim a contrição elimina o inferno, assim a contrição transforma em espera e desejo da Sua vinda até mesmo a ação injusta, até mesmo a ação que é “mal”. “Livra-nos do mal”!
Mas a contrição cotidiana, na medida em que a maturidade cristã caminha, está sempre à nossa espera na porta, e nós a abraçamos e a tomamos pelo braço, caminhamos com ela, nos abandonamos a ela cada vez que saímos, ou seja, a cada ação nossa, tendencialmente, mas pelo menos à noite. Sobretudo, porém, a contrição que está no início da assembleia cristã ou a contrição que está dentro do coração da nossa participação do mistério de Cristo, que é o sacramento da Confissão, essa contrição deve qualificar o nosso ano. Sem essa contrição, a nossa espera, o nosso desejo é infantil demais ou ligeiro demais, é um pouco superficial, ou seja, tomado demais por óbvio. Só com a contrição a iminência e a incumbência de Cristo são esplendidamente vivas em nós, e a vigilância se realiza. A vigilância, portanto, é contrição. Existencialmente, ao longo do caminho da nossa existência, a vigilância é contrição repleta de amor; é ela que alimenta a espera e o desejo, e está na espera e no desejo a consciência clara, a experiência real, da iminência e da incumbência de Cristo. “Como naqueles dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e nada perceberam até que veio o dilúvio e arrastou a todos, ficai atentos” (Cf. Mt 24,38-39.42). “Ficai atentos”: é a nossa ação, a nossa expressão como juízo, o nosso momento como juízo.
Como é possível termos em nós a autoconsciência que é consciência de nós mesmos como identificados com Cristo? Cristo não é o Cristo dos mortos, mas o dos vivos, o Cristo vivo, portanto o Cristo que está por vir, o Cristo morto e ressuscitado que está por vir. Como podemos viver essa autoconsciência cristã, a não ser como sentimento vivo da iminência da Sua vinda, como sentimento da vida que tem como ponto culminante a morte, como sentimento da morte, mas por meio da consciência da ação, que antecipa a morte? A morte é juízo e a ação, que é juízo, antecipa esse juízo, pois esse juízo será o resultado destes juízos: “Quem pratica o mal já está julgado” (Cf. Jo 3,18). Nós já estamos julgados, e por isso “passamos da morte para a vida” (1Jo 3,14), pois “quem nos condenará? Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou por nós?” (Cf. Rm 8,34) Mas é preciso que esse “por nós” se torne nosso, torne-se consciência.
Portanto, a vigilância é o tema que a Igreja põe no início do nosso novo ano de vida, como sentimento da iminência da Sua vinda, como – portanto – espera e desejo da Sua vinda, que, para não serem superficiais e efêmeros, devem nascer da contrição, pois a nossa existência não vive assim, vive menos que isso, muito menos que isso. Portanto, podemos dizer que no início deste ano de vida está a palavra contrição, precisamente como exercício do espírito, como ascese, como gesto da nossa ascese; é como o tema da nossa consciência pessoal este ano. A contrição no dia, a contrição da noite ou da manhã – que invada o máximo possível todo o nosso dia, que tenda a se tornar o máximo possível início de cada ação, início de cada relacionamento, sempre à espera na porta de casa, companhia imediata para qualquer saída nossa –; mas sobretudo a contrição no início da missa – verdadeira, dita ou não dita: dizê-la deve aumentar a verdade – e no sacramento da Confissão, que a maior parte de nós ainda não vive. A vigilância como contrição, a vigilância da iminência de Cristo como contrição.

3. Construir a casa de Deus
Dissemos no início – é o terceiro e último pensamento – que a iminência tem um outro significado: é sinônimo de dever. Qual é o dever? Aquilo pelo qual nos é dada a vida, aquilo pelo qual nos é dada a vida cristã e aquilo pelo qual nos é dada a vocação à virgindade, aquilo pelo qual nos é dada a vida que é vocação. Por que fomos chamados? Para quê? Seria interessante ouvir as respostas de vocês. A vida nos é dada para a missão, e tão somente isso, para sermos colaboradores do desígnio de Deus, que é Cristo. E nós o conhecemos, “nós possuímos o Espírito de Cristo” (Cf. 1Cor 2,12). “Nós possuímos o Espírito de Cristo”: ele nos é dado para a missão. Diz o Salmo de hoje: “Que alegria, quando ouvi que me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor!’ E agora nossos pés já se detêm, Jerusalém, em tuas portas. A sede da justiça lá está e o trono de Davi. Rogai que viva em paz Jerusalém, e em segurança os que te amam! Que a paz habite dentro de teus muros, tranquilidade em teus palácios! Pelo amor que tenho à casa do Senhor” (Sl 121,1-2.5-7.9). De fato, é lá que “mostra-se, ó Senhor, vossa bondade”; é lá que nos concedes a salvação (“A salvação está muito mais perto de nós do que quando abraçamos a fé”)! A missão é construir Jerusalém. Mas o que significa construir Jerusalém, o que significa construir a casa de Deus, o que significa construir a Igreja? “Que viva em paz Jerusalém, e em segurança os que te amam! Que a paz habite dentro de teus muros, tranquilidade em teus palácios! Por amor a meus irmãos e meus amigos, peço: ‘A paz esteja em ti!’ [te desejo todo bem]” (Sl 121,6-8). Esta é a sede do juízo: aquele que deseja o bem. Esta é a sede da casa de Davi: aquele que diz “a paz esteja em ti”. E assim “o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas. A ele acorrerão todas as nações, para lá irão numerosos povos. ‘Vamos subir ao monte do Senhor, para que ele nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos’; porque de Sião provém a lei e de Jerusalém, a palavra do Senhor. Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate. Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Cf. Is 2,2-5). Construir a Igreja significa construir uma trama de caridade, a fraternidade dos filhos de Deus. Só do lugar da fraternidade provém o juízo sobre as nações, sobre os povos; por isso, só de um lugar de fraternidade vem luz para os outros, e as pessoas afluem. Quem quer, quem tem os olhos abertos, quem é puro de coração aflui, quem é pobre de espírito sabe aonde deve ir. Só da trama de fraternidade provém o juízo: quem é pobre de espírito sabe aonde deve ir. Só a trama de fraternidade, só a trama da caridade, só a trama de relacionamentos vividos como comunhão, só isso julga o mundo: “Não sabeis que devemos julgar o mundo?” (Cf. 1Cor 6,2). Essa é a casa de Deus: não estabelecida sobre uma colina ou outra, mas “estabelecida no ponto mais alto acima de todas as colinas”; ela mesma é a colina para a qual todos os povos que se arrastam na planície olham, na medida em que são pobres de espírito. É só na fraternidade que é possível entender o que dizemos, que o nosso discurso pode ser entendido realmente, não no sentido de saber repeti-lo, não no sentido de saber dizê-lo de novo, não no sentido de saber construir ideologias a partir dele. Só quem vive essa trama de caridade entende o discurso, muito mais que os nossos homens cultos, que todos os nossos homens cultos. Só vivendo uma trama de fraternidade e de comunhão, enfim, somos missionários, somos apóstolos, anunciamos. O anúncio está aí e tão somente aí. Por isso, o juízo final é sobre a caridade, sobre a comunhão e, ao mesmo tempo, sobre o testemunho. São os únicos dois conteúdos do juízo final indicados pelos Evangelhos: o testemunho de Cristo (“Que produzais fruto”) e a comunhão (capítulo 25 de São Mateus: “Eu estava com fome e me destes de comer”). O juízo final é isso, é claro, pois o juízo final tem como critério, como conteúdo Cristo, é uma comparação com Cristo, não com leis, é a comparação com uma realidade ocorrida na história da nossa vida: um fato que nos tomou, nos envolveu em Sua comunhão, e tão somente isso. Assim, cada ação nossa, cada momento, na vigilância, deve ser comunhão e paixão – como diz São Paulo, no capítulo 5 da Segunda Carta aos Coríntios –, paixão de testemunho, paixão de anúncio, paixão missionária. A partir disso se julga a ação, o momento: a partir da sua paixão de missão e da sua realidade de comunhão, e tão somente isso. Pois é isso que salva o mundo: “Não tenhais medo, pequenino rebanho: eu salvei o mundo, eu venci o mundo” (Cf. Lc 12,32; Jo 16,33). Mesmo que tivéssemos nas mãos os governos da China, da Rússia e dos Estados Unidos, Cristo nos diria: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, eu venci o mundo”, não a vossa força. E a força com que vence o mundo é a comunhão da qual Cristo nos torna capazes e o anúncio do qual nos torna capazes – a palavra de Deus “convertens animas” (Sl 19,8) –, que arrebata o homem. Este, e só este, é portanto o objeto da contrição: se foi comunhão o relacionamento, se foi comunhão ceder ou não ceder, se foi comunhão a contribuição ou a fuga, se foi comunhão o sacrifício, o trabalho ou o repouso, e se foi dominado pela paixão da missão. A contrição se dá, portanto, sobre a ausência, sobre a desproporção da caridade, da caridade com Cristo: a paixão do testemunho, em que a nossa vida deveria morrer – mártir! –, e a caridade com os outros – que é a mesma coisa –, comunhão. Pois é por meio da comunhão que o testemunho se verifica e é na paixão da vontade de testemunhar que se torna possível a comunhão, que se torna possível o relacionamento como comunhão. Do contrário, “ainda que eu entregasse o meu corpo às chamas e todos os meus bens aos outros, se não tivesse a caridade, isso de nada me serviria” (Cf. 1Cor 13,3).