Ecumenismo

Extraído de Giussani, Luigi; Alberto, Stefano; Prades, Javier. Generare tracce nella storia del mondo. Milano: Rizzoli, 2001, pp. 157-161
Luigi Giussani


O olhar cristão vibra por um ímpeto que o torna capaz de exaltar todo o bem que existe em tudo o que se encontra, enquanto lhe permite reconhecê-lo como participante daquele desígnio cuja atuação será cumprida na eternidade e que nos foi revelado em Cristo.
O ponto de partida do ecumenismo é o acontecimento de Cristo, que é o acontecimento da verdade de tudo que existe, de todo o tempo e o espaço, da história. É o acontecimento da verdade no mundo: o Verbo se fez carne, a verdade se fez presença humana na história e permanece no presente. Esta Presença investe – tende a investir – toda a realidade. Onde há consciência clara da verdade suprema que é o rosto de Cristo, revela-se alguma coisa de bom ao olhar tudo o que se encontra. O ecumenismo, então, não é uma tolerância genérica que pode ainda deixar o outro como estranho, mas é um amor à verdade que está presente, nem que seja como fragmento, em qualquer um. O cristão, toda vez que encontra uma realidade nova, aborda-a positivamente, porque ela possui algum reflexo de Cristo, algum reflexo de verdade.
Nada fica excluído desse abraço positivo: tal universalidade é o resultado da missionariedade ligada à condição do batizado desde que foi escolhido por Deus e ao destino em vista do qual é por Ele escolhido. A tarefa do batizado é a missão universal que Deus lhe comunica como participação à grande missão de Cristo. Portanto, quanto mais ele se lança na missão, mais ele fica pronto a descobrir em cada coisa o bem resíduo, o fragmento, ou o reflexo de verdade. Como eu sou parte da realidade de Cristo, olho as montanhas, a manhã e a tarde, toda a realidade, antes de tudo procurando a raiz última em cada coisa que vejo. E a persuasão de que a verdade está em mim, é comigo, torna-me extremamente positivo diante de tudo: não equivocado, mas positivo. Se existe um milésimo de verdade numa coisa, eu o afirmo. Nasce assim uma aproximação "crítica" da realidade, de acordo com a expressão de São Paulo: "pánta dokimázete, tò kalòn katéchete" (1Ts 5,21); "examinai tudo e ficai com o que tem valor", o belo, o verdadeiro, aquilo que corresponde ao critério original de vosso coração.
O acontecimento de Cristo é a verdadeira nascente da postura crítica, enquanto esta não significa encontrar os limites das coisas, mas descobrir-lhes o valor. A este propósito, existe o episódio atribuído a Cristo por um ágraphon ("Que não foi escrito", em grego; ndt), segundo o qual, enquanto atravessava os campos, Jesus viu a carcaça apodrecida de um cão; São Pedro, que andava na frente dele, disse: "Mestre, desvia-te", mas Jesus, pelo contrário, avançou e, parando a um passo do cão exclamou: "Que dentes brancos!" (cf. DUNKERLEY, R. Unwritten Gospel. Ana and Agrapha of Jesus. London: Allend and Unwin Ltd, 1925, p. 84). Era a única coisa boa naquele corpo apodrecido. Os limites saltam aos olhos de todos de forma esmagadora, o valor verdadeiro das coisas, ao contrário, encontra-o somente quem possui a percepção do ser e do bem, quem faz emergir o ser e o faz amar, sem olvidar, cortar, fechar ou negar, já que a crítica não é hostilidade às coisas, mas amor a elas.
(…) Existe, pois, uma única nascente de olhar positivo a tudo. Ao contrário, quem é apegado a uma identificação parcial, à “sua” verdade, não pode deixar de estar diante de tudo defendendo aquilo que ele afirma, a não ser que seja completamente cético ou niilista. Frequentemente, aqueles que guiam os povos e têm responsabilidades a diversos títulos, se estão cheios de bom senso, favorecem um certo "ecumenismo", porque têm o terror da guerra e da violência, que nascem inevitavelmente quando alguém afirma só a si mesmo. Parece, assim, que o fato de juntar-se, cada um tentando respeitar o rosto do outro, possa representar a realização da eirene (Paz, em grego; ndt). Mas esta não é paz, é um equívoco. Com efeito, ela resulta ser – na melhor das hipóteses – tolerância, isto é, radical indiferença. O termo "ecumenismo", assim como usualmente agora é conclamado, parece indicar a expressão melhor da boa vontade de quem, seja ele um chefe religioso ou político, tem coração bom e está a reger o povo. Esse "ecumenismo", entendido como confraria das diversas tentativas filantrópicas para construir o mundo, revela-se como o principal inimigo da identidade cristã. Ele, de fato, na melhor das hipóteses, é uma tentativa de tolerância onde cada um fica atento aos seus interesses e, dos outros, pega o que lhe convém. Mas, se a pessoa favorece apenas os próprios interesses particulares, acaba por olhar os outros como inimigos potenciais, dos quais se deve defender: diante daquilo que mais interessa, a pessoa de fato cessa de ser tolerante.
Ao contrário, a ecumenicidade católica é aberta a todos e a tudo, até os últimos matizes, pronta para exaltar com toda a generosidade possível aquilo que tem uma também longínqua afinidade com o verdadeiro. Mas é intransigente acerca da equivocidade possível. Se alguém descobriu a verdade real, Cristo, avança tranqüilo em todo tipo de encontro, com a certeza de encontrar em cada um uma parte de si.
O ecumenismo verdadeiro descobre sempre coisas novas, de tal forma que nunca há uma total repetição: a pessoa é arrebatada por um absoluto assombro do belo. É da beleza que nascem continuamente imagens de possibilidades insuspeitadas para restaurar as casas destruídas e construir as novas (cf. Is 58,12). Esta abertura permite encontrar a própria casa junto de qualquer um que conserve um fragmento de verdade, estar a vontade em todo lugar. É o conceito de catolicidade entendido não geograficamente (come o foi a partir de ’500 em diante), mas ontologicamente definido pelo verdadeiro.
Diz a Imitação de Cristo: "Ex uno Verbo omnia et unum loquuntur omnia, et hoc est Principium quod et loquitur nobis" ("Da única Palavra tudo vem, e uma só Palavra tudo grita, e este é o Princípio que também nos fala"; cf. Imitação de Cristo, Livro Primeiro, 3,8). Não é possível encontrar outra cultura que defina qualquer coisa com um abraço tão unitário, potente e sem reservas. Dizia Jacopone da Todi, no século 13, que tudo acontece para que todos juntos possamos ir ao "reino celeste que cumpre todas as festas / que o coração almejou" (TODI, Jacopone da. Cantico de la nativitá de Iesú Cristo, lauda XIV. In Le Laude. Firenze: Libreria Editrice Fiorentina, 1989, p. 218). E, ainda, no mais belo verso da literatura italiana: "Amor, amore, omne cosa conclama" (Amor, amor, todas as coisas conclamam, TODI, Jacopone da. Como l’anima se lamenta con Dio de la carità superardente in lei infusa, lauda XC. In: Le Laude. Firenze: Libreria Editrice Fiorentina, 1989, p. 318). A palavra Amor deve ser entendida no seu sentido último, isto é, como sinônimo de Cristo, de Deus que se debruçou sobre nós e nos abraçou. As coisas, todas juntas, gritam a verdade. Todas as coisas: as flores do campo, as folhas da árvore, todas as agulhas de todos os pinheiros da terra (quem sabe como Deus pode faz para contar todas!?).