Francisco nos indica onde fixar o olhar

Julián Carrón

É lugar comum no mundo da informação que uma notícia se desgasta, não consegue prender a atenção para além de um certo limite. Já o gesto imponente da renúncia de Bento XVI parecia ter “desgastado” boa parte dessa atenção, centrada sobre o coração do mistério de Cristo e da Sua Igreja. Apesar disso, logo depois de ter visto Ratzinger desaparecer com um sorriso, a atenção da mídia concentrou-se em Roma, em torno dos Cardeais eleitores. É difícil evitar a pergunta sobre o que esconde a figura do sucessor de Pedro, pergunta que gera uma atenção e um atrativo que vão muito além das “medidas” normais dos eventos midiáticos.

Durante as quase duas semanas de duração da sede vacante, forneceram-se, explícita ou implicitamente, muitas hipóteses sobre a natureza do fenômeno chamado Igreja Católica. Foram dias nos quais revivemos a pergunta que o próprio Jesus dirigiu a Seus discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”. E os homens tentaram responder também hoje, quase com pressa, como se fosse um fenômeno que exigisse uma explicação. E responderam aplicando as categorias “normais” de que cada um dispõe. As categorias “políticas” que se aplicaram ao Conclave escondiam uma última incapacidade de encarar um fenômeno que, ontem como hoje, desconcerta. Não basta que estas categorias tenham sido desmentidas repetidas vezes (com João Paulo II, com Bento XVI...) para que parem de aplicá-las: é necessária uma explicação exaustiva do fenômeno que os nossos olhos veem. Mais corretamente, é preciso que esta explicação aconteça.

Pois bem, a Igreja católica aconteceu diante dos nossos olhos, no intenso diálogo entre o Papa Francisco e a multidão na Praça São Pedro. A espera das pessoas enquanto os Cardeais votavam no conclave revelava um povo confiante e, ao mesmo tempo, necessitado de um pastor, em torno do qual se produz uma unidade sempre surpreendente num mundo como o nosso, habituado à divisão. A fumaça branca deu lugar a uma alegria transbordante, que a mais de um deve ter suscitado a pergunta: “Como é possível que se alegrem se não sabem quem foi eleito?”. Com o balanço das cortinas crescia a expectativa, revelando o desejo de conhecer, ver e escutar o pastor, como há quase dois mil anos Áquila e Priscila, oriundos de Roma, convertidos por São Paulo em Corinto, queriam conhecer Pedro, o amigo de Jesus, o primeiro bispo de Roma.

O primeiro gesto do Papa precedeu o seu rosto: havia decidido chamar-se Francisco, indicando desde o início onde quer fixar o olhar. Como o pobrezinho de Assis, o Pontífice declara não ter outra riqueza além de Cristo, e não conhece outro modo de comunicá-la além do simples testemunho da própria vida. E logo, diante dos fieis, com as câmeras do mundo inteiro voltadas sobre si, o Papa mostrou, em ato, qual é o fator que está na origem da Igreja: convidou a multidão a se recolher em oração diante de Deus Pai, através de Jesus Cristo. Naquele momento, a Igreja acontecia diante de todos nós. Da mesma forma que seu predecessor, o impetuoso Pedro, Francisco confessou: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Da mesma forma que ao primeiro bispo de Roma, Cristo confia também a ele, diante de Seu rebanho, as chaves da Igreja.

A fé que transparece no gesto de Francisco, pedindo ao seu povo para que mendigue para ele a benção de Deus, é comoventemente a mesma que vimos em Bento XVI quando recordava ao mundo inteiro que a Igreja é de Cristo. Ao se despedir dos Cardeais, Ratzinger recordava, citando Guardini, que “a Igreja não é uma instituição calculada e construída num gabinete. É uma realidade viva (...) que se transforma, como todo ser vivo, no decorrer do tempo, e todavia na sua natureza permanece sempre a mesma, e o seu coração é Cristo”. Recordando a audiência do dia anterior, na Praça São Pedro, concluía: “Esta foi a nossa experiência de ontem na Praça: ver que a igreja é um corpo vivo, animado pelo Espírito Santo, que vive realmente da força de Deus”.

Também nós podemos dizer: “Vimo-Lo ontem”. E agora o dizemos com Pedro, cujo rosto já conhecemos. E que nos convida, como cada um dos papas fez com o seu povo da urbe e do orbe, a começar um caminho juntos.

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