Com o infinito no coração

O homem de hoje, a violência, a necessidade de eternidade.
De «Corriere della Sera»
Luigi Giussani

“Senhor, nós não nos moveremos daqui se não caminhares conosco.” Estas palavras de Moisés em seu sublime diálogo com Deus voltam-me à mente nestes dias tumultuosos, violentos mesmo, na Itália e no mundo. O que pode garantir a um homem de hoje a possibilidade de caminhar com segurança, quando a violência parece corroer os relacionamentos e as ações? A consciência da inexorável positividade do real: é aqui, precisamente, que a Igreja identifica Deus como autor e afirmação da vida humana; que não abandona a vida depois de tê-la chamado a existir. Com efeito, diante da invocação de Moisés, o Senhor responde: “Eu caminharei contigo”.

“Deus não está apartado do mundo – escreveu o Papa ao Meeting de Rímini –, mas intervém. Ele se interessa por aquilo que o homem vive, dialoga com ele, cuida dele. Tudo isso é testemunhado pela história de Israel”, da qual nos sentimos descendência: caminhando todos os dias, dentro e através da floresta dos erros e contradições, de modo tal que não nos achamos diferentes dos outros, pelo contrário, vemo-nos cada vez mais claramente iguais a todos os outros, mas tendo dentro algo diferente que incide sobre a nossa vida.

É por isso que ficamos tranqüilos até em meio à tempestade, não como estóicos indiferentes a tudo e a todos, mas porque seguros de prosseguir pelo caminho.

“Toda a vida pede a eternidade.” Essa frase, extraída de uma canção composta há quarenta anos por duas colegiais de Milão – que meus amigos do Meeting escolheram como tema do seu encontro em Rímini –, documenta o primeiro ímpeto pelo qual sinto descrita a minha experiência: uma paixão pela humanidade. Não a humanidade como objeto de uma definição de sociólogos ou filósofos, mas aquela que me comunicaram meu pai e minha mãe. Não existe humanidade a não ser no eu, do contrário seria uma abstração em nome da qual podem ser feitas as mais terríveis injustiças. Portanto, é necessária uma seriedade extrema para notar, para tomar consciência das exigências, das aspirações que definem o humano.

O verso inicial da canção que citei diz: “Pobre voz de um homem que não existe; a nossa voz, se não tem um porquê”. O limiar do porquê é a aspiração por um significado que tudo explique e realize. Um homem que negligencia essa aspiração não ama realmente a si mesmo: é como se fugisse, é como se ficasse sempre de fora. Preenche o silêncio com o clamor dos seus pensamentos, sendo incapaz ou tendo medo de se deparar com a nudez, com a pobreza inerente às exigências, às perguntas profundas de que é constituído, para as quais sua mãe o fez. Foge por meio da distração e normalmente busca refúgio no esquecimento ou, pior, na justificação daquilo que faz. Assim, a ideologia domina não apenas a sociedade, mas também o pequeno mundo das relações particulares, familiares e de amizade.

A insatisfação a que se chega, mesmo depois de todo sucesso – pois todo sucesso, após o primeiro momento de embriaguez, sempre repropõe um problema –, confirma que o homem está em busca do seu caminho.

O acontecimento cristão existe para responder ao pedido de infinito que é o coração do homem. De forma a que o homem possa caminhar: “homo viator”, um homem que se aproxima por meio do movimento que nele foi inserido, que nele foi feito nascer pelo Mistério que faz todas as coisas, movimento do qual se torna consciente pelo encontro, pelos encontros da vida.

Cristo invade o nosso eu na sua totalidade, e por isso todas as ações são influenciadas, determinadas por essa relação. De resto, essa é a razão pela qual a Igreja, como escreveu Galli della Loggia no Corriere, é “irredutível” a qualquer poder do mundo. Na experiência católica, a relação com Cristo é uma relação entre homens: insinua critérios, purifica pontos de vista, sustenta nas decepções, sugere soluções, sobretudo não permite a parcialidade, a facciosidade, e faz com que se tenda a reconhecer e a enfrentar a totalidade dos fatores presentes na realidade. Sim, a totalidade dos fatores nos relacionamentos, na sociedade, na política, que deveria ser o lugar em que essa totalidade é considerada. Dessa forma não se descarregaria sobre a política a responsabilidade de dar a salvação. O século que passou demonstrou que essa pretensão se torna parcialidade, facciosidade, ideologia, ídolo moderno: “usura, luxúria e poder”, como dizia Eliot.

Para o cristão fiel ao Papa e à Tradição, não existe expressão da vida que não possa ser tomada pela consciência da relação com Cristo. Na nossa experiência, essa relação impele a reconhecer uma verdade que, sem dar tréguas, diante de todos os problemas, torna-nos sem pretensão, sem preconceitos, indomitamente abertos a tudo e a todos, humildes e sempre capazes de retomar e de mudar.

Procurar viver dentro deste ponto de vista é o enfrentamento do real que me foi dado, como dever do coração, por aquele que amou a minha vida.